Da
Tribuna da Imprensa
Por José Carlos de Assis - Via Jornal GGN
Raul
Velloso é um fenômeno midiático. Apresenta-se como economista mas, na
realidade, não passa de um contabilista especializado numa visão grosseira de
contas públicas por ele reduzidas a um refrão único: o Governo gasta muito. Há
anos, na verdade décadas, que Velloso tem espaço no jornal e na TV Globo para
dizer exclusivamente isso. Se compararmos o que disse dez anos atrás com o que
disse ontem na TV, concluiríamos que é exatamente a mesma coisa: a crise
brasileira é culpa do Governo por gastar muito.
Evidentemente
que Velloso não tem culpa disso. É preciso ser alguém tão imbecil como os
editores da TV Globo para não perceberem que ele é um engodo acabado. O
extraordinário são os ares de pontificado que ele se dá ao vomitar seu refrão
sobre o pecado do gasto público. Em geral, isso deveria passar ao largo mas
somos obrigados a comentar por causa do efeito televisivo. Muita gente
desinformada acha que a Globo tem o domínio da verdade, o que dá a Velloso um
excelente púlpito para disseminar seu besteirol.
Nós
estamos numa situação de contração da economia beirando os 5% em 2015, do
tamanho da que previ no início do ano passado. No entanto, o inefável Velloso
acha que o Governo está gastando demais. Os ossinhos de Keynes, o maior
economista do século XX, devem estar se revirando no túmulo. Keynes ensinou
que, em situação de depressão, como estamos, o Governo deve gastar mais do que
arrecada. Velloso, com sua autoridade bancada pela TV Globo, acha que não. Acha
que o Governo deve cortar gastos mesmo em depressão.
Confesso
que tenho dificuldades de tratar essas questões de uma forma educada. Meu
impulso, depois de 40 anos de estudos de economia política, com mais de 20
livros publicados, é pegar gente como Velloso e seus asseclas da Globo e mandar
irem pescar, ou um pouco pior. Sendo um sujeito educado, tenho que me
limitar a considerações mais acadêmicas, na esperança de que meus leitores e os
leitores e telespectadores dele tenham tempo de verificar uns poucos argumentos
econômicos fora do bestialógico neoliberal.
Num
país em depressão, como o nosso, o déficit público é absolutamente essencial
para a retomada da economia. Ao gastar mais do que arrecada o Governo retira
dos ricos, por empréstimo, dinheiro que estava parado nas mãos deles e o aplica
como despesa pública de custeio ou de investimento, comprando bens e serviços
do setor privado e assim fomentando a circulação. A curto prazo, não há nenhum
outro remédio para a depressão. É justamente porque não o aplicam que Espanha,
Grécia, Portugal etc continuam mergulhados em recessão.
A
demonização do déficit e a sacralização do superávit primário são preconceitos
neoliberais que mascaram os interesses dos ricos em seu afã de se cevarem dos
altos juros. A justificativa de gente como Velloso para essa política beira o
ridículo. Dizem eles que, equilibrando o orçamento na recessão, os empresários
recuperarão a confiança no governo e na economia e passarão a investir. Isso é
contrassenso. Empresários não investem por causa da confiança no governo ou no
equilíbrio orçamentário. Investem quando existe consumo, e é justamente para
aumentar o consumo que é necessário ampliar o déficit na recessão.
Claro,
haverá um momento em que será necessário equilibrar o orçamento. Isso também
faz parte da economia keynesiana. Esse momento é quando a economia atingir o
pleno emprego e esgotar a capacidade produtiva. Espera-se que, nessa altura, o
período anterior de crescimento favoreça um novo salto tecnológico de forma a
sustentar, de forma permanente, um novo ciclo econômico. De qualquer modo, a
variável fundamental é o pleno emprego. Como aprendi com Keynes, absolutamente
nada justifica que uma parte da sociedade, por puro preconceito liberal ou
neoliberal, fique desempregada eternamente.
*J. Carlos de Assis - Economista, doutor pela Coppe/UFRJ,
autor de “O universo neoliberal em desencanto” com Francisco Antônio Doria, Ed.
Civilização Brasileira, RJ.