Segunda, 21 de outubro de 2013
do Instituto Hamanitas Unisinos“Se o preço do barril de petróleo extraído continuar sendo o do padrão da Organização dos Países Exportadores de Petróleo – OPEP, de cem dólares, no campo de Libra teremos algo em torno de quatro trilhões de reais em vinte anos de produção”, estima o economista.
Foto: pontocriticogmr.blogspot.com |
O governo federal brasileiro optou por leiloar o campo de Libra,
a maior reserva petrolífera brasileira, por duas razões: “uma delas é
geopolítica, ou seja, o país quer aparecer ao capital financeiro mundial
como bem comportado. Para quê? Para atrair mais capital de curto prazo para o Brasil. A segunda razão é manter a política do tripé que foi instalada pelos tucanos e preservada pelos governos Lula e Dilma”, avalia o economista Carlos Lessa em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone.
Lessa questiona o argumento da presidência da
Petrobras, de que a empresa não tem capital financeiro para explorar o
campo de Libra. “A Petrobras foi sendo espremida pelo governo nos
últimos anos. O caixa da empresa era próximo a 70 bilhões de reais; hoje
está reduzido a seis ou sete bilhões. (...) Mais do que isso: o Tesouro Nacional
não queria construir o trem bala? Quer construir essa obra e não tem
recurso para tocar para frente um campo de petróleo, que irá dobrar as
reservas brasileiras? Nenhum país do mundo faz partilha de um campo já
conhecido”. E dispara: “O argumento da Graça (Graça Silva Foster) é sem graça. É uma desgraça. Não consigo entender como isso está acontecendo se a presidente Dilma disse, em discurso quando candidata à presidência da República, que não iria privatizar o pré-sal”.
De acordo com o economista, a venda financiada de automóveis financia
o consumo da gasolina no país, porque a Petrobras tem prejuízo com a
venda nacional. Apesar disso, enfatiza, o governo não irá alterar o
valor do produto. “Se mexer nisso perde a eleição, porque todas as
famílias se endividaram comprando automóvel, e se o preço da gasolina
pular para cima, Dilma não se reelege. Então, o governo tem de
estabilizar a economia de qualquer jeito, mesmo que tenham que entregar a
herança, ou seja, o pré-sal”.
Carlos Lessa
é formado em Ciências Econômicas pela antiga Universidade do Brasil e
doutor em Ciências Humanas pelo Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade de Campinas (Unicamp). Em 2002, foi reitor da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e, em 2003, assumiu a
presidência do BNDES.
Foto: www.aepet.org.br |
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Economicamente, o que as reservas do pré-sal
representam para o Brasil, especialmente o campo de Libra? Qual é o
valor econômico desses poços?
Carlos Lessa – Se o preço do barril de petróleo extraído continuar sendo o do padrão da Organização dos Países Exportadores de Petróleo – OPEP, de cem dólares, no campo de Libra teremos algo em torno de quatro trilhões de reais em vinte anos de produção. Além disso, o campo de Libra
equivale a 60% das reservas que têm as quatro maiores petroleiras do
mundo, em torno de 25 milhões de barris cada uma delas. Espera-se que o
campo de Libra venha a gerar em torno de 14 a 15 milhões de barris de
petróleo.
A Petrobras, no Brasil todo, não chega a ter 14 milhões de barris. Então, só o campo de Libra dobra as reservas da empresa. Portanto, retirar a Petrobras desse processo de exploração do campo de Libra é um crime
que lesa a pátria, porque este é um recurso absolutamente estratégico, o
qual converte o Atlântico Sul, do ponto de vista geopolítico, em uma
zona muito delicada, por uma razão muito simples: os EUA consomem, por
ano, 27 a 28% da produção de petróleo do mundo inteiro, porque a
produção petrolífera do país é insignificante. Hoje os EUA são um país
sem petróleo, mas o maior consumidor do produto. Portanto, o petróleo do
Atlântico Sul é a saída para eles. Mas imagina o Brasil entregando a
sua riqueza estratégica maior de uma forma servil? O petróleo que tem no
pré-sal é o melhor tipo de óleo do mundo, enquanto o petróleo da
Venezuela, que é muito abundante, é pesado. Então, o pré-sal brasileiro é
ouro em pó.
IHU On-Line - Quais são as razões que fizeram o governo optar pelo Leilão de Libra?
Carlos Lessa – As razões são falta de brasilidade e
coragem. Agora, as razões formais levantadas são outras. A primeira
delas é que os 15 bilhões a serem recebidos dos grupos que participarão
da concessão do leilão representam mais que o dobro das reservas de
caixa da Petrobras. A empresa foi descapitalizada ao longo dos últimos
oito anos por conta de uma política suicida de vender a gasolina dentro
do país a um preço menor do que o preço que o país importa. A Petrobras
só se mantém lucrativa porque descobre poços e reavalia reservas, porque
a gasolina dá prejuízo.
A Petrobras não pode entrar como concorrente na exploração do campo
de Libra, porque quem descobriu o campo foi a própria empresa. Esse
campo já havia sido cedido a uma concessionária estrangeira, que o
devolveu porque não encontrou nada. A Petrobras tem uma
vantagem enorme em relação a todos os outros concorrentes: ela tem a
melhor sinergia possível do Atlântico, tem uma equipe de geólogos
altíssima e, por isso mesmo, é alvo de espionagem sistemática. Essa onda de espionagem
denunciada recentemente tinha duas questões prioritárias: fiscalizar a
Petrobras e também as relações do Brasil com a Bolívia e a Venezuela.
É óbvio que o Brasil tem como financiar a exploração de Libra, e não
precisa colocar o campo a funcionar imediatamente. O país precisa
aumentar a produção de petróleo, mas não precisa aumentar muito. O fato é
que é um crime a Petrobras descobrir o campo de Libra e ter de partilhar a exploração. Soube que o Ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, disse que o Brasil tem de fazer partilha, porque 1% das ações da Petrobras está em mãos de empresas estrangeiras, já que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
as vendeu na Bolsa de Nova York. Só que o contra-argumento é o
seguinte: ao entregar Libra, o Brasil está entregando 100% do petróleo
na mão dos estrangeiros. O argumento do ministro Lobão é
maluco. Aí se diz que o Brasil reservou poderes para fiscalizar a
exploração através da Petrosal. Mas quem será o presidente da Petrosal?
Como o Brasil perde o seu futuro econômico sem sequer haver uma consulta
à população?
IHU On-Line – Mas o argumento da presidência da Petrobras é
de que a empresa não tem condições financeiras de explorar o campo de
Libra. Qual é a situação financeira da Petrobras?
Carlos Lessa – Não é verdade. O capital da Petrobras
foi sendo espremido pelo governo nos últimos anos. O caixa da empresa
era próximo a 70 bilhões de reais; hoje está reduzido a seis ou sete
bilhões. Mas, apesar disso, o Brasil tem reservas colossais, como o
Banco Central, de 300 milhões de dólares. Mais do que isso: o Tesouro Nacional não queria construir o trem bala?
Quer construir essa obra e não tem recurso para tocar para frente um
campo de petróleo que irá dobrar as reservas brasileiras? Nenhum país do
mundo faz partilha de um campo já conhecido. O país poderia fazer uma
concessão caso quisesse ser um país petroleiro, mas eu pessoalmente
quero dizer que não há pior destino nacional do que ser exportador de
petróleo. Basta olhar pelo mundo o que acontece com esses países: são
sociedades atrasadas, com desequilíbrios sociais brutais, gastam boa
parte do que ganham com armamento, enfrentam guerras religiosas e são
objeto de intervenção de outros Estados, como Iraque, Líbia.
IHU On-Line – Então, o que o Brasil deve fazer com essas reservas?
Carlos Lessa – O Brasil tem que controlar seus
recursos estratégicos, independente de qualquer coisa, e não basta ter
controle apenas em cima de uma Petrosal. O argumento da Graça (Graça Silva Foster)
é sem graça. É uma desgraça. Não consigo entender como isso está
acontecendo se a presidente Dilma disse, em discurso quando candidata à
presidência da República, que não iria privatizar o pré-sal.
Economicamente, a postura do governo é uma besteira.
Nenhum país exportador de petróleo conseguiu se dar bem na história
mundial, com exceção da Noruega. O Brasil deve explorar essas reservas
no ritmo em que a Petrobras consiga explorar, ou seja, capitalizar a
empresa para isso. Como capitalizar? Há várias maneiras. Deixa eu ser
Ministro da Fazenda por um mês para ver como se capitaliza a Petrobras.
Como ela está com uma imensa reserva de petróleo, devem ter muitos
grupos financeiros dispostos a se associarem a ela.
IHU On-Line – E a empresa deve buscar alguma parceria financeira?
Carlos Lessa - Não seria necessário, pelo seguinte: a
Petrobras não pode se comprometer a investir 50 milhões de dólares a
mais, considerando os programas que ela já está executando. Mas se ela
começar a encontrar petróleo - e ainda vai encontrar mais petróleo
rapidamente, e Libra deve estar produzindo muito em dois, três anos -,
seu valor será multiplicado. E a Petrobras não precisa voltar todo o campo de produção
imediata, ela precisa ter um ritmo de extração que corresponda à
necessidade brasileira de desenvolvimento. Ou seja, gerar emprego para
todos os brasileiros, melhorar as condições habitacionais, melhorar o
sistema educacional, que está uma porcaria, fazer a cobertura médica. A
realização de todos os nossos sonhos depende de o nosso país crescer 5,
6, 7% ao ano. Com a Petrobras, a economia do petróleo e um pouco de
competência, o Brasil cresce sem dificuldade nenhuma.
IHU On-Line – Voltando às razões que fizeram o governo optar
pelo leilão de Libra, concorda que motivos econômicos por conta das
contas externas foram determinantes para a decisão?
Carlos Lessa - Este governo opta pelo leilão por duas razões: uma delas é geopolítica,
ou seja, o país quer aparecer ao capital financeiro mundial como bem
comportado. Para quê? Para atrair mais capital de curto prazo para o
Brasil. A segunda razão é manter a política do tripé que foi instalada
pelos tucanos e preservada pelos governos Lula e Dilma.
Eu e muitos amigos iremos para a frente do hotel onde será realizado o
leilão. Todos estaremos de terno preto e ficaremos lá, de pé,
assistindo. Irei lá porque os meus netos foram às manifestações de junho
reivindicar um país melhor. Me sinto mal, como idoso, em vender as
empresas do Brasil, porque meus netos serão prejudicados.
IHU On-Line - Qual a situação das contas externas do país?
Alguns críticos ao Leilão de Libra dizem que o Leilão servirá para
melhorar as contas externas. Como avalia esse apontamento?
Carlos Lessa – Não os levo a sério, porque eles
querem que o país cresça menos, faça menos obras públicas e que se
paguem mais juros para as aplicações financeiras. Na verdade, a única
coisa que está salvando o governo Dilma são alguns projetos importantes que ela encaminhou, mas os empurrou com músculos moles, lentamente.
Hoje, a venda financiada de automóvel
subsidia o consumo da gasolina. Sabe que a Petrobras está importando o
litro da gasolina a R$ 1,72 e está vendendo a R$ 1,42? Então você acha
que o governo vai mexer nisso? Claro que não! Se mexer nisso perde a
eleição, porque todas as famílias se endividaram comprando automóvel, e
se o preço da gasolina pular para cima, Dilma não se reelege. Então, o
governo tem de estabilizar a economia de qualquer jeito, mesmo que
tenham que entregar a herança, ou seja, o pré-sal.
IHU On-Line - Há alguns anos havia um entusiasmo em relação
aos rumos da economia brasileira por conta do crescimento de 7% do PIB.
Hoje, fala-se em declínio. O senhor concorda com essa análise? Quais as
razões?
Carlos Lessa – Quem tinha essa expectativa? Eu nunca tive! Eu sempre chamei o crescimento brasileiro, nos últimos anos, de “voo de galinha”.
Nós desperdiçamos a grande chance das matérias-primas de alimentos
terem subido muito de preço no início dos anos 2000. Nós tivemos uma
bonança externa espetacular, mas ao invés de elevar a taxa de
investimento da economia, desperdiçamos isso de mil e uma formas. Mas
agora a sociedade está mudando.
Olha, não quero ser profeta de apocalipse, não quero ver as coisas
piores do que são; quero apenas dizer o seguinte: o Brasil tinha que
estar colocando as barbas de molho em relação à crise mundial.
Ela está aí, e não se apresentou toda. Eu estive na Grécia há dez dias
e, andando do hotel até o museu, em quatro quarteirões na principal
avenida da Atenas moderna, todas as lojas estavam fechadas e quebradas.
Havia só uma loja aberta, na qual entrei. Quem me atendeu foi um senhor
idoso, dono do estabelecimento. Elogiei a loja e ele informou que não
tinha compradores. Também vi em Roma pessoas de terno dormindo na rua. A
Europa está em uma situação muito ruim. Para você ter noção, eu vi em
Atenas uma reunião de um partido nazista na rua. Eram 40, 50 pessoas
reunidas, propondo a violência como solução: violência não se sabe
contra quem, nem a favor de quem.
E o Brasil está simplesmente se movendo como se a globalização
estivesse indo bem e pudesse dar sustentabilidade ao país. Vou dizer uma
coisa: o que mais me escandalizou nessa viagem que fiz é a extensão com
que se usa a expressão BRIC - Brasil, Rússia, Índia e China. Não existe
isso, o que existe são quatro países imensos, com problemas muito
diferentes e sem nenhuma possibilidade de atuar juntos. Aliás, eu sempre
disse isso nos últimos meses, e hoje mesmo os jornais estão dizendo que
o Brasil está brigando com a China porque a China está apoiando os
Estados Unidos em uma proposta internacional em relação aos serviços. O
Brasil e a China são contrários, corretamente. Mas a China é parceira
dos Estados Unidos; o que existe no mundo é um G2. Sabe por que o Brasil
gosta da ideia de BRIC?
Para dizer “olha como sou grande, como sou forte, como sou emergente”. É
emergente, mas o PIB brasileiro cai sem parar. O país está
desindustrializando.
IHU On-Line - E a razão desse declínio da economia é a desindustrialização?
Carlos Lessa – Esse declínio está relacionado ao fato de o Brasil não ter nenhum projeto nacional, porque adotou a proposta do Consenso de Washington, no período do Collor de Melo,
o qual foi mantido pelos tucanos e petistas. Na verdade, o Brasil não
tem projeto nenhum, a não ser de se integrar à globalização. Aliás, a
sensibilidade financeira brasileira ao que acontece fora do mundo é
assustadora. Ontem, as bolsas de valores do mundo subiram, porque teve
uma conversa inicial boa entre os republicanos e os democratas. Sabe
qual a bolsa que mais subiu? A Bovespa. É a que mais
baixa também quando tem qualquer coisa fora. Sabe por quê? Porque o
Brasil está inteiramente aberto ao jogo financeiro internacional, e
agora vai abrir mão da soberania nacional entregando a maior riqueza do
país, ou seja, o monopólio estatal do petróleo que foi mantido pela
Constituição de 1988 e foi modificado por uma emenda constitucional, a
qual nunca foi submetida a plebiscito popular.
Veja também:
(Por Patricia Fachin)