Quarta, 30
de outubro de 2014
Camila
Maciel – Repórter da Agência Brasil
Uma molécula produzida a partir da saliva do carrapato Amblyomma
cajennense, conhecido como carrapato-estrela, pode ajudar no desenvolvimento de
um medicamento contra o câncer. A descoberta foi feita por pesquisadores do
Instituto Butantan, da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Pesquisas
identificaram que a proteína encontrada no parasita era capaz de destruir
tumores cancerígenos sem causar danos a células saudáveis. O estudo obteve
sucesso em camundongos e coelhos e aguarda autorização da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) para testar a nova droga em humanos.
Para coordenadora da pesquisa Ana Marisa Chudzinski-Tavassi,
responsável pelo Laboratório de Bioquímica e Biofísica do instituto, os
resultados obtidos em dez anos de pesquisa indicam que há regressão
significativa e até mesmo a cura de tumores no pâncreas, no rim e na pele. Ela
lembra, no entanto, que os testes em animais são feitos em ambiente totalmente
controlado. “[No laboratório] eu sei quanto injetei de célula tumoral no
animal, quanto tempo depois eu comecei a tratar. Isso não é a realidade de um
paciente. Você tem que fazer isso [testar em humanos] para provar que a
molécula funciona”, disse.
Os estudos mostraram que, em animais saudáveis, a molécula
foi rapidamente eliminada pelo organismo. No entano, quando injetada em animais
com câncer, se ligou diretamente ao tumor e demorou a ser excretada. “Ao
analisar as proteínas que induzem à morte desse tumor, eu vejo que, sim, as
células foram acionadas pela molécula. A gente está bastante animado com isso”,
declarou Chudzinski-Tavassi. Ela explica que é preciso investigar se haverá
necessidade de combinar o medicamento com outros tipos de tratamentos já
estabelecidos, como a quimioterapia. “Ainda não é possível dizer se vamos
conseguir ter um resultado melhor em humanos somente com a molécula”.
A descoberta da célula foi uma surpresa, de acordo com a
pesquisadora. Ela conta que, inicialmente, a intenção era buscar moléculas
capazes de produzir novos anticoagulantes. “Queríamos saber o que tinha no
sistema desse carrapato que mantinha o sangue incoagulável. Se ele é hematófago
[parasita que se alimenta de sangue], ele necessariamente tem algo ou que
impede a coagulação ou que destrói coágulos já formados”, explicou. Durante o
processo, percebeu-se que a molécula poderia atuar na proliferação celular. “Aí
foi a surpresa. Começamos a testar tipos de células tumorais e [a molécula]
sempre matava células tumorais e não matava as normais”, relatou.
Ao mudar o foco da pesquisa, o instituto solicitou a patente
em território nacional e internacional, pois não havia registro dessa molécula.
Nas etapas que se seguiram, os pesquisadores estabeleceram uma metodologia de
produção escalonável. “Se vamos propor uma nova molécula, temos que ter um
sistema de produção que dê conta, para virar de fato um medicamento”, explicou
a coordenadora. Além disso, foi feita a formulação, que é a transformação da
molécula em produto. “Foi analisada a estabilidade, para ter certeza de que é
possível mantê-lo em um frasco por um tempo determinado para que possa viajar e
chegar ao destino”, detalhou. Até o momento, todos os testes foram bem
sucedidos.