Terça, 12 de janeiro de 2016
Por Adriano Benayon *
Governadores de dez
Estados reuniram-se, ontem [28 de dezembro]
em Brasília, com o novo ministro da Fazenda, a respeito da iminente
regulamentação da Lei que alterou o indexador
das dívidas estaduais e municipais.
2.
Enquanto a União é escorchada pelo serviço dívida, em favor dos bancos, transnacionais
e rentistas ela suga os entes federativos, desde a federalização das dívidas,
em 1997, principal fator de estarem quebrados financeiramente.
3.
Esse esquema faz parte do conjunto de medidas antinacionais, impostas pela
oligarquia angloamericana, através do FMI e dos bancos mundiais, a que se
submeteu o governo do PSDB, durante os anos 90, e não modificado sob o governo
do PT.
4.
Foi, de fato, o período mais sombrio da história do País, pois nele, com o
falso pretexto de reduzir a dívida, foram arrancadas do patrimônio
nacional empresas e bancos estatais de valor inestimável.
5.
Qualquer preço que se discutisse, mesmo sob ótica reducionista, ignorando o
incalculável valor estratégico desses patrimônios, só teria algum sentido se
fosse em torno de muitas dezenas de trilhões de dólares.
6.
Entretanto, os políticos foram cooptados, e o povo anestesiado por vários
meios, sem falar na repressão e na mídia corrupta, para que se dessem
favores inacreditáveis aos beneficiários das negociatas, desde a Lei da
Desestatização, aprovada pelo Congresso em 12 de abril de 1991, proposta pelo
Executivo, sob Collor.
7.
Resultado: os patrimônios foram torrados (para o País), e a dívida pública
continuou a crescer de forma exponencial, à taxa média de 18,65% aa. (janeiro
de 1995 a agosto de 2015), de R$ 135,9 bilhões para R$ 3,86 trilhões
(multiplicou-se por 28,4).
8. A
Lei Complementar 148, de 25 de novembro de 2014, prevê que Estados e municípios
passem a ter suas dívidas corrigidas pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo) ou pela taxa básica SELIC - o que for menor - mais
juros de 4% aa., no lugar do IGP-DI mais 6% a 9% aa.
9.
Embora isso pareça mitigar a angustiante situação financeira dos entes
locais, não se abre qualquer chance de tirá-los do buraco, nem sequer de
evitar que este se aprofunde ainda mais.
10.
De fato, embora haja alguma redução nas taxas de correção e juros, estas
permanecem absurdamente altas: a SELIC básica já está em 14,25% aa., e o INPCA,
em alta, com expectativa acima de 10% aa. Além disso, aplicam-se sobre
montantes já insuportáveis, em relação às receitas.
11.
Os mecanismos de promoção ao subdesenvolvimento têm seu instrumento
central na “Lei de Responsabilidade Fiscal”, outro presente de grego do FMI,
(Lei Complementar 101/2000). Ela obriga União, Estados e Municípios a
sacrificarem todo tipo de despesa que não o serviço da dívida, em favor
dele.
12.
Prosseguindo em sua luta por modificar essas realidades, e alertando quanto a novos
golpes do sistema dívida, a Coordenadora da Auditoria Cidadã, Maria Lúcia
Fattorelli entregou, ontem, carta aberta aos governadores de Estados.
13.
Destaco alguns pontos desse documento, que convém ser lido e estudado pelo
maior número possível de brasileiros:
“Os
Estados e Municípios
têm recebido repasses federais, decrescentes, devido ao ajuste fiscal que faz
destinar cada vez mais recursos ao pagamento da dívida pública federal. Em
2014, enquanto os juros e amortizações da dívida federal consumiram 45,11% dos
recursos federais, os 26 estados, Distrito Federal, e 5.570 municípios
receberam repasses de 9,19%.”
“Em 2015 a situação agravou-se ainda mais, e
os gastos com a dívida devem atingir 50% do orçamento federal, devido ao
aumento abusivo das taxas de juros e à prática de mecanismos que usurpam o
instrumento do endividamento público, gerando dívida sem contrapartida
alguma ao País.”
“Exemplos:
1) as operações realizadas pelo Banco Central de swaps cambiais”, que de
setembro/2014 a setembro/2015 geraram prejuízo de R$ 207 bilhões impactando
o endividamento público federal; 2) as de “mercado aberto”, cujo volume
atinge quase R$ 1 trilhão e exige o pagamento de juros em moeda corrente, provocando
a elevação dos juros de mercado e prejudicando a indústria e o comercio.”
14. Fattorelli
recorda que, mesmo sem se ter feito a auditoria da dívida federal, determinada
pela CF, a CPI realizada pela Câmara dos Deputados, em 2009/2010, apontou
graves indícios de ilegalidades e ilegitimidades das dívida externa e interna,
federal, estaduais e municipais.
15. Ela indaga dos
governadores se já calcularam quantas vezes os Estados pagaram aquela dívida
desde o final da década de 90, e quantos investimentos deixaram de ser
realizados, porque os recursos foram absorvidos pelo pagamento da dívida
ilegítima e inflada de forma ilegal.
16. Ademais, se eles
têm consciência da origem espúria dessas dívidas, provenientes de passivos
de bancos estaduais, no esquema ilegítimo do PROES. E se sabem que os
Estados recorreram a endividamento externo para pagar a União.
17. A Auditoria
Cidadão denuncia, ainda, o arranjo inconstitucional implementado por
diversos Estados, criando empresas independentes, sociedades anônimas, que
passam a gerenciar ativos públicos e a emitir debêntures: obrigação de mesma
natureza de dívida pública, contando com garantia pública.
18. Finalmente, exige
dos governadores resposta decente à população, que sofre a subtração de
direitos essenciais, enquanto enfrenta desemprego, queda salarial e
aumento de tributos, e assiste ao crescimento dos bilionários lucros dos
bancos, batendo novos recordes a cada trimestre.
19. Recordo que, na
biologia, nenhum ser vivo surge sem provir de outro, mas a política econômica
permite a criação artificial de dívida. Isso porque está a serviço dos bancos e
rentistas e, portanto, faz o Tesouro Nacional emitir títulos com taxas de juros
absurdamente elevadas, sob o principal e falso pretexto de isso conteria a
inflação.
20. A enorme dívida
pública interna resulta da capitalização desses juros. Provém, pois, de fraude
incorporada à política financeira a cargo do Banco Central e de um certo COPOM
(Conselho de Política Monetária).
21. No sistema
vigente, de falsa democracia, e mesmo antes da "Nova República",
o Poder Executivo não exerce seus poderes. Tampouco o Congresso.
22. Talvez só um
presidente, Sarney, tentou encarar a dívida pública de forma soberana (à época
pesava mais a externa). Desvencilhou-se de Francisco Dornelles, sobrinho de
Tancredo, que herdara deste no ministério da Fazenda, e nomeou Dílson Funaro.
23. Este, entretanto,
não durou muito, devido às pressões dos banqueiros angloamericanos. Nem sequer
na vida, provavelmente envenenado. Depois, Sarney entregou os pontos e pôs na
Fazenda moleques de recados dos banqueiros.
***
Adriano
Benayon é doutor em economia
pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização versus
Desenvolvimento.
Artigo originalmente
publicado em revistas e jornais em 29/12/2015