Domingo, 26 de outubro de 2014
Nem Aécio nem Dilma
Por Aldemário Araújo*
Faço uma singela reflexão acerca do segundo turno da eleição
presidencial de 2014 (Aécio versus Dilma). Creio que a pergunta
fundamental, nessa e em outras disputas eleitorais, é a seguinte: quais
os interesses representados por cada postulante? Diz a Constituição:
“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente”. A representação, aqui, significa basicamente
implementar/realizar interesses (tudo aquilo que pode ser considerado
útil, relevante, vantajoso ou proveitoso, na perspectiva de uma
sociedade heterogênea e conflituosa).
Aécio, seu PSDB e agregados, representa de forma mais genuína os
interesses das elites socioeconômicas brasileiras. Está escalado para
manter e aprofundar, se possível, os inúmeros e variados instrumentos de
exploração da grande maioria do povo brasileiro. Dilma, seu PT e
agregados, representa os mesmos interesses. Maquiavel já dizia, no
famoso livro “O Príncipe”, quando os grandes não conseguem governar com
um dos seus, governam com um do povo (Lula-Dilma). Em longos anos de
governo, o PSDB e o PT sequer arranharam os pilares de uma das
sociedades mais desiguais do mundo (embora seja a sexta ou sétima em
produção de riquezas). Praticamente nada foi realizado pelo PSDB-PT em
torno dos seguintes aspectos fundamentais: câmbio flutuante; metas de
superávit primário e de inflação; intenso endividamento do Estado; juros
altíssimos; desnacionalização do parque produtivo; enorme concentração
da propriedade rural; financiamento externo baseado na exportação de
minerais e produtos agrícolas; atração de recursos financeiros oriundos
da especulação internacional; sistema tributário profundamente injusto;
concentração e elitização da grande mídia; elevada distorção e
deterioração da estrutura político-partidária; considerável descaso com a
necessidade de uma profunda e abrangente revolução educacional;
degradação crescente do espaço urbano; baixíssima atenção para com os
mecanismos de planejamento e gestão eficiente das ações do Poder
Público, notadamente em setores estratégicos como energia, comunicação,
tecnologia, agricultura familiar, transporte, saúde e saneamento;
significativo desprezo pelo meio ambiente e o cultivo de uma “cultura”
baseada em valores extremamente deletérios, tais como o consumismo, a
ditadura da aparência e das mais mais variadas formas de futilidade e
superficialidade e um considerável incentivo à violência física e
simbólica.
Existem diferenças secundárias ou acessórias entre Aécio e Dilma.
Dilma, conta, de forma minoritária, com o apoio de setores
políticos historicamente mais ligados às causas populares. Pelas origens
políticas e sociais, os governos Lula-Dilma implementaram políticas
assistencialistas e limitados “ganhos” sociais. Esses “ganhos” estão
fundados em ambiente externo favorável, relativa estabilidade da moeda e
profundo endividamento das famílias (pagando os maiores juros do
mundo). Nesse cenário, com ciclo já esgotado, permaneceram intocados os
interesses das elites (aliás, vários estudos demonstram o aumento da
participação dos mais ricos na distribuição de renda nos últimos anos).
Aécio, por outro lado, surge como alternativa, meramente
político-eleitoral, ao projeto de poder do PT. Não se trata de um
projeto social-democrata (até votaria num projeto verdadeiramente
social-democrata, um considerável avanço para o selvagem capitalismo
brasileiro). Aécio é um fiel representante do neoliberalismo que tenta
colocar o mercado, e seus dogmas, como instância onipotente, onisciente e
onipresente.
Portanto, no essencial, Aécio e Dilma são “iguais” (representam
os mesmos interesses). Meu voto será nulo. Não me sinto minimamente
representado pelos dois projetos políticos postos. Insisto que Aécio e
Dilma são faces da mesma moeda, embora as imagens e os coloridos sejam
aparentemente diversos. Não creio que o voto nulo deve ser evitado a
todo custo. Pode ser a alternativa de quem adota um critério “mais
rígido” entre duas opções (substancialmente iguais e ruins). A escolha
pelos critérios secundários também é possível, naturalmente sem envolver
ilusões. Registro, desde logo, que não vou demonizar ninguém que faça
opções, sem ilusões e por qualquer dos aspectos acessórios, entre Aécio
ou Dilma.
A disputa entre Frejat e Rollemberg, no segundo turno das
eleições para o Governo do Distrito Federal, possui características
similares ao embate desenhado nas eleições presidenciais. Os dois
projetos, com diferenças cosméticas e de composição do arco de alianças
políticas, financiados pelo que existe de pior nos cenários
socioeconômicos regional e nacional, representam substancialmente os
mesmos interesses, no Distrito Federal, majoritariamente avessos aos
trabalhadores, aos jovens, aos estudantes e às classes médias.
“Na verdade, tem havido uma luta de classes nos últimos 20 anos, e
a minha classe venceu. Nós é que tivemos nossos impostos reduzidos
significativamente” (Warren Buffett, multibilionário em dólares)
*Aldemário Araújo foi candidato ao Senado pelo Psol.
Fonte: site do autor