Terça, 26 de maio de 2015
Da Pública
Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
Interesses e crenças pessoais estão por trás do apoio de
deputados à redução da maioridade penal; estatísticas e fatos desmentem
mito de impunidade e periculosidade de adolescentes, principais vítimas
de homicídio no país.
“Todo mundo dizia que eu não iria passar dos 15. Mas ó, tô
aqui, firme e forte, 29 anos, venci a estatística. Um homem feito,
trabalhador. Mas passei meu veneno na Fundação Casa, vou dizer. Na época
era Febem ainda. Tudo começa porque a gente não tem estrutura aqui na
periferia. A molecada corre pra onde? Pra rua. O refúgio é rua, sempre
foi. Eu recebi educação da minha mãe, guerreira, criou sozinha cinco
filhos. Mas quem me ensinou mesmo foi a rua. Já passei fome na rua, já
bati na rua, já apanhei na rua”, conta Pixote, na pracinha perto da sua
casa, no Jardim Vazame, região metropolitana de São Paulo. “Com 13 anos
eu era moleque doido, a gente não tinha o que fazer. Comecei a roubar
junto com outros meninos daqui. A gente roubava mercadinho, coisa
pequena. Minha mãe dormia no serviço, e minha irmã não conseguia me
segurar em casa. Um dia nós pulamos o muro de uma casa pra roubar roupa,
CD, sem arma, nem era pra vender na quebrada, era só coisa pequena que a
gente queria. Daí fomos abordados pela polícia, já no caminho de volta.
Eles bateram, falaram que iam matar a gente. Foi a maior decepção pra
minha mãe. Fiquei um ano na Febem, que depois virou Fundação Casa, mas
que de casa não tem nada porque aquilo é cadeia. Apanhei muito lá
dentro, sem motivo. Eles tiravam a gente do quartinho e espancavam. Vi
cada coisa naquele lugar. Quando eu saí, pensei na minha mãe. Que não
queria dar desgosto pra uma mulher que não merecia. Mas se fosse pensar
no que passei lá dentro… A cabeça não sai boa, a gente não aprende nada
na ‘cadeia’. Eu limpei bosta com a mão. Nem era minha. Foi a única vez
que ouvi um por favor lá dentro. ‘Por favor, limpa essa merda com a
mão.’ Daí agora querem botar a molecada na cadeia mesmo, misturada com
os mais velhos. Acham que eles vão sair uns anjos de lá? Vão sair três
vezes pior, com um garfo na mão espetando até o cão. Eu tive sorte,
sobrevivi. Mas muitos não têm.”
Pixote tem razão quando diz ser um sobrevivente. A violência mata
mais os adolescentes do que qualquer outra camada da população. E, ao
contrário do argumento usado por quem defende a redução da maioridade
penal, não são eles os que mais matam, como destaca Jacqueline
Sinhoretto, do Departamento de Sociologia da UFSCar e coordenadora do
Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos (Gevac).
“A percepção social de que os adolescentes são os grandes responsáveis
pela violência no Brasil não resiste à análise acurada. Os jovens entre
15 e 19 anos são as maiores vítimas da violência fatal e cometem apenas
uma parcela destes crimes”, pontua a professora.
Os homicídios são a principal causa de morte de jovens de 15 a 29
anos no Brasil e atingem especialmente jovens negros do sexo masculino,
moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos,
constata o Mapa do Encarceramento: Os Jovens do Brasil, da
Secretaria-Geral da Presidência da República. O relatório, ainda em
versão preliminar, é baseado em dados consolidados do SIM/Datasus, do
Ministério da Saúde, sobre as 56.337 vítimas de homicídio em 2012. Mais
da metade delas, 52,63%, eram jovens (27.471), dos quais 77% negros
(pretos e pardos) e 93,30% do sexo masculino. E apesar de,
esporadicamente acontecerem crimes envolvendo adolescentes que
sensibilizam a opinião pública, como o recente caso do médico Jaime Gold
esfaqueado na Lagoa, no Rio de Janeiro, uma parcela ínfima comete
crimes violentos. De acordo com uma estimativa do Unicef Brasil (feita a
partir de dados da Pnad e Sinase de 2012) e citada em nota da ONU
contra a redução da maioridade penal “dos 21 milhões de adolescentes
que vivem no Brasil, apenas 0,013% cometeram atos contra a vida”.
Confirmando outra percepção de Pixote, a nota da ONU afirma: “Há
inúmeras evidências de que as raízes da criminalidade grave na
adolescência e juventude no Brasil se desenvolvem a partir de situações
anteriores de violência e negligência social. Essas situações são muitas
vezes agravadas pela ausência do apoio às famílias e pela falta de
acesso destas aos benefícios das políticas públicas de educação,
trabalho e emprego, saúde, habitação, assistência social, lazer,
cultura, cidadania e acesso à justiça, que, potencialmente, deveriam
estar disponíveis a todo e qualquer cidadão, em todas as fases do ciclo
de vida”.
A legislação brasileira vai mais fundo, garantindo atendimento
prioritário aos direitos de crianças e adolescentes na forma exigida
pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), promulgado em 1990. Na
prática, porém, não apenas o Estado falha em garantir “um mínimo para
esses meninos” em um país profundamente desigual, mas é ele que faz
girar a roda de violência através de seu aparelho repressivo, como
aponta Fernanda Laender, educadora no Centro de Direitos Humanos e
Educação Popular de Campo Limpo. “A violação do Estado produz ‘vítimas’ e
estas, quase sempre, se tornam ‘agressores’. É a reprodução da dinâmica
da violência. No fundo, eles buscam igualdade, ter os mesmos direitos
que os outros, e a violência é a forma mais ‘naturalizada’ de
reivindicação. Existe um atravessamento do Estado na vida destes meninos
e suas famílias, mantendo as coisas em seus ‘devidos lugares’. Pobres e
negros cada vez mais pobres e excluídos. Os meninos não se tornam
traficantes, eles crescem em meio ao tráfico e ao crime, mas vivem o
mesmo apelo social de uma sociedade de consumo em que você é o que você
tem. Os meninos querem isso também, ter coisas, ser alguém, experimentar
o que é pertencimento e ser reconhecidos. Quando o Estado se mostra
presente nas políticas públicas periféricas, se apresenta numa
perspectiva policial e penitenciária, ou seja, policial e punitiva.”
Adolescência interrompida
Em uma rua do Jardim Maria Sampaio, no Campo Limpo, zona sul de São Paulo, sentado na calçada vendo o tempo passar, encontramos – eu, o fotógrafo José Cícero da Silva e o grafiteiro Gamão, que nos ajudava na missão – Pedro*, 17 anos, com duas passagens pela Fundação Casa. Ele nos leva até a casa onde mora com a mãe e cinco irmãos, as janelas de frente para um córrego a céu aberto que destrói tudo à sua volta a cada chuva forte. A casa de Pedro passa por uma reforma depois de ter caído em um desses dias de água brava.
O crack levou o irmão mais velho na mesma época em que Pedro largou a escola sem a mãe saber. O pai está preso. “Eu tinha 13 anos quando meu irmão morreu. Fiquei meio… Sei lá. Não tinha mais vontade de ir pra escola e fui pra rua. Rodei [foi pego pela polícia] com 15 anos, por tráfico, e fiquei na Fundação Casa 46 dias. O juiz brigou muito com a minha mãe, disse que ela não me educava direito. Mas minha mãe nem sabia que eu tava na rua, ela saía cedinho pra trabalhar e voltava tarde da noite. Fui lá pra unidade do Brás. Não apanhei, mas vi muito moleque apanhar dos agentes. Eles levavam pra um quartinho e eu só ouvia os menores gritando. Tampava os ouvidos pra não ficar ouvindo. Muita revolta, dá. Todo lugar que a gente entrava e saía tinha que pagar revista. Sacudia a camiseta três vezes, tirava a bermuda, a cueca, pagava canguru. Umas seis vezes por dia.” Pedro fala de cabeça baixa, o tom de voz quase inaudível, mas a entonação muda um pouco quando lembra da escola. “As professoras deixavam a gente escrever, desenhar. Era bom. Quando eu saí [da Fundação Casa], pensei que queria uma vida de trabalhador, estudar, ter família. Mas, quando voltei pra cá, o homem pra quem eu trabalhava disse que precisava de mim porque só tinha eu na rua e ele tava devendo um dinheiro pra polícia. Como ele me ajudou muito, deu tudo pra minha mãe enquanto eu tava lá dentro, eu não podia deixar ele na mão. Depois de uns meses me prenderam de novo, por roubo de carro. A polícia ficou rodando com a gente na viatura, bateram muito em nós, quebraram uma costela minha no chute. Jogaram tanto spray de pimenta lá dentro que eu até desmaiei na viatura. Daí me deixaram uns dias na delegacia e me mandaram pra Fundação Casa [de novo]. A mesma coisa, vi muito menor apanhar. Mas não aprendi nada lá não. Tem muito menino que sai muito mais revoltado.”
Quando indagado sobre a redução da maioridade penal, Pedro fica alguns segundos em silêncio. “Sei lá… Um menor naquele lugar? Acho que não vai ser boa coisa, né? Os caras vão querer atropelar, a mente vai sair… Pior.”
No dia 31 de março deste ano, a Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ) da Câmara aprovou a admissibilidade da proposta de emenda à
Constituição (PEC) 171, de 1993, que altera a redação do art. 228 a
respeito da imputabilidade penal do maior de 16 anos. Ou seja: apenas os
que têm até 16 anos continuam protegidos pela legislação especial (ECA)
quando em conflito com a lei. Foi o primeiro passo para assegurar o
andamento da proposta na Casa. O placar de votação foi de 42 deputados a
favor e 17 contrários. O texto da PEC, redigido pelo então deputado do
Partido Progressista (PP) Benedito Domingos, alega que os jovens de hoje
têm mais discernimento do que os de antigamente: “A liberdade de
imprensa, a ausência de censura prévia, a liberação sexual, a
emancipação e independência dos filhos cada vez mais prematura, a
consciência política que impregna a cabeça dos adolescentes, a televisão
como o maior veículo de informação jamais visto ao alcance da quase
totalidade dos brasileiros, enfim, a própria dinâmica da vida, imposta
pelos tortuosos caminhos do destino, desvencilhando-se ao avanço do
tempo veloz, que não pára, jamais”. E o deputado conclui: “Se há algum
tempo atrás se entendia que a capacidade de discernimento tomava vulto a
partir dos 18 anos, hoje, de maneira límpida e cristalina, o mesmo
ocorre quando nos deparamos com os adolescentes com mais de 16”.
O argumento do deputado Benedito contradiz o parecer de psicólogos e
especialistas em adolescência, vista por eles como uma etapa do processo
de desenvolvimento. “São pessoas que estão em processo de constituição
de seus valores”, destaca a presidente do Conselho Regional de
Psicologia de São Paulo, Elisa Zaneratto Rosa, que se declarou
oficialmente contra a medida. “Todos nós passamos por um processo de
desenvolvimento pelo qual nos apropriamos dos valores postos na
sociedade, em que desenvolvemos capacidades para fazer a reflexão
crítica sobre esses valores. A psicologia reconhece que isso depende de
um processo de formação – e de um processo de formação, inclusive em
relação ao qual o Estado tem responsabilidade”, explicou em entrevista concedida à repórter Laura Capriglione para os #JornalistasLivres.
A proposta representa também um retrocesso em relação ao ECA,
internacionalmente reconhecido como uma das melhores legislações do
mundo referente à política da infância e adolescência. Uma pesquisa
realizada pela ONU (Crime Trends) estudou a legislação de 57 países e
aponta que apenas 17% delas estabelecem idade penal inferior a 18 anos. E
essa é uma tendência: a Alemanha, por exemplo, que tinha baixado a
idade penal, voltou para 18 anos e criou um sistema diferenciado para
jovens entre 18 e 21 anos; o Japão também elevou a maioridade penal para
21 anos.
A aplicação de medidas socioeducativas – e não de penas criminais – para adolescentes em conflito com a lei prevista no ECA “relaciona-se com a finalidade pedagógica e decorre do reconhecimento da condição peculiar de desenvolvimento na qual se encontra o adolescente”, como citado no Mapa do Encarceramento – Os Jovens do Brasil. A intenção é proteger e educar as pessoas em desenvolvimento, um passo definitivo para se distanciar da doutrina que vigorava até então: a de repressão e disciplina dos “menores degenerados”, criados em ambientes familiares em ‘risco moral’”, que corriam o risco de se tornarem “criminosos”.
A aplicação de medidas socioeducativas – e não de penas criminais – para adolescentes em conflito com a lei prevista no ECA “relaciona-se com a finalidade pedagógica e decorre do reconhecimento da condição peculiar de desenvolvimento na qual se encontra o adolescente”, como citado no Mapa do Encarceramento – Os Jovens do Brasil. A intenção é proteger e educar as pessoas em desenvolvimento, um passo definitivo para se distanciar da doutrina que vigorava até então: a de repressão e disciplina dos “menores degenerados”, criados em ambientes familiares em ‘risco moral’”, que corriam o risco de se tornarem “criminosos”.
O que não significa impunidade para os menores de 18 anos. Há medidas
socioeducativas cumpridas em meio aberto (advertência, reparação do
dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida), mas
também as que preveem restrição de liberdade (semiliberdade e
internação em estabelecimento educacional), executadas por
instituições públicas, ligadas ao Poder Executivo dos estados, como a
Fundação Casa, em São Paulo. Segundo o último Sinase,
em 2012 havia 20.532 adolescentes em medidas socioeducativas de
restrição e privação de liberdade no Brasil, número correspondente a
0,10% da população de 12 a 21 anos.
A alma que pecar, essa morrerá (Ez. 18)
O ECA estabelece também que a responsabilidade pela proteção de
direitos dos mais jovens deve ser compartilhada pelo Estado, família e
sociedade. Mas é à Bíblia que o deputado Benedito
recorre para apoiar o argumento que fundamenta sua proposta de PEC: “A
uma certa altura, no Velho Testamento, o profeta Ezequiel nos dá a
perfeita dimensão do que seja a responsabilidade penal. Não se cogita
nem sequer a idade. ‘A alma que pecar, essa morrerá’ (Ez. 18). A partir
da capacidade de cometer o erro, de violar a lei, surge a implicação:
pode também receber a admoestação proporcional ao delito – o castigo.
Nessa faixa de idade, já estão sendo criados os fatores que marcam a
identidade pessoal e surgem as possibilidades para a execução do
trabalho disciplinado. Ainda referindo-nos a informações bíblicas, Davi,
jovem modesto pastor de ovelhas, acusa um potencial admirável com o seu
estro de poeta e cantor dedilhando a sua harpa, mas, ao mesmo tempo,
responsável suficientemente para atacar o inimigo pelo gigante Golias,
comparou-o ao urso e ao leão que matara com suas mãos”.
A gente precisa entender que o deputado está sendo pago pra isso. Estamos falando de muito dinheiro.
Nem todos os deputados favoráveis à PEC, porém, votaram movidos pela
visão bíblica do colega do PP. Gabriela Ferraz, advogada do Instituto
Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), aponta motivos mais terrenos por
trás dos votos: “Muitos deputados têm financiamento de gestores de
penitenciárias privadas e empresas de segurança pública. ‘Eu pago sua
campanha e você vira meu funcionário, meu representante, cumpre minhas
tarefas.’ Assim como foi feito com a educação e a saúde, a gente
sucateia o público pra dizer que o privado é muito melhor. E a
penitenciária privada surge nesse contexto. Interessante trazer a
guerra às drogas, a redução da maioridade bem quando se discute as
penitenciárias privadas no Brasil. Essas penitenciárias privadas, por
contrato, precisam estar cheias. Quanto mais presos, maior o lucro, como
mostrou o documentário da Pública.
A gente precisa entender que o deputado está sendo pago pra isso. Assim
como a indústria bélica força a queda do Estatuto do Desarmamento.
Estamos falando de muito dinheiro. É importante lembrar também que
existem outros 38 projetos de lei em trâmite que, de alguma forma,
preveem a maior penalização do adolescente”.
A Pública bateu à porta da maioria dos 42 deputados
que votaram a favor da redução na Câmara dos Deputados, em Brasília.
Além de querer conhecer seus argumentos, queria saber se havia um plano
para incluir esses adolescentes em um sistema prisional que hoje conta
com um déficit de mais de 200 mil vagas, além de ser mundialmente
reconhecido por inúmeras violações de direitos humanos, como a Pública
já mostrou em diversas reportagens (linkadas ao lado). E com uma taxa
de reincidência criminal em torno de 70%, segundo o Conselho Nacional de
Justiça (CNJ). De acordo com o Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente (Conanda), “as taxas de reincidência nas
penitenciárias ultrapassam 60%, enquanto no sistema socioeducativo se
situam abaixo de 20%”.
Apenas quatro deputados aceitaram falar, e um, Bruno Covas (PSDB),
respondeu via SMS enviado pela assessora de imprensa. A mensagem diz: “O
deputado tem a seguinte opinião: acha que o tema deve ser discutido.
Deve ser tema de debate. Por isso votou pela admissibilidade. Uma
oportunidade para ouvir especialistas contrários e especialistas
favoráveis à redução da maioridade. Desse modo, a comissão especial pode
chegar a uma conclusão equilibrada e justa”.
Como antecipou esta matéria do site Vaidapé,
Bruno foi um dos deputados a votar a favor da PEC que obtiveram
financiamento de empresas possivelmente interessadas na privatização de
presídios. Na prestação de contas divulgada pelo TSE, aparecem como
doadoras a empresa Copseg Segurança e Vigilância Ltda. e Grandseg
Segurança e Vigilância Ltda., com doação total de R$ 20 mil. Já o pastor
evangélico João Campos (PSDB-GO) recebeu R$ 400 mil das empresas
Gentleman Segurança Ltda. e Gentleman Serviços Eireli. Felipe Maia
(DEM-RN) recebeu doações de R$ 100 mil da empresa Gocil Serviços de
Vigilância e Segurança Ltda. E, de forma mais expressiva, o deputado
Silas Câmara recebeu doações de R$ 200 mil de uma empresa chamada
Umanizzare Gestão Prisional e Serviços Ltda., que também doou R$ 400 mil
para sua esposa, Antonia Lúcia Câmara (PSC-AC) e R$ 150 mil para a
filha, Gabriela Ramos Câmara (PTV-AC).
A empresa gere presídios privatizados e é responsável pela
administração de seis unidades prisionais só no Amazonas, estado do
deputado. No Tocantins, ela administra outras duas unidades. A empresa
administra também uma unidade no Mato Grosso em parceria com outras
empresas e o Estado (PPP). Procuramos Silas Câmara em seu gabinete e
através de inúmeras ligações, mas não conseguimos entrevistá-lo.
Felipe Maia foi o único entre os deputados citados acima a receber a Pública
em seu gabinete. O deputado disse que não acredita que a redução da
maioridade penal seja a solução para a segurança pública no Brasil,
“longe disso”, mas que esta se justifica “pelo número de criminosos ou
de jovens delinquentes que hoje têm como realidade a pena socioeducativa
de três anos sem registro do delito”. Questionado sobre qual seria o
plano para abrigá-los no sistema penitenciário, ele foi claro: “Eu
sempre defendi e defendo a privatização do sistema prisional porque acho
que o Estado não tem condições de arcar com os custos. Existe a
possibilidade de transformar os presídios em empresas em que você cobra
do concessionário a ressocialização do preso, a não fuga, a não entrada
de celulares. Aquilo tem que dar lucro”. E continua: “Como você vai
deixar solto um jovem que mata um pai de família porque o sistema
prisional está falido? Vamos resolver os presídios!”. Ele atribui a
volta da PEC à “coragem do presidente da casa, Eduardo Cunha, em trazer
matérias polêmicas como a terceirização, a reforma política e a redução
da maioridade”.
A coordenadora de pesquisa do Programa Justiça sem Muros, do ITTC,
Raquel da Cruz Lima, também atribui a Cunha e ao atual momento político a
volta da PEC da redução da maioridade penal. “O Eduardo Cunha volta com
essa pauta também para mostrar a ausência de base do governo. Porque
antes ela já tinha ido para votação na CCJ e o governo segurou. Agora
não conseguiu porque não há capital político. Acho que é justamente para
ser uma posição simbólica desse esfacelamento da base aliada e do poder
do governo federal em barrar políticas diminuidora de direitos, como a
da terceirização e outras que estão passando. Isso fica claro nas falas
do Eduardo Cunha.”
Dois pesos, duas medidas
Outro deputado que votou a favor da PEC foi Alceu Moreira (PMDB-RS), conhecido por uma intervenção gravada em vídeo
durante uma audiência pública de 2013 sobre a demarcação de terras
indígenas em que recomenda aos detentores da terra que “se fardem de
guerreiros e não deixem um vigarista desses dar um passo na sua
propriedade” e que “reúnam verdadeiras multidões e expulsem [os
indígenas] do jeito que for necessário”. Moreira disse que votou pela
redução porque acredita que hoje as pessoas amadurecem mais cedo e que o
adolescente tem clareza do que está fazendo ao cometer um crime. Faltou
clareza ao deputado, porém, ao defender seu ponto de vista: “Não é pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente que se trata o adolescente, mas
também não é através no sistema prisional”. Para explicar a contradição
aparente, alegou que, embora defenda o controle do Estado sobre o
sistema prisional, as empresas privadas deveriam administrá-lo através
de contratação por edital. “Se você paga bem, pode ter certeza que não
entra facão ou telefone lá.” Segundo o site Transparência Brasil,
Moreira já foi condenado por improbidade administrativa; condenado em
segunda instância ao pagamento de multa por contratação irregular de
funcionário público; condenado ao pagamento de multa por conduta vedada a
agente público (uso irregular de serviço social de saúde pública), e é
alvo de inquérito que apura crimes da Lei de Licitações e corrupção
passiva. A Pública entrou em contato com a assessoria
de imprensa do candidato pedindo explicações, mas não teve resposta até o
fechamento da reportagem.
Já o deputado Laudívio Carvalho, do PMDB de Minas Gerais – membro
declarado da bancada da bala e relator da proposta que revoga o Estatuto
do Desarmamento –, diz que não só é a favor da PEC como luta por isso
há muitos anos. “Em Minas Gerais, como jornalista da área policial, a
cada dez ocorrências em que eu trabalhava, em oito havia a presença de
menores em conflito com a lei. Hoje o tempo máximo de um menor infrator é
de três anos. Eu defendo seis anos para crimes de violência média, e
oito para crimes mais graves, contra a vida.” Sobre a crise
penitenciária, repetiu o argumento ouvido diversas vezes pela Pública
de outros deputados: “Nós temos que dotar o Estado de mecanismos para
punir com força e cobrar dos estados federativos que os governantes
tenham a responsabilidade legal de fazer cumprir”.
Cada caso é um caso. Um cidadão de bem
que criou seu filho, deu educação, o menino pega o carro do pai e ‘vou
ali’ daí sai, atropela, matou. Esse menino não é bandido, tem educação,
testemunho, formação, ele vai ser tratado igual ao cara que sai com um
revólver sequestra e mata? É diferente.
A fala mais transparente talvez tenha sido a do deputado Pastor
Eurico, do PSB de Pernambuco. Depois de afirmar que vivemos em um país
em que “a consciência da impunidade está nesses chamados menores, entre
aspas, que de burros não têm nada”, ele fez a ressalva: “Cada caso é um
caso”. E escancarou: “Um cidadão de bem que criou seu filho, deu
educação, o menino pega o carro do pai e ‘vou ali’ daí sai, atropela,
matou. Esse menino não é bandido, tem educação, testemunho, formação,
ele vai ser tratado igual ao cara que sai com um revólver sequestra e
mata? É diferente. Tem que parar pra pensar e analisar”.
“Vá até esses delinquentes mirins e ofereça uma boa casa, viver com
dignidade, escola, tudo. Você vai encontrar um monte que não quer, que
quer viver na bandidagem. Hoje é 16 anos; se amanhã for pra 14, eu voto a
favor, não quero nem saber. A instituição não reeduca, mas, se não
reeduca, não é problema meu. Cadeia é lugar onde se pensa. O problema é
que aqui é frouxa a cadeia. O sistema nosso tem que mudar? Tem. A
condição é subumana? É. Vive feito bicho? Vive. Uma cela pra 10 tem 50.
Eu sei disso. Mas não fui eu que cometi crime. Todo menino bandido agora
passou a ser boa pessoa. O que esse pessoal quer? Pega os meninos e
leva pra casa, pra viver com sua família”, concluiu o deputado.
Em artigo escrito em 2013 para o livro “Quase Noventa Anos, homenagem
a Ranulfo de Melo Freire”, a presidente da Fundação Casa de São Paulo,
Berenice Maria Gianella, afirmou que apenas 1,08% dos adolescentes
cumprindo medidas socioeducativas de internação em 2012 respondiam por
latrocínio, 0,57% por estupro e 0,78 por homicídio doloso (quando houve
intenção de matar).
Eles já estão presos
“O ECA nunca foi colocado em prática, então a gente está tentando
desconstruir um sistema que nunca foi efetivado”, diz a defensora
pública do núcleo de Infância e Juventude Lígia Cintra de Lima Trindade.
“Esse discurso da impunidade é um mito, eles já estão em um sistema
repressivo. Os adolescentes têm seus direitos colocados em xeque o tempo
todo, às vezes de uma forma mais gravosa que os adultos. E, como no
sistema criminal, as prisões são seletivas, discriminatórias, com a
maioria de pobres e negros cumprindo as medidas socioeducativas. Mas
aqui a gente ainda tem uma margem de disputa, para reivindicar que esses
meninos estudem, tenham uma atenção, que suas famílias sejam colocadas
em programas sociais. No sistema prisional, isso não vai acontecer”,
explica Lígia.
Sua colega, a defensora Fernanda Balera, acrescenta: “A gente tem adolescentes internados por atos pelos quais adultos não seriam presos, como crimes de ameaça, brigas em abrigo, muitos por brigas em escola. Um roubo tentado, por exemplo, se fossem aplicar a lei como ela é mesmo, a pena ficaria abaixo de quatro anos e ele sairia para um regime aberto, enquanto para um adolescente é muito difícil que isso aconteça. Ele vai ficar internado por no mínimo oito meses a um ano, que na vida dele representa um tempo enorme. Quando você tem 15 anos, ficar até os 16 preso, quanta coisa acontece nesse tempo? Ninguém aqui está dizendo que ele não sabe o que está fazendo. A gente parte do pressuposto de que aquele é um ser em desenvolvimento. Ele tem consciência, mas essa consciência está em desenvolvimento, suscetível a influências, algo muito próprio da adolescência, e não tem como não levar isso em consideração”.
Sua colega, a defensora Fernanda Balera, acrescenta: “A gente tem adolescentes internados por atos pelos quais adultos não seriam presos, como crimes de ameaça, brigas em abrigo, muitos por brigas em escola. Um roubo tentado, por exemplo, se fossem aplicar a lei como ela é mesmo, a pena ficaria abaixo de quatro anos e ele sairia para um regime aberto, enquanto para um adolescente é muito difícil que isso aconteça. Ele vai ficar internado por no mínimo oito meses a um ano, que na vida dele representa um tempo enorme. Quando você tem 15 anos, ficar até os 16 preso, quanta coisa acontece nesse tempo? Ninguém aqui está dizendo que ele não sabe o que está fazendo. A gente parte do pressuposto de que aquele é um ser em desenvolvimento. Ele tem consciência, mas essa consciência está em desenvolvimento, suscetível a influências, algo muito próprio da adolescência, e não tem como não levar isso em consideração”.
A vítima disse que não reconhecia o réu
porque o menino que tinha assaltado usava um boné vermelho. ‘Uma
bombeta?’, perguntou o juiz. E abriu uma gaveta cheia de bonés, pegou um
vermelho e colocou na cabeça do menino. ‘E agora, você reconhece?’, e a
vítima respondeu ‘agora reconheço
As defensoras contam que não só o ato infracional é levado em conta
nas audiências, mas também as condições familiares e até as músicas que
eles escutam. “Eu participei de uma audiência em que o menino compunha
músicas, e a juíza queria saber que tipo de música, porque, se fosse
funk ou rap, não era coisa boa”, lembra Fernanda. “As audiências têm um
caráter supermoralizante, o juiz coloca uma lupa na vida do menino, e é
alguém de classe média querendo colocar os seus valores próprios em uma
pessoa que cresceu em outro meio. Mães são encaminhadas pra laqueadura,
para grupos de apoio para aprender a criar seus filhos. Existe,
inclusive, um recorte de gênero aí, porque a figura do pai é geralmente
inexistente ou mesmo, quando existe um pai, é a mãe que toma as
broncas.”
Já na primeira audiência que acompanhou, “por volta de 2000”, o defensor público de Santo André Marcelo Novaes presenciou uma cena reveladora da disposição dos juízes em relação aos adolescentes. “A vítima disse que não reconhecia o réu porque o menino que tinha assaltado usava um boné vermelho. ‘Uma bombeta?’, perguntou o juiz. E abriu uma gaveta cheia de bonés, pegou um vermelho e colocou na cabeça do menino. ‘E agora, você reconhece?’, e a vítima respondeu ‘agora reconheço”.
Já na primeira audiência que acompanhou, “por volta de 2000”, o defensor público de Santo André Marcelo Novaes presenciou uma cena reveladora da disposição dos juízes em relação aos adolescentes. “A vítima disse que não reconhecia o réu porque o menino que tinha assaltado usava um boné vermelho. ‘Uma bombeta?’, perguntou o juiz. E abriu uma gaveta cheia de bonés, pegou um vermelho e colocou na cabeça do menino. ‘E agora, você reconhece?’, e a vítima respondeu ‘agora reconheço”.
Tortura, submissão e revistas vexatórias
A violência sofrida por adolescentes sob tutela do Estado foi alvo de uma série de denúncias do defensor Marcelo Novaes, que, em 2013, organizou audiências públicas a respeito das cerca de dez revistas vexatórias diárias pelas quais passam os internos da Fundação Casa, em São Paulo, contadas à reportagem por Pedro*. “Cheguei a me afastar por algum tempo, quando um menino denunciou um caso de tortura e uma semana depois teve ‘um surto psicótico’ enquanto fumava um cigarro e morreu queimado. O processo foi arquivado”, conta.
Durante a investigação de denúncias de torturas em unidades do ABC (região metropolitana de São Paulo), em que 60 adolescentes foram periciados para comprovar uma surra coletiva sofrida na instituição, ele perguntou para um dos meninos se sofriam muitas revistas durante a rotina. A resposta foi estarrecedora: “E ele respondeu que sim, sete, oito, dez, doze por dia. Eles chamam de ‘descascar’. Tira a roupa, abre as nádegas, agacha, torce as roupas. Eles saem de manhã das celas – porque são celas, trancadas, clac, clac – e fazem revista. Faz a higiene, paga revista. Vai para o refeitório, paga revista. Vai pra escola, paga; volta da escola; paga. Imagina você fazendo isso no seu dia a dia. Eles têm uma linha amarela desenhada no chão, têm que andar olhando para a linha. Andar com a cabeça baixa, as mãos para trás, sempre em posição de submissão. Porque teoricamente eles podem pegar um lápis e matar um agente. Daria para contar os lápis ao invés de revistar, por exemplo, mas não é feito assim. Essa revista está no manual de procedimento.”
Para Novaes, as revistas não são simples medidas de segurança, mas também uma forma de submeter os adolescentes. “Acho que tem uma coisa de docilização do corpo, uma forma de submeter esses adolescentes, tem uma conotação sexual muito forte, como um estupro institucionalizado. O discurso que se repete é o do ‘mas ele pode me matar’, e eu respondo que é mesmo possível. Porque esse menino já passou por um processo tão violento na vida e, quando ele chega lá, ao invés de você desconstruir essa violência e tentar construir algo positivo, responde com mais violência. Acho que o crime é uma resposta errada pra uma situação errada. ‘O mundo é injusto, meus pais se danam pra pegar uma marmita, meu irmão morreu assassinado pela PM, não entendo nada na escola.’ Daí eu me pergunto: um menino desses, quando sai da instituição, que relação vai ter com o mundo? Teve o caso do menino que colocou fogo na dentista em Diadema. Ele ficou um ano internado. Por quantas dessas revistas, humilhações e torturas ele passou? Será que ele criou um prazer em ver o sofrimento no outro? Até que ponto ele não reproduziu o que viveu? Ele riscou o fósforo, mas quem jogou o álcool? Eu não estou isentando ele da responsabilidade, mas até que ponto nós não contribuímos pra essa situação? Vou dizer uma coisa muito grave: se ele for saudável, ele vai se rebelar.”
Novaes conta que a última denúncia que acompanhou aconteceu uma semana antes das eleições de 2014. “Cheguei na unidade, um calor tremendo, todos os meninos de moletom. Pedi pra tirar e estavam lá as marcas. Os 70 meninos apanharam com cabos de vassoura que depois a gente achou no lixo. Teve uma vez que eu fui visitar uma unidade em Mauá com denúncias de tortura, e o negócio era tão feio que eu pedi no requerimento que os agentes fossem proibidos de usar botas com biqueiras de aço. Nós temos hoje uma sociedade extremamente dividida, com bolsões de miséria absurdos. Temos 30 milhões de jovens de 15 a 30 anos sem atividade, sem perspectiva. São esses caras que vão para o sistema. É nosso exército. A gente recruta preso ali. E essa questão da criminalização dos jovens vai aumentar se você colocar um menino num sistema desses, e não o contrário.”
Extermínio, o fim da linha
A experiência de Lígia como defensora lhe trouxe outra constatação
aterradora: são muitos os casos em que adolescentes em conflito com a
lei – raramente perigosos, como ela destaca – são exterminados depois de
soltos. “Essa imagem do adolescente perigoso, armado, passa muito longe
do perfil dos internos da Fundação Casa. Não é a maioria. Mas, ao
contrário, é impressionante o número de processos que encerraram por
óbito. É realmente muito comum. O que mais uma vez mostra que eles
morrem mais do que matam. Geralmente são exterminados pela polícia. Saem
da Fundação Casa e, no próximo BO em que se envolvem, são exterminados.
Em uma audiência, eu conversei com um promotor e ele, querendo me
convencer da redução da maioridade penal, disse que a culpa de os
adolescentes serem assassinados era desse sistema que garantia a
impunidade. Porque o policial prefere matar do que levar pra delegacia,
pra ele ser internado e não acontecer nada; ‘se a punição for mais dura
isso não vai acontecer’ [disse o promotor]. Olha onde chegamos.”
“O próprio caso do Champinha, que se usa como exemplo de impunidade,
além de ser uma exceção, não faz sentido”, explica Fernanda,
referindo-se ao então garoto de 17 anos que sequestrou, torturou e matou
um casal de adolescentes. “O crime aconteceu em 2003 e ele está até
hoje preso, em um lugar que é uma aberração jurídica chamada Unidade
Experimental de Saúde. Lá ficam meninos que foram diagnosticados com
transtorno de personalidade, e ninguém sabe muito o que acontece.”
A sociedade, porém, parece esquecer sua responsabilidade
constitucional para com os adolescentes, ignorando fatos e números que
mostram que eles são mais vítimas de crimes do que culpados pelos altos
índices de homicídio do país, e não gozam da propalada imunidade quando
em conflito com a lei. Uma pesquisa da Confederação Nacional dos
Transportes, de 2013, revelou que 92,7% dos entrevistados apoiavam a
redução da maioridade penal.
“Parece que a sociedade briga por um endurecimento por achar que as medidas socioeducativas são brandas, e na verdade existe uma punição ainda mais dura para os adolescentes porque ela justamente não tem os benefícios dos processos, ela não tem pena e ao mesmo tempo replica todas as violências como as revistas vexatórias, a seletividade, a segregação e as torturas de forma ainda pior. Ainda assim, é preciso que se entenda que o sistema de medidas vai mal, mas a solução não é endurecer ainda mais, e sim investir, melhorar e torná-lo menos punitivista”, defende a advogada Gabriela Ferraz, do ITTC.
“Parece que a sociedade briga por um endurecimento por achar que as medidas socioeducativas são brandas, e na verdade existe uma punição ainda mais dura para os adolescentes porque ela justamente não tem os benefícios dos processos, ela não tem pena e ao mesmo tempo replica todas as violências como as revistas vexatórias, a seletividade, a segregação e as torturas de forma ainda pior. Ainda assim, é preciso que se entenda que o sistema de medidas vai mal, mas a solução não é endurecer ainda mais, e sim investir, melhorar e torná-lo menos punitivista”, defende a advogada Gabriela Ferraz, do ITTC.
Como destaca a pesquisadora Jacqueline, não há provas de que haja
relação entre maior encarceramento e diminuição da criminalidade: “A
análise conjunta dos dados sobre os homicídios e dos dados sobre
encarceramento não permite afirmar que prender mais resulta em menos
homicídios. Na maior parte dos estados brasileiros, houve aumento do
número de presos e crescimento dos homicídios. Prender mais não resulta
necessariamente em redução da violência.”
Vamos de 18 para 16, depois de 16 para 14, de 14 para 12 e, finalmente, com algum exagero, teremos berçários-reformatórios
O desembargador José Renato Nalini, presidente do Tribunal de Justiça
de São Paulo e declaradamente contra a redução da maioridade penal,
conclui: “Uma sociedade egoísta quer se livrar do incômodo e tem como
solução trancar todos: os adultos num sistema prisional carcomido,
corrompido, contaminado de vícios insanáveis e que não funciona em todo o
planeta. Já somos o terceiro país que mais aprisiona. Queremos agora
ser o primeiro que mais encarcera menores. Vamos de 18 para 16, depois
de 16 para 14, de 14 para 12 e, finalmente, com algum exagero, teremos
berçários-reformatórios. Não é essa a solução. É preciso juízo e
fortalecer a responsabilidade cidadã. Resgatar o princípio da
subsidiariedade. Não surfar na onda recorrente de criar mais tipos
penais, aumentar os castigos, instituir pena de morte. O caminho é
outro”.
Paulo*, 29 anos, 9 anos e sete meses passados dentro de sistema
penitenciário, concorda. “Se mandar esses meninos direto pra cadeia, a
mente vai ficar pesada e depois não adianta segurar porque o bagulho é
um câncer. Depois que espalhar, já era, não dá mais pra conter. Eu vi
cara morrer, vi a polícia jogar bomba de gás em uma cela pequena com 11
caras dentro… Tem noite que eu sonho que tô lá dentro e não consigo
acordar. Imagina isso na mente de uma criança.”