Domingo, 26 de outubro de 2014
Fonte: PCB
Ivan Pinheiro
Secretário Geral do PCB
Secretário Geral do PCB
Camaradas:
Senti necessidade de escrever essas modestas linhas, diante da
surpreendente repercussão da Nota Política do PCB, indicando o voto nulo
no segundo turno das eleições presidenciais de 2014.
Uma decisão corajosa como esta, que condicionou a tática à estratégia
socialista da revolução brasileira, reiterada pelo recente XV Congresso
Nacional do Partido, provocou esta saudável polêmica, exatamente porque
questiona o ritual que se repete nas últimas eleições, às vésperas das
quais o PT tem uma recaída de discurso à esquerda, levantando o fantasma
do golpe de direita, como se o capital quisesse derrubar o governo que
lhe deu lucros “como nunca antes na história deste país”.
O debate em geral tem sido num nível elevado, apesar de algumas
posturas passionais, ao sabor das pesquisas eleitorais, em função do
risco de o PT perder as eleições para si próprio.
O voto nulo não é uma questão de princípio para os comunistas, mas
uma posição política que exigimos seja respeitada. Se fossemos
bolivianos, não teríamos dúvidas de recomendar com entusiasmo o voto em
Evo Morales que, é bom lembrar, nunca correu risco de perder as recentes
eleições, porque efetivamente promoveu mudanças no sentido dos
interesses populares. Convocou uma Constituinte soberana logo no início
de seu primeiro mandato, estatizou os setores estratégicos da economia,
inclusive a multinacional Petrobrás, e desenvolveu uma política
anti-imperialista.
Hugo Chávez e Evo Morales, que adotaram medidas contrárias aos
interesses do imperialismo e das oligarquias locais, estes sim,
enfrentaram e venceram várias tentativas de golpes de estado, com o
decisivo apoio das massas, politizadas e radicalizadas pela disputa
ideológica desses processos de mudança.
Reparem que o CC do PCB teve o cuidado de registrar que “respeitamos
aqueles companheiros de esquerda que consideram que as diferenças entre
o PSDB e o PT ainda são relevantes e que votarão em Dilma como um mal
menor” e que “contamos com esses companheiros nas acirradas lutas que se aproximam”.
Fica claro, portanto, que nosso diálogo é com aqueles que querem
superar o capitalismo e não com os que querem humanizá-lo, como se isso
fosse possível.
Pretendo aqui privilegiar o tema mais citado como motivo do “voto
útil” em Dilma: o mito da política externa “progressista” ou
“anti-imperialista” dos governos petistas, o que positivamente delimita
nosso debate ao campo político internacionalista.
Quero começar lembrando que nenhum partido ou governo tem uma
política externa contrária à sua política interna ou incompatível com
sua base de sustentação política. E a política interna e externa dos
governos petistas é a prioridade absoluta no desenvolvimento do
capitalismo brasileiro, em âmbito nacional, regional e internacional,
com vistas à sua ascensão na pirâmide imperialista.
No nosso país, em que nunca houve uma ruptura da ordem, a política
externa predominante não é de governos, mas do estado burguês,
consagrada pela sólida e eficiente tradição pragmática do Itamaraty,
cujo critério não é ideológico, mas o de sempre fazer contas para
calcular como o capitalismo brasileiro pode ganhar mais e perder menos
em cada caso concreto.
O exemplo mais dramático foi a demora na escolha de um lado na
Segunda Guerra Mundial, para não ficar do lado que viesse a perder. Não
fosse a campanha dos comunistas e outros progressistas, o governo
brasileiro não teria entrado na guerra ao lado dos aliados, já nos
estertores do nazifascismo.
Até durante os vinte anos da última ditadura burguesa sob a forma
militar, a partir de 1964, os interesses do capitalismo brasileiro
levaram o governo a se posicionar com alguma independência na arena
internacional, uma política que seus dirigentes chamavam corretamente de
“pragmatismo responsável”, uma boa definição para a diplomacia que
sempre prevaleceu em nossa política externa: um algodão entre cristais.
Foi o caso, por exemplo, do reconhecimento dos governos nascidos das
guerras de libertação na África, de olho nas possibilidades econômicas
deste continente.
É bom lembrar que o condutor e referente da política externa
brasileira nos últimos doze anos é Lula, que fez questão, na sua
primeira posse, de dizer que não era socialista e que seu sonho era
destravar o capitalismo brasileiro, usando a metáfora do “espetáculo do
crescimento”. É o mesmo que assinou a Carta aos Brasileiros e foi à Casa
Branca garantir a Bush filho a manutenção do status quo, garantir os
contratos e a autonomia do Banco Central, sob a direção de Henrique
Meirelles, à época presidente do Bank of Boston.
É
o mesmo Lula que aceitou um pedido do mesmo Bush, pelo telefone, para
que o Brasil assumisse o comando das forças de ocupação do Haiti, após o
imperialismo seqüestrar e levar para lugar incerto o presidente eleito
do país. Uma ocupação que dura mais de dez anos e que envergonha os
internacionalistas brasileiros!
Não nos esqueçamos também do acordo militar assinado pelo governo
Lula com os Estados Unidos, em 12 de abril de 2010, denunciado pelo
PCB[1], destinado a “aprofundar a cooperação em áreas como contatos
técnicos, treinamento, investigação e iniciativas comerciais
relacionadas com segurança”. O acordo foi assinado em Washington
pelo Ministro de Defesa de Lula, Nelson Jobim, e o Secretário de Defesa
norte-americano, Robert Gates, que, na ocasião, declarou solenemente: "Este
acordo é o reconhecimento formal dos muitos interesses e valores que
compartilhamos, sendo as duas maiores democracias das Américas".
Lula,
mesmo que à sua revelia, se tornou uma liderança sindical, nacional e
internacional, em razão de uma estratégia da eminência parda da
ditadura, Golbery do Couto e Silva, que conduziu a “abertura lenta,
segura e gradual” com a preocupação principal de evitar que os
comunistas emergissem com força do processo de “transição democrática”.
De uma hora para outra, Lula foi capa de revistas nacionais e
internacionais, saudado como a “esquerda moderna”, que defende a
harmonia entre capital e trabalho.
A promoção da nova liderança foi facilitada pela circunstância de
Lula estar no local certo na hora certa, as greves metalúrgicas do ABC, e
por sua formação política no sindicalismo norte-americano, com forte
ligação com a anticomunista CIOLS (Confederação Internacional dos
Sindicatos Livres) à qual, por sua influência, a CUT se filiou nos anos
1990, aprofundando sua degeneração. Quando fundou o PT, Lula revelou seu
anticomunismo e personalismo, ao criar todos os obstáculos ao ingresso
de Luiz Carlos Prestes no novo partido, no início dos anos 1980, após o
seu rompimento com o PCB. Lula não queria nas fileiras do PT um
comunista reconhecido internacionalmente, a maior liderança popular da
história do Brasil.
É surpreendente ver camaradas de luta se rendendo à chantagem petista
e perdendo o sono, achando que uma eventual derrota de Dilma pode
significar a derrota de Cuba, da Venezuela, da insurgência e do
movimento de massas colombianos, o fim do Mercosul, a opção pela Aliança
Andina, a volta da ALCA, o fim da Celac e da Unasul, a saída do Brasil
dos Brics.
Há até os que, como o respeitado marxista argentino Atílio Borón, que
considero amigo e camarada, nos aterrorizam com o espectro do nazismo,
comparando o que consideram errado na posição do PCB com o fuzilamento
do Secretário Geral do Partido Comunista Alemão pelas SS de Hitler! E
que pinça uma frase do Manifesto Comunista, de Marx e Engels (“os comunistas não formam um partido à parte, oposto a outros partidos operários”),
para justificar uma aliança com o PT, como se este fosse ainda um
“partido operário”. E ainda menciona Lenin, para defender alianças com
os reformistas, quando em verdade sua principal contribuição é
exatamente a luta sem tréguas contra o oportunismo.
Por coincidência, reli recentemente o texto “O oportunismo e a falência da II Internacional”, que Lenin escreveu em 1916, e do qual retiro uma breve citação:
“Um pequeno círculo da burocracia
operária, da aristocracia operária e de companheiros de jornada
pequeno-burgueses podem receber algumas migalhas dos lucros da grande
burguesia. A causa profunda do social-chauvinismo e do oportunismo é a
mesma: a aliança de uma pequena camada de operários privilegiados com a
“sua” burguesia nacional contra as massas da classe operária, a aliança
dos lacaios da burguesia com esta última contra a classe por ela
explorada. O conteúdo político é sempre o mesmo: a colaboração de
classes, a renúncia à ditadura do proletariado, o reconhecimento sem
reservas da legalidade burguesa, a falta de confiança no proletariado, a
confiança na burguesia”.
Subestimando a capacidade de luta dos trabalhadores e valorizando
apenas a institucionalidade, anunciam que uma vitória de Aécio faria
desaparecer alternativas à esquerda por um longo período, comparado à
ditadura burguesa-militar de 1964! Seria oportuno refletirmos sobre as
diferenças, no Chile, entre os governos progressistas de Bachelet e do
direitista Piñera, não deixando de levar em conta a combatividade do
movimento de massas em cada período. Ou mesmo as diferenças entre os
governos Bush e Obama, Sarkosy e Hollande, que os revolucionários
franceses chamam de Sarkollande. Quem implantou o neoliberalismo na
Espanha foi o Partido Socialista Operário Espanhol.
Esse é um modelo mundial implantado nos países de capitalismo
avançado, inspirado na fórmula estadunidense: uma bipolaridade eleitoral
no campo da ordem, com possibilidade de alternância nos marcos da
administração do capitalismo.
Outros alegam que, não havendo (o que é verdade) condições
revolucionárias subjetivas, só nos resta votar no “mal menor”. Revolução
ou eleição, eis a questão!
Nesta conversa sobre a fantasia da política externa “progressista” ou “anti-imperialista”, começo pela América Latina.
A coincidência do advento de processos de mudanças na América Latina
(Venezuela, Bolívia, Equador) com o início do governo Lula, contribuiu
para este mito, ainda mais com a memória do início dahistória do PT como
um partido de luta e com o fato de que o novo Presidente tinha origem
operária. Poucos se davam conta de que, enquanto naqueles países se
mobilizavam os trabalhadores para as mudanças e se enfrentavam as
oligarquias e o imperialismo, no Brasil o novo governo abandonava seu
programa já rebaixado para garantir a continuidade das políticas
neoliberais de FHC, cooptava os movimentos sociais e desmobilizava os
trabalhadores, promovendo acordos com os partidos burgueses para
garantir a ordem e a governabilidade institucional. E quantas vezes nos
pediram paciência, pois as mudanças chegariam? Há alguns esperando até
hoje!
O PCB não caiu nessa balela. Deixou de acreditar nessas promessas em
março de 2005, no seu XIII Congresso, quando constatou o transformismo
irreversível do PT e tornou público seu rompimento com o novo governo.
A aproximação do novo governo brasileiro com a Venezuela teve a ver
com uma estratégia econômica, não ideológica. Como a Venezuela tem uma
frágil economia rentista petroleira e não substituiu suas importações,
este país se transformou num paraíso para os monopólios brasileiros, com
a venda de serviços de engenharia e de bens de consumo, praticamente
sem concorrentes, em função da tensa relação do governo bolivariano com
seus tradicionais fornecedores, os EUA e a Colômbia.
É verdade que o governo Lula ajudou a Venezuela no “paro petroleiro”
simbolicamente com um carregamento de combustível. A derrota de Hugo
Chávez poderia significar, naquele momento, a perda de um promissor
mercado para nossos produtos. Mas quem derrotou esta e várias tentativas
de golpe de direita, sob a direção do imperialismo, foram as massas
venezuelanas e a determinação política de Chávez.
É também verdade que o governo brasileiro teve peso na inviabilização
da ALCA, num exitoso movimento continental, sob a liderança combativa
de Hugo Chávez, a partir de um ato político de massas em Mar Del Plata,
em 2005.
Mas coerente com o pragmatismo responsável e com a liberdade de
concorrência por mercados, assim como ajudou a enterrar a ALCA, o
governo Lula ignorou e boicotou a ALBA (Alternativa Bolivariana para os
Povos) e o Banco do Sul, dois grandes projetos de Hugo Chávez para uma
integração complementar e solidária da América Latina.
Se a chamada revolução bolivariana for derrotada não será por
responsabilidade de Dilma nem de Aécio, mas por conta de suas limitações
para radicalizar e avançar o processo, com a criação de um verdadeiro
poder popular capaz de começar a destruir o aparelho burguês. O mesmo
vale para o Equador e a Bolívia. O humanista Fernando Lugo, eleito
presidente do Paraguai, com a simpatia e a contribuição do Foro de São
Paulo, foi derrubado por um golpe branco da direita, urdido pelo
imperialismo nas barbas do governo petista, que botou o Paraguai de
castigo no Mercosul e, poucos meses depois, o acolheu de volta,
reconhecendo os golpistas como legítimos governantes porque, afinal, os
negócios não podem parar!
No caso da Colômbia, só os inocentes úteis não percebem a pragmática
política externa brasileira, encaminhada pelo governo, pelo PT e o Foro
de São Paulo. Em julho de 2008, ainda Presidente, Lula promoveu em
Bogotá, ao lado do bandido Álvaro Uribe, um grandioso encontro de
centenas de empresários e políticos burgueses brasileiros e colombianos,
para inaugurar uma parceria comercial. Dialogando com a burguesia
colombiana, que majoritariamente quer o fim urgente do conflito social e
militar, para melhorar a imagem internacional do país e captar
investimentos estrangeiros, Lula abriu o encontro (“Colômbia-Brasil: novas fronteiras de negócios”), com uma frase que diz tudo: “A América Latina não precisa mais da espada de Bolívar, mas de crédito!”[2].
Na
mesma ocasião, os dois presidentes compartilharam o palanque para um
desfile militar e se reuniram na casa de hóspedes da presidência
colombiana, onde firmaram acordos não divulgados, em cuja pauta se
destacava a “cooperação em defesa e segurança fronteiriça”[3],
para reforçar o Plano Colômbia, durante o qual a Colômbia acolheu mais
sete bases norte-americanas e passou a ser o segundo destino de armas
dos EUA, depois de Israel.
A partir deste encontro, o Brasil do PTpassou a ser um dos maiores
fornecedores de material bélico para o estado terrorista colombiano. O
covarde ataque aéreo desfechado contra o acampamento de Raul Reys (então
porta-voz internacional das FARC), com invasão do espaço aéreo
equatoriano, se deu a partir de um dos muitos aviões militares vendidos
pelo Brasil, durante o Plano Colômbia, o frustrado projeto de acabar
militarmente com a guerrilha. Ironicamente, os aviões brasileiros
chamam-se supertucanos.
Como dissemos no início, a política internacional de um partido é a
extensão de sua política interna. Além do fornecimento de armas, o
governo brasileiro vem trabalhando nos bastidores para tentar forçar a
insurgência a uma paz rápida, sem custos, com a entrega das armas, o que
significaria um extermínio semelhante ao que vitimou milhares de
militantes da União Patriótica, no início dos anos 1990.
A partir do governo Lula, o PT aparelhou totalmente o Foro de São
Paulo, uma articulação criada basicamente pelos partidos comunistas da
América Latina há mais de 25 anos, privilegiando agora os partidos
socialdemocratas e liberais, tidos como progressistas, tirando qualquer
espaço para a ação dos comunistas, pelo menos daqueles que não se
renderam ao capital. O Foro de São Paulo se transformou num instrumento
de conciliação de classe e de expansão da influência do capitalismo
brasileiro, tendo como função principal o apoio político e material a
candidatos “progressistas” na região, identificados com os governos
petistas, para garantir futuros bons negócios.
Para confirmar a ação do PT e do governo brasileiro pela “paz dos
cemitérios” na Colômbia, eu queria apelar para a boa memória de Atílio
Borón, o camarada e amigo argentino a que já me referineste texto.
Estávamos os dois indignados, numa edição do Foro de São Paulo em
Caracas, em 2012, com o fato de o PT não ter permitido que Piedad
Córdoba usasse da palavra, logo ela, a maior expressão mundial da luta
pela paz com justiça social na Colômbia. Não foi permitido também que o
amplo movimento social colombiano Marcha Patriótica se credenciasse no
evento.
Ainda na América Latina, quero afirmar que é desrespeitosa à
Revolução e ao povo cubano a chantagem, de reformistas e inclusive de
declarados revolucionários, de apregoarem que a eventual derrota da
Dilma significará a derrota da construção do socialismo em Cuba.
Novamente aqui a superestimação do institucional e a subestimação da
luta dos trabalhadores. Respeitem a Revolução Cubana, que resiste há 50
anos a um cruel boicote imperialista, resistiu a duas décadas de
Operação Condor, com ditaduras de direita em quase toda a América do Sul
e, num feito que poucos acreditavam, resistiu à queda da União
Soviética, com o heróico período especial.
Essas manobras eleitorais têm como base a crença de que a fração
burguesa que governaria com Aécio (cá entre nós, basicamente a mesma que
governa com o PT) romperia com a cultura do pragmatismo responsável,
transformaria o Brasil em numa nova estrela da bandeira norte-americana e
mandaria a Odebrecht se retirar imediatamente da Venezuela e de Cuba,
suspendendo o canteiro de obras venezuelano e as obras do Porto de
Mariel!
E pior: como se o socialismo em Cuba dependesse da “solidariedade
internacionalista” dos monopólios brasileiros e não da organização e do
valor que seu povo dedica à sua Revolução.
Para que nossos amigos durmam em paz, lembro aqui uma recente
entrevista, no reacionário jornal Folha de SP, de Marcelo Odebrecht,
presidente da empreiteira favorita. Ali ele faz duas afirmações, uma
duvidosa e outra indiscutível, sobre o porto de Mariel, em Cuba: “Se o porto será de grande importância para o socialismo cubano, foi o capitalismo brasileiro que mais ganhou até agora”[4].. E eu acrescento uma pergunta: quem ganhará mais com a exploração deste estratégico porto em pleno Caribe?
Esta semana, um blog petista (“tijolaço”) deu um tiro no pé
da fantasia da política externa “anti-imperialista”. Para conquistar
votos à direita, provou documentalmente que o governo de FHC também
usava o BNDES para dar “solidariedade” à Venezuela e a Cuba, num texto
com direito a uma foto carinhosa, em que se entrelaçam as mãos de Fidel,
Chávez e FHC[5].
Lula
viaja frequentemente nos jatos da Odebrecht para visitar
(desinteressadamente!) as obras da “sua” empreiteira favorita em Cuba,
na Venezuela e em outros países da região. Conseguiu em Cuba que a sua
querida Oderbrecht assumisse o monopólio do plantio e da colheita de
cana de açúcar para produção de biocombustíveis. A mesma colheita de
cana que já levou dezenas de milhares de jovens de todo o mundo ao
trabalho voluntário na Ilha Rebelde.
Eu estava em Havana em fevereiro deste ano, quando vi no Gramna uma
foto numa matéria que registrava mais uma viagem de Lula a Cuba, desta
vez levando pelo braço o rei da soja no Brasil, o seu grande parceiro
político, Blairo Maggi[6], que responde a vários processos por corrupção
em nosso país. Desta vez, o lobby era para a implantação do cultivo da
soja em território cubano.
Com
todo respeito, são fantasiosos os argumentos daqueles que declaram que
há um risco do fim do Mercosul, da Unasul, da Celac. Qual governo
burguês retiraria o Brasil destas instituições multilaterais estatais,
absolutamente heterogêneas, desideologizadas?
Quem infelizmente está com os dias contados, pela morte de Chávez, de
que se vale a ação do governo brasileiro, é a ALBA, aos poucos engolida
pelo Mercosul, uma integração estatal capitalista sob hegemonia
brasileira. Aos que temem o Brasil sair do Mercosul e aderirà Aliança do
Pacífico (Colômbia, Peru, Chile e México), era bom ler a entrevista
desta semana do Ministro das Relações Exteriores de Dilma, em que
informa sobre uma reunião em Santiago do Chile, no próximo dia 24 de
novembro (anotem em suas agendas!), entre o Mercosul e a Aliança do
Pacífico, como um primeiro passo para um acordo de livre comércio único
de toda a região.
Aos inocentes úteis ou mal informados, é preciso dizer que o Brasil
lidera atualmente os esforços, já bem avançados, para a celebração de um
TLC (Tratado de Livre Comércio) do Mercosul com a União Européia,
contra o qual Hugo Chávez sempre se bateu.
Para
os que acham que o Brasil é solidário com a Palestina, por conta de
declarações e atitudes pela paz e pela criação irreal e artificial de
dois Estados assimétricos, é bom lembrar que, por iniciativa do governo
Lula, Israel é o único país que tem um TLC com o Mercosul. Israel é um
dos maiores parceiros comerciais de material bélico com o Brasil, que
sedia, no Riocentro (Rio de Janeiro) o evento periódico que o movimento
de solidariedade ao povo palestino corretamente chama de Feira da Morte
(“Feira Internacional de Defesa e Segurança”)[7]. Ali são apresentados e
comprados os novos equipamentos militares e policiais, de origem
basicamente brasileira e israelense, cada vez mais sofisticados, um
comércio em que o Brasil cresce anualmente.
Os BRICs se transformaram recentemente no principal exemplo para os
reformistas e revolucionários iludidos afirmarem que a política externa
brasileira é ideológica e que se os neoliberais vencerem os
social-liberais, vão imediatamente retirar o Brasil dos Brics.
Alguém poderia apontar pelo menos um setor da burguesia brasileira
que tenha criticado este importante acordo comercial e tarifário? Quanto
mais “janelas de oportunidades” se abrem para o capital, melhores são
suas possibilidades de negócios, que não têm nada a ver com
ideologia.Ainda mais em se tratando de uma união estatal na esfera do
capitalismo, liderada pela China, o país com o qual o Brasil hoje tem o
maior intercâmbio comercial, o que mais compra as nossas commodities.
Há os que vêem os Brics como uma plataforma anti-imperialista,
certamente porque se esqueceram de que a Rússia hoje não é mais a União
Soviética e que a China está às vésperas de se tornar a maior potência
capitalista mundial. O que há hoje em dia é uma acirrada disputa
interimperialista que não interessa à classe operária e aos
trabalhadores, que não têm que escolher entre imperialismo “bom ou mal”,
pois a sua luta é pela destruição do capitalismo, para abrir caminho à
construção do socialismo.
É bom lembrar que o imperialismo fez de Lula o grande garoto
propaganda internacional para promover a tese de que aos trabalhadores
interessa o desenvolvimento do capitalismo e não sua derrota. Durante
seu governo, Lula foi o “pudim de toda festa” dos Foros Econômicos
Mundiais, a reunião periódica do “Comitê Central” do imperialismo, em
Davos (Suíça). Ele era sempre o convidado especial, a atração que
animava a todos, dando alegria às fotos oficiais, para simbolizar a
harmonia entre o capital e o trabalho. É este, camaradas, o articulador
de uma política externa anti-imperialista?
Para
não dizerem que não falei dos Estados Unidos e nem de Dilma, não posso
deixar de lhes lembrar um dos episódios mais vergonhosos da história do
Brasil. Obama foi o primeiro estadista a visitar o Brasil, em março de
2011, logo após a posse da atual Presidente, num ritual performático que
durou três dias consecutivos. O Brasil literalmente parou para receber
Obama e sua comitiva de centenas de empresários norte-americanos,
protegidos por um verdadeiro exército de militares e agentes da CIA.
A soberania nacional ficou suspensa no período. Enquanto empresários e
ministros dos dois lados formalizavam acordos comerciais e estatais,
montou-se um aparelho de repressão sem precedentes após a ditadura. Para
fazer a vontade de Obama de realizar um evento no Teatro Municipal do
Rio de Janeiro, o governo comandou uma ação conjunta na cidade,
envolvendo todas as forças armadas e militares para impedir que os
manifestantes protestassem na Cinelândia, um dos locais mais simbólicos
da luta popular.
E essa histórica visita se deu num momento de importante desgaste do
imperialismo norte-americano na América Latina e no mundo em geral.
Desta forma, assim se pronunciou o CC do PCB em nota política durante a
visita:
“O governo brasileiro montou um
palanque de honra e um potente amplificador para Obama falar ao mundo,
em especial à América Latina, para ajudar os EUA a recuperarem sua
influência política e reduzir o justo sentimento antiamericano que nutre
a maioria dos povos. Nem na ditadura militar, um presidente
estadunidense teve uma recepção tão espalhafatosa”[8].
Camaradas:
Esta modesta reflexão é para muito além das eleições deste domingo.
O PCB declarou que respeita a esquerda que votará em Dilma
criticamente, como um mal menor, e que quer unidade de ação nas cada vez
mais acirradas lutas que travaremos com o aprofundamento da crise do
capitalismo, independente de quem ganhe o segundo turno.
Isto significa o reconhecemos de que há algumas diferenças entre os
dois campos da bipolaridade da ordem (os neoliberais e os
social-liberais), mas que não são suficientes para o PCB, pela terceira
vez, dar um voto de confiança, em segundo turno, a governos que em
verdade não são propriamente do PT, mas de uma base de sustentação em
que prevalecem os interesses do capital.
Quero chamar a atenção para a necessidade de contribuirmos para a
constituição de uma frente anticapitalista e anti-imperialista e de
enterrarmos as ilusões em relação à democracia burguesa.
Ivan Pinheiro é Secretário Geral do PCB