Quinta, 14 de maio de 2015
Deu no Blog do Vlad
Por Vladimir Aras*
Nos
18 posts anteriores, abordei diversos aspectos da colaboração premiada e
rebati as críticas mais comuns que têm sido feitas a este instituto de
direito premial, voltado precipuamente para a luta contra o crime
organizado e os delitos graves a ele conexos.
É fundamental que, neste diálogo, não partamos de
preconcepções teóricas descabidas. Este assunto é debatido nos foros
internacionais de forma completamente diferente do que ocorre no Brasil,
sem viés, sem arroubos retóricos e, sobretudo, sem preconceitos.
Direitos fundamentais do acusado devem ser respeitados. Os direitos dos
demais integrantes da sociedade também o devem.
O Estado tem deveres de proteção para com acusados, vítimas e o corpo
social, e o direito penal é um instrumento de tutela dos direitos
fundamentais, assim o entendendo a Corte Interamericana de Direitos
Humanos.
A colaboração premiada é um meio de obtenção de prova; é também uma
estratégia de defesa. Não podemos esquecer esta nota. Sem advogado, sem
consenso, sem convencimento informado, sem interesse público, sem
homologação judicial, não há possibilidade de estabelecimento de
benefícios legais a ninguém.
É preciso deixar de lado o pré-conceito contra o “delator” (rotulado
como traidor) e o pré-conceito contra o instituto, que é tão ruim ou tão
bom quanto qualquer outro meio ordinário de obtenção de prova. Depende
do uso que se lhe dê. Toda testemunha é uma delatora. Neste sentido, não
é melhor que o réu colaborador nem muito diferente dele.
A colaboração premiada está em processo de consolidação na legislação
brasileira há mais de uma década. Não há razão para alvoroço. Quando o
delatado é um sequestrador ou um homicida, não se observa tal rejeição
ao instituto. Com o seu emprego na persecução criminal da corrupção e de
crimes de “colarinho branco” aparentemente um elemento ideológico
ingressou na equação. A reação ao seu uso tornou-se mais acerba.
Mesmo assim, os tribunais têm chancelado os acordos de colaboração.
Com o tempo, a técnica será amoldada pela doutrina e pela
jurisprudência, mas não desaparecerá enquanto a criminalidade grave e
violenta se espalhar pelo globo. Espera-se que a rejeição a essa medida
de direito premial diminua no decorrer dos anos, porque substancialmente
não há nada de antiético na colaboração premiada, e ela é muito útil.
Um mal necessário, se quisermos assim pensar.
O delator de Tiradentes foi Joaquim Silvério dos Reis, nome que ficou
marcado pelo opróbrio. O delator de Jesus foi Judas. E hoje ainda
simbolicamente o queimamos na fogueira. Comparar o réu colaborador a um
“Judas” a um Joaquim Silvério ou a um Calabar é um esforço retórico vão.
Não podemos ignorar que a colaboração premiada não é utilizada para
resolver disputas numa assembleia de santos ou entre apóstolos. Não é
panaceia; tampouco é instrumento de tortura ou algo imoral. Se o tom da
discussão é religioso e se baseia em dogmas, podemos dizer que soa quase
como uma blasfêmia equiparar os réus delatados de hoje ao Jesus Cristo
ou ao Tiradentes de ontem.
*Vladimir Aras é mestre em Direito Público pela UFPE, professor assistente de Processo
Penal da Ufba e membro do Ministério Público Federal. Edita o "Blog do
Vlad" e está no Twitter: @VladimirAras.