Do Náufrago da Utopia
Por Celso Lungaretti
O último debate eleitoral do 2º turno da sucessão presidencial foi uma reprise dos outros três: Dilma sempre gaguejando e repetindo como disco arranhado a propaganda (enganosa, como toda propaganda) oficial, Aécio sempre causando impressão um pouco melhor, nada de espantar, mas algo mais próximo do que deva ser quem exerce a Presidência da República.
Por Celso Lungaretti
O último debate eleitoral do 2º turno da sucessão presidencial foi uma reprise dos outros três: Dilma sempre gaguejando e repetindo como disco arranhado a propaganda (enganosa, como toda propaganda) oficial, Aécio sempre causando impressão um pouco melhor, nada de espantar, mas algo mais próximo do que deva ser quem exerce a Presidência da República.
Um batalhão de pesquisadores, coordenado por marqueteiros, os mune de um
imenso arsenal de dados que só servem para exibirem e depois jogarem
fora: presidente estabelece prioridades e coordena seus ministros, não
se ocupa pessoalmente das questiúnculas administrativas. Embora pose
fingindo inspecionar obras ou atrapalhando os que trabalham em situações
de emergência, aquilo tudo é só pra videota ver.
Então, se nos ativéssemos apenas às qualidades pessoais para o exercício
da função presidencial, teríamos de votar em Aécio Neves, que sugere,
ainda que remotamente, um estadista.
Dilma Rousseff fez questão de projetar a imagem de gerentona porque, no
fundo, era a única convincente no seu caso. Afinal, não passa de uma
guerrilheira que virou tecnoburocrata.
Antes, queria contribuir para a revolução, uma obra coletiva que
depende, fundamentalmente, de que os explorados, em algum trecho do
caminho, assumam a causa e a levem à vitória. Se ela houvesse
permanecido fiel aos ideais de outrora, teria estimulado a
conscientização, participação e organização do povo, pois é ele quem
pode fazer a revolução. Revolucionários somos apenas os abre-alas, não
os sujeitos da revolução.
Mas, a derrota dos anos de chumbo lhe fez muito mal e suas ambições se
reduziram a quase nada. Passou a se ver meramente como uma gestora do
capitalismo, que tenta gerenciar melhor o aparelho de estado, do ponto
de vista de obter algumas pequenas benesses a mais para o povão
(comparativamente às concedidas pelos governos de direita).
Ora, já faz mais de um século que os teóricos marxistas fulminaram o
reformismo como uma via política que, tornando o capitalismo um pouco
menos selvagem, só serve para assegurar-lhe sobrevida, já que ninguém
aguenta ser tratado indefinidamente a ferro e fogo. Dilmas e Lulas
apresentam ao povo a face humana do capitalismo, o que apenas o impele a se conformar ao invés de lutar.
Se queres um monumento, compara os contingentes combativos das Ligas
Camponesas e dos primórdios dos movimentos de sem-terra com os apáticos e
amorfos beneficiários do Bolsa Família. Uns queriam arrancar seus
direitos das garras exploradores. Outros ficam à espera que a esmola
lhes caia do céu, só se diferenciando dos mendigos por não terem de
suplicar por ela, bastando entrarem na fila do banco. Dos primeiros,
alguns certamente engrossariam as fileiras revolucionárias, se houvesse
uma revolução em curso. Dos segundos só podemos esperar prostração e
abulia.
Há dois pecados capitais que devem afastar os revolucionários da opção Dilma Rousseff:
- sua persona política, hoje, é de quem encara os explorados como objetos (beneficiários) da sua atuação, não como os sujeitos que precisam ser estimulados a cumprirem seu papel histórico. Ela substitui a mobilização revolucionária pela arregimentação dos eleitores para garantirem mandatos aos gerenciadores corretos, reassumindo, logo ao saírem da cabine de votação, a sua condição de zeros à esquerda, a serem devidamente tutelados pelos que sabem o que é melhor para eles. É o contrário de tudo que Marx e Proudhon nos ensinaram;
- e, não se contentando em colocar os explorados no seu devido lugar por meio das políticas de governo, recorreu à repressão pura e simples para sufocar o despertar das massas nas jornadas de junho de 2013 e subsequentes, tudo fazendo para abortar o que, para quem permaneceu revolucionário, representava a maior esperança surgida desde a domesticação do Partido dos Trabalhadores. Foi imperdoável e eu, pelo menos, jamais perdoarei o PT por isto; quase vomitava ao ler, nos posts dos blogueiros amestrados que oscilam na órbita palaciana, as mesmíssimas falácias, diatribes e incitação à bestialidade fardada que os arqui-reacionários de então, como Nelson Rodrigues, lançavam contra o movimento estudantil de 1968.
Não, mil vezes não! Pois importa mesmo é a força política que governará,
não seu garoto-propaganda. O que têm os tucanos a oferecerem, além de
uma melhor adequação do Brasil ao papel subalterno e dependente que lhe
cabe no capitalismo globalizado? Presumivelmente, eles apenas corrigirão
os erros de gerenciamento (mesmo na ótica estritamente capitalista...)
cometidos na caótica gestão de Dilma Rousseff e vão ocultar com mais
discrição a sujeira debaixo do tapete --afinal, a grande imprensa
decerto cooperará neste mister, voltando aos miados da era FHC, ao invés
dos rugidos de ultimamente.
Têm tão pouco a oferecerem ao povo como em 2002, quando foram varridos
do poder por Lula. Que haja tantos brasileiros hoje dispostos a andarem
para trás é estarrecedor! Mostra quanto o PT decepcionou aqueles que
nele apostaram.
Noves fora, Aécio representa o retrocesso e Dilma, o represamento do
ímpeto revolucionário sob a batuta (e a repressão!) dos reformistas.
Merecem ser ambos repudiados. Merecem que o povo lhes atire sua decepção
na cara, pois um não oferece esperança nenhuma e a outra frustrou
miseravelmente as imensas esperanças que seu partido despertou.
A maneira que resta para expressarmos nossa indignação é recusa das
opções que nos estão sendo oferecidas, seja (preferencialmente) anulando
o voto, seja votando em branco ou mesmo, por meio da abstenção, não
desperdiçando tempo com uma eleição que, além de não prenunciar
verdadeira melhora, apresentou a campanha mais imunda e medíocre desde a
redemocratização.