Quarta, 29
de outubro de 2014
Alex Rodrigues - Repórter da Agência Brasil
Organizações sociais prometem intensificar a vigilância e
a pressão sobre a presidenta reeleita Dilma Rousseff, sobre governadores e
parlamentares
(Marcello Camargo/Agência Brasil)Marcelo Camargo/Agência Brasil
Centro do debate nesses primeiros dias após a divulgação do
resultado das eleições, a economia não será o único desafio a tirar o sossego
dos governantes que assumirem em 1º de janeiro. Independentemente do apoio dado
durante o pleito, organizações sociais prometem intensificar a vigilância e a
pressão sobre a presidenta reeleita Dilma Rousseff, sobre governadores e
parlamentares para ver atendidas suas reivindicações e impedir o que
classificam de “retrocessos em direitos sociais”.
“Vemos os próximos anos como de muitos riscos para os
direitos das mulheres e para tudo o que conquistamos com muita luta nos últimos
30 anos. Nossa expectativa é de resistência”, disse à Agência Brasil a
diretora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Guacira
Oliveira. A preocupação do movimento femininista diz respeito não só à
diminuição do número de mulheres eleitas para o Congresso Nacional e para
chefiar os executivos estaduais, mas, principalmente, com a nova composição do
Parlamento, classificado pelo Cfemea como uma legislatura mais “reacionária, conservadora, anti-igualitária e
fundamentalista”.
“Esse sistema político, impermeável ao ingresso das
mulheres, favorece os segmentos menos compromissados com a consolidação de um
poder democrático, com participação paritária feminina”, defendeu Guacira. “Por
isso, lutaremos pela reforma do sistema político, além de continuar cobrando
nossas outras bandeiras: direitos sexuais ou reprodutivos, descriminalização do
aborto, enfrentamento à violência contra as mulheres, regulamentação da lei do
trabalho doméstico e das políticas públicos relativas à infraestrutura de cuidado,
como creches e albergues para cuidados com idosos”, completou.
A preocupação também é mencionada por representantes
indígenas e indigenistas. “O resultado das eleições nos deixou mais preocupados
devido ao fortalecimento de setores econômicos contrários aos povos indígenas e
seus direitos. A julgar pela nova composição [do Congresso], o indicativo é
que, no Poder Legislativo e nos estados, o processo de ataque [aos povos
indígenas] que caracterizou os últimos anos se aprofunde”, declarou o secretário
executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cléber Buzatto.
Sobre a reeleição de Dilma, o dirigente do Cimi disse que
espera novos posicionamentos. “Ainda alimentamos a esperança de que, em seu
segundo mandato, a presidenta mude em relação aos temas que envolvem estrutura
fundiária. Que retome o curso de reconhecimento e homologação das terras
indígenas e quilombolas e a reforma agrária”, disse Cléber.
Desde o fim do regime militar, em 1985, o governo Dilma foi
o que menos homologou terras indígenas, segundo o Cimi. “Esperamos que a
presidenta tenha a sabedoria para perceber que não será alimentando os setores
conservadores que conseguirá implementar mudanças estruturantes urgentes. Se as
urnas mostraram algo foi que, por mais que o governo federal tenha agradado ao agronegócio,
paralisando a demarcação de terras tradicionais e a reforma agrária e
subsidiando a atividade, nos estados em que o agronegócio é forte [Mato Grosso
e Mato Grosso do Sul, por exemplo] a presidenta perdeu as eleições”, disse
Cléber, destacando a importância da reforma política. “Já no campo da economia,
que tanto destaque tem recebido, buscar soluções exclusivamente no mercado
financeiro e nos bancos nos parece uma sinalização negativa.”
Para o sociólogo e diretor do Instituto Brasileiro de Análises
Sociais e Econômicas (Ibase), Cândido Grzybowski, o resultado das urnas indica
que a população reconhece importantes conquistas recentes, mas cobra mudanças.
Em nota, Grzybowski avalia que, mesmo frustrados com o que consideram um modelo
de desenvolvimento incapaz de promover reformas estruturais, setores
organizados da sociedade civil se engajaram na disputa e ajudaram a consolidar
a vitória de Dilma Rousseff.
“Mas a reeleição por uma pequena margem de 3,5% precisa ser
vista como um pedido de mais e não simplesmente do mesmo […] Demandamos um
reformismo mais consistente, mais transformador […] A cidadania militante,
despertada neste segundo turno, quer as mudanças esperadas que ainda não
aconteceram. Se o poder constituído saberá se sintonizar com a cidadania
reivindicante é uma questão em aberto”, afirma Grzybowski.
Para o assessor de Políticas Públicas do Greenpeace, Pedro
Telles, a sociedade precisa se mobilizar para garantir avanços em relação à
preservação da qualidade ambiental. Segundo ele, o Greenpeace vai manter “a
mesma postura crítica dos últimos quatro anos”. Em nota, a organização afirma
que o país retrocedeu em termos de proteção à natureza, pois optou por
priorizar os investimentos em combustíveis fósseis, em detrimento de fontes
renováveis; anistiou quem destruiu o meio ambiente por meio da promulgação do
novo Código Florestal; interrompeu o ciclo de redução do desmatamento da
Amazônia e criou menos unidades de conservação que em governos anteriores.
“Lógico que, nos próximos quatro anos, isso pode mudar e essa é nossa
esperança. Mas o que vemos é um cenário muito semelhante e preocupante, no qual
teremos que continuar lutando muito não só para que tenhamos avanços, mas para
evitar retrocessos.”
Uma das coordenadoras da Comissão Pastoral da Terra (CPT),
Isolete Wichinieski também considera que, para os trabalhadores rurais e as
comunidades tradicionais, é grande a ameaça de retrocessos legislativos. “No
Congresso Nacional e nas assembleias estaduais foram eleitas pessoas muito
conservadoras. Por isso, prevemos dificuldades para manter os direitos
constitucionais já assegurados aos trabalhadores do campo e conquistarmos novos
avanços. A regulamentação do conceito de trabalho escravo, por exemplo, vai se
tornar ainda mais difícil. Os movimentos sociais poderão ser ainda mais
criminalizados e reprimidos. O que amplia as chances de um acirramento dos
embates. Até porque, para nós, a articulação política no Congresso ficará ainda
mais difícil. Por isso, acreditamos que os próximos anos serão de muita e
intensa luta.”
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) destaca
a luta por uma Assembleia Constituinte exclusiva, pela reforma agrária, pelo
assentamento de mais de 120 mil famílias de trabalhadores do campo que, hoje,
vivem acampadas em condições precárias e pela democratização da mídia. “Apesar
do atendimento às pautas dos movimentos sociais estarem aquém do esperado – e
basta ver os números da reforma agrária dos últimos quatro anos – fomos
fundamentais para garantir a vitória de Dilma. Agora, seguiremos somando forças
e ocupando latifúndios por uma sociedade mais justa e igualitária. O grande
desafio para os movimentos sociais é seguir lutando por reformas
estruturantes”, disse Alexandre Conceição, um dos coordenadores do MST no site
da entidade.
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