Terça, 28 de outubro de 2014
Do site esquerda.net
É preciso desobedecer aos
credores que exigem o pagamento da dívida ilegítima e impõem políticas
que violam os direitos humanos fundamentais, que incluem os direitos
económicos e sociais da população. Entrevista de Éric Toussaint
realizada por Tassos Tsakiroglou.
27 de Outubro, 2014
Foto de Paulete Matos.
Manuel
Valls e Matteo Renzi pedem mais tempo para reduzirem o défice,
garantindo, em troca, fazer as reformas necessárias para que os seus
países se tornem mais competitivos. Estamos perante um verdadeiro
desafio para um consenso sobre a austeridade na Europa? Isto poderá
conduzir a resultados positivos?
Eu acho que o pedido que eles fazem à Comissão Europeia será
rejeitado, porque a Comissão quer manter as medidas brutais de
austeridade na Europa, em particular, na periferia (Grécia, Espanha,
Irlanda, Chipre, Portugal e países da Europa central e oriental), mas
também em países como a França, a Itália, a Bélgica, a Holanda, a
Áustria e a Alemanha. Se os governos francês e italiano fossem capazes
de convencer a Comissão Europeia a abandonar as políticas de
austeridade, seria positivo. Mas isso é impossível, especialmente,
porque, ao mesmo tempo, F. Hollande e M. Renzi querem precarizar ainda
um pouco mais os trabalhadores no mercado de trabalho. Na Itália, por
exemplo, Renzi lidera um ataque contra as conquistas sociais que
Berlusconi não tinha conseguido destruir. Além disso, sabemos que aquilo
que o governo Valls faz em França visa favorecer as grandes empresas
privadas, nomeadamente, os grandes bancos e seguradoras privadas.
Alexis Tsipras apela para uma conferência internacional sobre
a anulação da dívida dos países do Sul da Europa atingidos pela crise,
semelhante à que ocorreu na Alemanha, em 1953, e através da qual 22
países, incluindo a Grécia, anularam uma grande parte da dívida alemã.
Será que esta perspetiva é realista hoje?
É uma proposta legítima. É claro que a Grécia não gerou nenhum
conflito na Europa, como aquele que foi provocado pela Alemanha nazi. Os
cidadãos da Grécia possuem um argumento forte para dizerem que uma
grande parte da dívida grega é ilegal ou ilegítima e deve ser suprimida,
como a dívida alemã foi anulada em 1953(i).
Todavia, eu não penso que o SYRIZA e outras forças políticas na Europa
vão conseguir convencer as instituições e os governos dos países mais
poderosos da UE a sentarem-se a uma mesa, replicando o que foi feito com
a dívida alemã, em 1953. Trata-se, portanto, de um pedido legítimo e eu
apoiei nesse sentido a candidatura de Tsipras à presidência da Comissão
Europeia (ii),
mas não vejo que se consiga convencer os governos das principais
economias europeias e as instituições da UE a fazê-lo. O meu conselho é o
seguinte: a última década mostrou-nos que podemos chegar a soluções
equitativas através da aplicação de atos soberanos unilaterais. É
preciso desobedecer aos credores que exigem o pagamento da dívida
ilegítima e impõem políticas que violam os direitos humanos
fundamentais, que incluem os direitos económicos e sociais da população.
Eu acho que a Grécia tem argumentos sólidos para agir e formar um
governo apoiado pelos cidadãos, que exploraria possibilidades nesse
sentido. Esse governo popular e de esquerda poderia organizar um comité
de auditoria à dívida com ampla participação dos cidadãos, o que
permitiria determinar qual a parte da dívida que é ilegal e odiosa,
suspender unilateralmente os pagamentos e depois repudiar a dívida
identificada como ilegítima, odiosa e/ou ilegal.
Na Grécia, o SYRIZA está à frente de todas as sondagens e
vários dos seus dirigentes afirmam que a negociação da dívida será feita
no âmbito da zona euro e que não será resultado de uma ação unilateral.
O que diz sobre o assunto?
Sim, eu conheço a posição oficial do SYRIZA. Pessoalmente, eu tento
mostrar que se pode aplicar um outro tipo de política, porque é óbvio
que a maioria dos governos da zona euro e do BCE não aceitarão reduzir
de forma significativa a dívida da Grécia. Assim, apesar da vontade
manifestada pelo SYRIZA para negociar, eu acho que é impossível
convencer o conjunto dos atores. Para isso, é preciso ser mais radical,
porque não há outra possibilidade. É preciso ser radical, como a
Islândia após 2008, como o Equador em 2007-2009 e a Argentina entre 2001
e 2005.
Posteriormente, esses governos cometeram uma série de erros e
abandonaram a posição radical que foi adotada nos seus países. Por essa
razão, hoje enfrentam grandes dificuldades, como é o caso da Argentina.
Eu estive na Argentina nos últimos dias. O Parlamento aprovou uma lei
para que o país possa agir de forma soberana, no que diz respeito à
dívida. Foi decidido criar uma comissão no Congresso, que irá auditar a
dívida por um período de três meses. Veremos se essa comissão vai mesmo
ver a luz do dia.
Disse que é necessária a redução drástica da dívida pública,
mas não suficiente para que os países da UE saiam da crise. Será assim
necessário aplicar outras medidas importantes noutros setores. De forma
breve, quais são essas medidas?
Em primeiro lugar, é preciso nacionalizar – eu prefiro o termo
socializar – os bancos. Penso que os bancos na Grécia e noutros países
devem ser transferidos para o setor público e funcionarem respeitando as
regras e os interesses fixados pelo povo. Por outro lado, trata-se de
controlar os movimentos de capitais, sobretudo, as transferências
importantes realizadas pelas grandes instituições financeiras. Não me
refiro a transferências de 1.000 ou 2.000 euros, mas a grandes
transferências que requerem a aprovação prévia das autoridades de
supervisão, sob pena de se incorrer em multas muito elevadas e de ser
retirada a licença bancária aos bancos que ignorem esse controlo. Isto
será feito tendo em conta fins benéficos. Trata-se de proteger o cidadão
comum, que poderá continuar a fazer transferências bancárias
internacionais dentro de limites razoáveis. É preciso também uma reforma
fiscal radical: reduzir bastante os impostos pagos pela maioria da
população e aumentar muito, de forma gradual, taxas e impostos sobre os
mais ricos e as grandes empresas privadas nacionais e estrangeiras.
E a Grécia?
Trata-se de fazer o que dizia o SYRIZA aquando das eleições de 2012.
Se o Syriza formar governo, é preciso abolir as leis injustas que foram
impostas pela Troika (incluindo as que destruíram os acordos coletivos e
a negociação coletiva entre empregadores e trabalhadores). As outras
medidas necessárias são as seguintes: a implementação de uma reforma
fiscal radical, que favoreça a justiça social e a redistribuição da
riqueza, a revogação de parte dos impostos sobre os pobres e a taxação
dos mais ricos, a realização de uma auditoria e a suspensão do pagamento
da dívida para, de seguida, ser repudiada a parte identificada como
ilegítima, odiosa, insustentável e/ou ilegal; a socialização dos bancos e
a implementação de um controlo sobre os movimentos de capitais.
Como diz Naomi Klein, “o nosso modelo económico, isto é, o
capitalismo, leva a cabo uma guerra contra o planeta”. Recentemente,
centenas de milhares de pessoas saíram às ruas em muitos países contra
as alterações climáticas. Qual é o significado dessas manifestações?
Elas são muito importantes porque, a nível mundial, cada vez mais
indivíduos dão conta que enfrentamos problemas globais, desigualdades
mundiais, que causam danos ao clima, provocam migrações e provocam
guerras. Os movimentos internacionais de protesto são fundamentais e
necessários. Eles devem ser reforçados. Espero, com impaciência, para
ver uma maior capacidade de mobilização por parte das pessoas em todo o
mundo, de modo a reforçar as lutas.
Tradução: Maria da Liberdade
Revisão: Rui Viana Pereira
Revisão: Rui Viana Pereira
Artigo publicado em CADTM.
ENTREVISTA de Éric Toussaint realizada por Tassos Tsakiroglou (jornalista do diário grego Le Journal des Éditeurs) iii
iVer
o artigo: Eric Toussaint, «A anulação da dívida alemã em 1953 versus o
tratamento reservado ao Terceiro Mundo eà Grécia», publicado a 18 de
Agosto de 2014, http://cadtm.org/A-anulacao-da-divida-alema-em-1953
iiEm
2014, aquando da designação do novo Presidente da Comissão Europeia, o
grupo parlamentar da Esquerda Unitária tinha apresentado a candidatura
de Alex Tsipras contra a de Jean-Claude Juncker (apoiada pelo Partido
Popular Europeu e o Grupo Socialista Europeu) e a de um candidato
liberal.
iiiA
versão original foi publicada, domingo, 20 de outubro de 2014, no
diário grego de centro esquerda Le Journal des Éditeurs, ver http://www.efsyn.gr/?p=245093, «Νόμιμο το αίτημα Τσίπρα για διεθνή διάσκεψη για το χρέος» . A versão francesa foi revista por Éric Toussaint.