"A Marcha das Mulheres Negras nos
emociona por compartilharmos tanta resistência com milhares de mulheres negras
que sofrem diariamente pelo racismo, machismo e precarização do trabalho”.
A Marcha Nacional de Mulheres Negras,
realizada pela primeira vez esse ano, em homenagem às nossas ancestrais e em
defesa da luta por cidadania plena de mulheres negras brasileiras, traz
simbolicamente a nossa resistência diante das inúmeras violações de direitos
que sofremos há tantos séculos.
Somos cerca de 49 milhões espalhadas
por todo o Brasil, recebendo os menores salários, ocupando os trabalhos mais
precarizados como o doméstico, catadoras de materiais recicláveis, em fábricas
de carvão, minério, prostituição, dentre outros que não garantam nossa
emancipação enquanto trabalhadoras. Pela ausência de inserção em políticas
educacionais que concilie suas atividades laborais. Ineficiência da politica de
saúde que não abarca a condição peculiar da saúde das mulheres negras.
O racismo e o machismo infelizmente
estão presentes nas vidas de todas as mulheres. Entretanto, o Mapa da Violência
de 2015 da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) aponta que
66,7% de mulheres negras são assassinadas a mais do que brancas. O feminicídio
das negras aumentou em torno de 54% enquanto o das brancas diminuiu 9,8%. Dados
como estes corroboram com outros dados alarmantes como o alto índice de
mortalidade da juventude negra no país, cujo risco de morrer assassinado é 6,5%
vezes maior que de jovem branco, compreendendo cerca de 77% dos jovens
assassinados no país.
A Marcha tem a importância de
mostrarmos ao Brasil que 57% dele é formado por negras e negros. É a comunidade
onde mais tem a nossa raça/etnia depois da África. Nossas roupas, nossa música,
nosso cabelo e nossa cor é nossa identidade que é tanto criticada e ao mesmo
tempo apropriada por outras culturas.
Essas bandeiras também estiveram
presentes na Marcha, nas mãos das mulheres que também denunciaram a tristeza e
revolta de ter de enterrar seus filhos/as, netos/as, sobrinhos/as e irmãos/ãs
todos os dias se fizeram presente em Brasília trazendo seu sangue e suor de
mulheres que ousaram acima de tudo romper a invisibilidade que lhe são impostas
e ousaram em se firmar, pela primeira vez, como protagonista de um processo
histórico de luta para população negra.
Importante ressaltar que a Marcha
ocorre há exatos 20 anos da Marcha Zumbi, quando pela primeira vez o Movimento
Negra vinha à Brasília denunciar o mito da democracia racial e que diferente do
que se propagava o Brasil não era um país que dava oportunidade iguais entre
brancos e negros e o racismo era a principal causa da exclusão sofrida pela
população negra e que portanto seriam necessárias medidas específicas e
políticas reparatórias por parte do Estado Brasileiro para que pudesse
efetivamente melhorar as condições de vida da população negra no Brasil.
Por isso, era impossível não se
emocionar na Marcha. Como poucas vezes para nós mulheres negras, foi possível
olhar ao nosso redor e se reconhecer em cada rosto preto que ao seu lado
marchava. A cada dorso e turbante que pela estética nos remetia às raízes
culturais de nossa mãe África ou cada Black Power, símbolo do empoderamento
feminino, que por onde passava... Empunhava respeito... Ao Rap Feminino que
entoava o hino da Marcha ou de cada mulher do Axé que abençoava cada um e cada
uma que passava e, denunciava a Intolerância Religiosa que tem vitimizado o
povo de santo de norte ao sul do país (No Distrito Federal, já houveram mais de
7 ataques à Casas de Religiões de Matrizes Africanas e por isso, ser guiada por
Ialorixás no carro de som que gritava ao quatro ventos "Sou mulher, negra,
lésbica do Axé e estou em Marcha!").
A visibilidade de ontem é só o começo
da nossa força. Somos muitas, sozinhas ou juntas, nossa resistência enfrentará
todas as formas de violação dos nossos direitos. Calaremos todas as falas
racistas. Lutaremos por equidade em todos os espaços. Não nos esconderão mais!
Não era um dia ou uma Marcha qualquer: estávamos fazendo história e sabíamos
disso!
Clementina Bagno, Assistente Social e
Conselheira Tutelar de Brasília (mandato 2016-2019), 27 anos. Vice-Presidenta
do PSOL-DF.
Aline Costa, Pedagoga e Especialista em
Adolescência e Juventude, 29 anos. Secretária de Combate as Opressões do
PSOL-DF e membro da Coordenação Nacional da Insurgência/PSOL.