Por Luiz Eduardo
Soares, no Facebook
Mesmo afastado da UERJ, me angustia
profundamente o que está acontecendo na instituição,
à qual tanto devemos,
à qual tanto deve a democracia no Brasil. Sou professor
universitário há 40 anos. Comecei, com carteira assinada, em janeiro de 1976.
Tornei-me docente da UERJ em 1991, há 24 anos. Tenho muito orgulho da imensa
maioria dos alunos de ciências sociais e considero um privilégio ser colega de
meus colegas e conviver com um grupo extraordinário de funcionários dedicados,
competentes e cooperativos. A UERJ esteve à frente de seu tempo, assumindo
políticas afirmativas, adotando cotas para negros, aceitando registrar
travestis, e quem se sentisse estigmatizado, pelo nome que escolhessem. Com o
ingresso de cotistas, o ambiente da universidade melhorou muito, a experiência
acadêmica enriqueceu-se, qualificou-se, valorizou-se. Eu senti que meu trabalho
cotidiano ganhara um sentido renovado e recarregava baterias ao encontrar @s
estudantes. A primeira geração a chegar à universidade não veio à vida a
passeio. Seriedade e entusiasmo com os estudos e as descobertas impuseram a
nós, docentes, um grau superior de saudável exigência intelectual e
profissional. Não por acaso, inaugurou-se o Instituto de Ciências Sociais,
antiga reivindicação de quem sonha com o aperfeiçoamento acadêmico em nossa
área. Fui honrado com o convite dos colegas para falar na mesa de abertura,
semana passada. Preparo agora minha retirada: uma licença prêmio –à qual tinha
direito havia bastante tempo, mas jamais solicitara-- e, na sequência, a
aposentadoria. Pois justamente neste momento, enfrentamos desafios extremos que
colocam em risco a convivência acadêmica, civil e pessoal, e a própria
instituição.
Por
tudo isso, com tristeza e desapontamento, considero que tenho o dever de me
pronunciar. Como professor há bastante tempo, como ex-coordenador da pós, no
ano em que formulamos nosso projeto de criação do doutoramento (projeto que foi
aprovado), como simples membro de uma comunidade com a qual compartilhei o
cotidiano por décadas, como cidadão, intelectual, militante dos direitos
humanos, como indivíduo. Eis o que gostaria de dizer:
Nem
sempre o quebra-quebra é vandalismo. Em minha luta pelos direitos humanos na
segurança pública, testemunhei inúmeras situações em que representantes do
Estado assassinaram inocentes, nas favelas e periferias. O discurso oficial
abençoava a barbárie institucionalizada do modo mais torpe, covarde e cínico.
Em várias ocasiões, o desespero, a dor e o sentimento de impotência de
familiares e vizinhos, ante a tragédia dupla, material e moral, derramaram-se
sobre o asfalto, sob a forma de gritos, choro e as mais diversas explosões de
ódio. A coreografia selvagem da fúria popular só poderia ser desqualificada
como vandalismo por quem, à distância, não tinha a menor ideia do que se
passara ali, não tinha a mínima noção do que significa viver por anos, por
décadas, assistindo ao massacre continuado e impiedoso de jovens negros e
pobres, moradores de territórios vulneráveis. Desprezar a manifestação
orgânica, visceral do desespero, coletivo ou individual, revela a mais grotesca
insensibilidade e corresponde à adoção de uma postura cúmplice da brutalidade
que vitimiza as comunidades. Em vez de se horrorizar com o assassinato
arbitrário de um ser humano, em lugar de denunciar mais uma execução
extra-judicial, o crítico da reação popular feroz focaliza, unilateralmente, a
resposta, relegando a segundo plano o coração das trevas, o ato criminoso
original.
Não
se trata de avaliar a revolta explosiva como método de luta por direitos ou
como tática política, nem mesmo como estratagema de comunicação, porque ela não
é nada disso. Ela é o pranto incontido da mãe ante a suprema violência que se
abateu sobre seu filho, contagiando uma comunidade no momento culminante do
sofrimento e na ausência de canais institucionais por onde fazer fluir a
indignação e o clamor por justiça. Ela é a linguagem do desamparo mais radical,
na falta de instrumentos políticos disponíveis e acessíveis, que metabolizassem
a dor e a convertessem em pressão efetiva por mudança real. Por isso, nada mais
abjeto, a meu ver, do que a desqualificação das manifestações de dor de uma
coletividade aviltada de modo cruel e extremo.