Sexta, 24 de outubro de 2014
Igor Mendes [veja aqui]- Tribuna da Imprensa
Não é um detalhe o caráter absolutamente despolitizado do
atual pleito. Significa, por um lado, que não há quaisquer diferenças
programáticas entre os candidatos, restando então a disputa sobre qual seria
mais “ético” ou “competente” que o outro –nem na terra do nunca algum candidato
admitiria ser corrupto e incompetente. Significa, por outro, a profunda
decomposição do Estado brasileiro, das suas classes dominantes, incapazes de
produzir novos quadros, administrando cada vez mais segundo o fisiologismo mais
estreito. Por mais que boa parte da intelectualidade faça coro com o “voto
útil” em Dilma, não há alquimista capaz de transformar esse latão em ouro.
Os
editais gordos que o PT tem reservado para os acadêmicos e artistas que dançam
conforme sua música, as benesses reservadas às centrais sindicais e aos tais
“movimentos sociais” amestrados explicam a mobilização desesperada e o
terrorismo, sofisticado aliás, uma vez que, orientado por marqueteiros, sabe
adaptar-se aos diferentes mercados. Aos
mais pobres dizem que o Bolsa Família irá acabar; aos mais intelectualizados,
que a “direita” vai voltar. Que Aécio é de direita todos sabemos, mas desafio
qualquer um a dizer em que Dilma é de esquerda. Discutam desde
macroeconomia até a questão fundiária, e verão. Alguém já parou para refletir
que Kátia Abreu –líder da bancada ruralista –e a direção do MST estão pedindo
votos para a mesma candidata? A incoerência não é, definitivamente, daquela...
Proeminentes
pensadores “de esquerda”, que acusam os que militam pelo boicote à farsa
eleitoral de “servir à direita”, por favor nos digam: como é a sensação de
votar em Michel Temer para vice-presidente?
A conversa fiada de que o país sairá das urnas dividido
Essa conversa de que o Brasil sairá das urnas “dividido”
é realmente incrível. Por acaso esse país está “unido”? Estão unidos
latifundiários e camponeses pobres, aqueles armados até os dentes, possuidores
de verdadeiros exércitos particulares de pistoleiros? Estão unidas as
empreiteiras (Camargo Corrêa, Odebrecht, Andrade Gutierrez, etc) e os operários
por elas aliciados e tratados como bichos em obras superfaturadas em cada
rincão do Brasil? Estão unidos governantes e policiais, aplicando uma política
sistemática de extermínio da juventude pobre, e essa mesma juventude? Estão
unidos banqueiros, saciados com o crédito consignado liberado pelo Lula, e a
tal “classe média” (velha ou “nova”, tanto faz) encalacrada em dívidas no país
que pratica as taxas de juros mais exorbitantes do mundo?
No dia 27, segunda-feira que vem, pela manhã, estaremos
tão divididos como há 514 anos: um ínfimo punhado de oligarcas de um lado; a
imensa maioria de plebeus de outro.
Ganhe quem ganhar
Já está anunciado aumento nas tarifas de luz e
combustível –o que fatalmente puxará para cima o preço dos alimentos, e
conseqüentemente a inflação. Para controla- la, seguindo a clássica receita do
consenso de Washington, juros lá no teto, deprimindo mais ainda a atividade
industrial e aumentando o endividamento do país e dos assalariados em geral
–sempre os que mais sofrem com a corrosão do poder de compra. Crescendo a
inadimplência, o crédito some; sem crédito não se pode vender carros e imóveis,
cujas bolhas prometem estourar há já algum tempo. Para os grandes empresários,
faltando capital, o BNDES socorre; mas ninguém nunca ouviu falar que o Banco do
Brasil ou a Caixa Econômica depositem dinheiro nas contas magras de seus
correntistas, meros mortais. Nada disso é difícil prever, nem sou especialista
em economia. É apenas a reedição dos ciclos da economia –e da política
–brasileira.
Ganhando Dilma, a desculpa será a crise mundial e a falta
de chuvas; ganhando Aécio, a desculpa será a falta de chuvas e a “herança
maldita”. Para o povo, restará enfrentar com valentia a carestia e a repressão,
estejam elas governadas por PT ou PSDB. E pelo PMDB, claro, que em qualquer
cenário será situação.
Sábias palavras
De Nelson Werneck Sodré, um mestre honrado, que contribuiu
como nenhum outro clássico para a compreensão do Brasil:
“Isto, no fim de contas, não passa de demonstração
repetida de que democracia e miséria são incompatíveis e que a continuidade
dessa farsa nos leva a um recrudescimento de lutas políticas, com profundos
reflexos sociais, porque a burla fica cada vez mais ostensiva. O nosso povo
está compreendendo, com a persistência dessa continuada agressão aos seus
direitos mais elementares, que a sua convocação às urnas, periodicamente, não
passa da consagração de uma farsa”. (“A farsa do neoliberalismo”).
Parece ter sido escrito hoje mesmo.