Domingo, 31 de maio de 2015
Do Observatório da Imprensa
http://observatoriodaimprensa.com.br
Hora de mudar hábitos e trocar
rotinas: acostumados a acompanhar os escândalos nas páginas de política,
a violência urbana no noticiário local e os desmandos no futebol nos
cadernos de esporte, agora se tornou impossível escapar do confronto com
a totalidade.
Estamos condenados ao holismo, não há alternativas: o tamanho e
concomitância das nossas desgraças nos obriga encará-las como aberração
única, expandida e integrada. A complacência e, sobretudo, a impunidade
colocaram ao lado do gigante adormecido outro gigante, desperto e
esperto que maliciosamente juntou num único pacote aquilo que por
comodismo sempre tratamos de forma descuidada e fragmentada.
Os assombrosos resultados da Operação Lava Jato, o pavoroso
crescimento da delinquência nas ruas e, agora, o encarceramento na Suíça
de um dirigente máximo do nosso futebol não são ficções. Esta
consolidação dos ilícitos não é casual, não estamos nos capítulos finais
de uma telenovela com pretensões planetárias nem diante de uma fábula
catastrofista.
A realidade, ela sim, assume conotações apocalípticas porque
perversamente nos distrai com querelas secundárias – maioridade penal,
distritos eleitorais, shopping no Parlamento etc., etc. – e nos faz
esquecer de mazelas descomunais: o presidente da Câmara dos Deputados
assim como o seu colega, presidente do Senado e chefe do Legislativo,
não têm no momento legitimidade para propor, debater e votar emendas à
Constituição. Incluídos nas investigações conduzidas pela Procuradoria
Geral da República, no chamado petrolão, estão sob suspeita.
Estado corrompido
Em sociedades onde impera a decência e a compostura, incriminados em
qualquer ação de improbidade se afastam voluntariamente de funções onde
sua atuação possa ser eventualmente questionada. Aqui, ao contrário, a
praxe é agarrar-se ostensivamente ao poder até como prova de inocência.
E, assim, assistimos impassíveis ao deprimente espetáculo – digno do
Coliseu Romano – de uma Carta Magna sendo emendada por representantes do
povo com idoneidade ainda não comprovada.
Normal, ninguém estrila ou esperneia. A sociedade se esgoela na
discussão sobre a maioridade penal enquanto alguns cidadãos encanecidos
sentem-se no direito de gozar de imunidades indevidas.
A impunidade é o cimento que junta os malfeitores da Petrobras com os
delinquentes de rua e a bandidagem que rodeia os gramados de futebol. A
extrema elasticidade na punição de certos pecados, ao longo dos séculos
criou uma sociedade desatenta às infrações, conivente. O fenômeno da
cartolagem não se restringe ao âmbito do nobre esporte bretão, todos se
consideram imunes e inimputáveis, certos de seus privilégios.
Além de vulneráveis à tempestade perfeita na esfera socioeconômica
estamos sendo convocados para uma tarefa urgente, inédita, no âmbito
moral e político: o despertar para as dimensões do fenômeno sem colocar
em risco o sistema que escolhemos para viver: a legalidade democrática.
Precisamos também reaprender a fazer os jornais contornando as
inevitáveis cadernização e segmentações. Periódicos impressos contêm o
universo em suas páginas, é preciso reproduzir esta amplitude para que
os leitores possam percebê-la, avaliá-la e não se deixem enganar ou
distrair.
O Estado corrompido é naturalmente violento. Nosso desafio é acabar
com a causa e com o efeito, sem ferir o paciente. Coisa de adultos.