Segunda, 11 de maio de 2015
Do STJ
A delação premiada nunca esteve tanto em evidência. Em
tempos de operação Lava Jato, à medida que surgem novos nomes envolvidos com o
esquema de corrupção na Petrobras, amplia-se também o número de acordos de
colaboração firmados com investigados em troca do alívio de suas penas.
Mecanismo de investigação e obtenção de prova, a delação
premiada foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos),
em seu artigo 8º, parágrafo único. Posteriormente, sua aplicação também passou
a ser prevista em outras normas, a exemplo da Lei 11.343/06, da Lei 12.529/11 e até mesmo do Código Penal, artigo 159, parágrafo 4º.
Somente em 2013, entretanto, com a edição da Lei 12.850, que prevê medidas de combate às
organizações criminosas, foi que a delação premiada passou a ser regulada de
forma mais completa, agora sob o título de colaboração premiada.
Conceito e aplicação
“O instituto da delação premiada consiste em ato do acusado
que, admitindo a participação no delito, fornece às autoridades informações
eficazes, capazes de contribuir para a resolução do crime.” O conceito é da
Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aplicado no julgamento do HC 90.962.
Segundo o entendimento do colegiado, não basta que o
investigado confesse sua participação no crime. Ainda que conte detalhes de
toda a atividade ilícita e incrimine seus comparsas, ele só fará jus aos
benefícios da delação premiada se suas informações forem efetivamente eficazes
para a resolução do delito.
No caso apreciado, o colegiado entendeu não haver nos autos
nenhuma informação que atestasse que a contribuição do paciente foi utilizada
para fundamentar a condenação dos outros envolvidos. Assim, foi reconhecida
apenas a atenuante da confissão espontânea.
Em outra oportunidade, no julgamento do HC 84.609, a Quinta Turma se pronunciou a
respeito da aplicação conjunta dos benefícios da confissão espontânea e da
delação premiada. O habeas corpus foi interposto contra decisão do Tribunal de
Justiça de São Paulo (TJSP) que afastou a aplicação da redução de pena prevista
no artigo 14 da Lei 9.807/99 (delação premiada)
sob a justificativa de já ter sido aplicada a atenuante da confissão espontânea
na adequação da pena.
A relatora, ministra Laurita Vaz, determinou que o tribunal
de origem rejulgasse a apelação para que, afastada a impossibilidade da
aplicação simultânea, fosse analisada a existência dos requisitos para a
concessão do benefício.
“Ante a impossibilidade de valorar os elementos colhidos
durante a fase policial, bem como aqueles obtidos durante a instrução
processual, na estreita via do habeas corpus, é o caso de se determinar seja
procedida nova análise do pleito pelo Tribunal de Justiça”, concluiu a
ministra.
Incidência obrigatória
Ainda naquele julgamento, o TJSP entendeu que o deferimento dos
prêmios da delação não seria um direito líquido e certo, mas uma decisão
discricionária do órgão julgador. O acordão da Quinta Turma também reformou
esse entendimento. Segundo o colegiado, “preenchidos os requisitos da delação
premiada, sua incidência é obrigatória”.
Foi exatamente o que aconteceu no julgamento do HC 26.325. No caso, as instâncias inferiores
reconheceram que as informações fornecidas pelo paciente, envolvido em crime de
sequestro, efetivamente indicaram o local do cativeiro e a localização dos
coautores, o que possibilitou à polícia libertar as vítimas.
O Tribunal de Justiça do Espírito Santo, contudo, concedeu o
benefício apenas a um dos réus. Como apenas este reclamou na apelação o direito
aos benefícios da delação premiada, o acórdão estadual deixou de analisar a
possibilidade de estender os efeitos ao outro réu colaborador.
No STJ, a decisão foi anulada em parte, a fim de que fosse
proferido novo acórdão com a observância da incidência da delação premiada.
Mensalão do DEM
No início de abril, Durval Barbosa – delator do esquema de
corrupção no governo do Distrito Federal conhecido como Mensalão dos Democratas
(DEM) – não conseguiu estender os benefícios de sua delação premiada à
condenação por improbidade administrativa (REsp 1.477.982).
Em razão de sua colaboração no âmbito da operação Caixa de
Pandora, da Polícia Federal, que desbaratou o esquema de corrupção, ele tentava
obter o perdão judicial por aplicação analógica dos artigos 13, 14 e 15 da Lei 9.807 e do artigo 35-B da Lei 8.884/94 à condenação por
improbidade.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal negou o pedido.
Uma das justificativas foi que a colaboração de Barbosa no processo por
improbidade não foi imprescindível para a apuração das irregularidades, que
decorreu de documentação oriunda do Tribunal de Contas do Distrito Federal.
O recurso ao STJ nem chegou a ultrapassar a barreira do
conhecimento. O relator, ministro Og Fernandes, da Segunda Turma, reconheceu
que a Lei 8.884/94 (vigente na época) previa a possibilidade de extinção da
ação punitiva da administração pública mediante colaboração, mas como Barbosa
não impugnou o argumento de que seu depoimento foi prescindível para o deslinde
do caso, foi aplicada a Súmula 283 do Supremo Tribunal Federal (STF).
De acordo com essa súmula, o recurso não pode ser admitido
quando a decisão recorrida se apoia em mais de um fundamento suficiente e o
recorrente não impugna todos eles.
Prêmios da delação
Os prêmios de um acordo de delação podem ir desde a
diminuição da pena até o perdão judicial. Cabe ao magistrado decidir qual
medida deve ser aplicada ao caso. Em relação a essa discricionariedade, o
artigo 4º, parágrafo primeiro, da Lei 12.850 disciplina que o magistrado deve
levar em consideração “a personalidade do colaborador, a natureza, as
circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a
eficácia da colaboração”.
Qualquer que seja a opção do juiz, entretanto, essa decisão
deverá ser fundamentada. No julgamento do HC 97.509, também na Quinta Turma, o
colegiado entendeu que “ofende o princípio da motivação, consagrado no artigo 93, IX, da Constituição Federal, a
fixação da minorante da delação premiada em patamar mínimo sem a devida
fundamentação, ainda que reconhecida pelo juízo monocrático a relevante
colaboração do paciente na instrução probatória e na determinação dos autores
do fato delituoso”.
No julgamento do HC 49.842, por exemplo, impetrado em favor de
um investigador de polícia condenado por extorsão mediante sequestro, a Sexta
Turma do STJ entendeu que não foram preenchidos os requisitos do perdão
judicial devido à “reprovabilidade da conduta”, mas foi concedida a redução da
pena em dois terços.
Delator arrependido
Pode acontecer de o delator voltar atrás e renegar as
informações que tenha fornecido. Se houver arrependimento, não haverá
benefícios da delação premiada, uma vez que o magistrado não poderá valer-se
dessas informações para fundamentar sua decisão.
A ministra Laurita Vaz confirmou esse entendimento no HC 120.454, de sua relatoria. No caso, houve
colaboração com a investigação durante o inquérito policial, porém o paciente
se retratou em juízo.
No habeas corpus, a defesa alegou que o paciente havia
contribuído para a investigação policial, confessando o crime e delatando todos
os corréus, e por isso pediu o reconhecimento da causa de redução de pena
prevista no artigo 14 da Lei 9.807.
A Quinta Turma, por unanimidade, acompanhou a relatora, para
a qual, embora tenha havido colaboração inicial, “as informações prestadas pelo
paciente perdem relevância, na medida em que não contribuíram, de fato, para a
responsabilização dos agentes criminosos”.
De acordo com a ministra, o juiz nem sequer pôde utilizar
tais informações para fundamentar a condenação, visto que o delator se retratou
em juízo. “Sua pretensa colaboração, afinal, não logrou alcançar a utilidade
que se pretende com o instituto da delação premiada a ponto de justificar a
incidência da causa de diminuição de pena”, disse Laurita Vaz.
Publicidade da delação
Segundo o artigo 7º da Lei 12.850, “o acordo de colaboração
premiada deixa de ser sigiloso assim que recebida a denúncia”. Ou seja, o
contraditório e a ampla defesa só serão exercidos depois de concluídas as
diligências decorrentes das informações obtidas com a colaboração premiada.
Em outro caso envolvendo o mensalão do DEM, no julgamento da
APn 707, Domingos Lamoglia – conselheiro
afastado do Tribunal de Contas do Distrito Federal e também denunciado – alegou
ofensa ao princípio do contraditório por não ter tido acesso à íntegra do
acordo e dos documentos da delação premiada que o incriminou.
A Corte Especial do STJ não acolheu seus argumentos. O
acordão citou jurisprudência do STF segundo a qual o corréu pode ter acesso ao
nome dos responsáveis pelo acordo de delação, mas esse direito não se estende
às informações recebidas.
“Tendo sido formulado o acordo de delação premiada no curso
do inquérito policial, em razão do sigilo necessário, não há falar em violação
ao princípio do contraditório”, concluiu o colegiado.
Prova de corroboração
A Lei 12.850 também estabelece de forma expressa que
“nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas
declarações de agente colaborador”. Ou seja, as informações procedentes da
colaboração premiada precisam ser confirmadas por outros elementos de prova – a
chamada prova de corroboração.
No HC 289.853, julgado pela Quinta Turma, um
homem condenado por roubo alegou nulidade absoluta de seu processo ao fundamento
de que não teve a oportunidade de se defender quando foi acusado por um corréu
em delação premiada. Disse ainda que as provas apresentadas seriam
insuficientes para incriminá-lo.
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), no recurso de
apelação, rechaçou essas alegações. Segundo o acórdão, a sentença condenatória
teve amparo em vasto conteúdo probatório, como o depoimento de vítimas e de
testemunhas e registros telefônicos.
O relator no STJ, ministro Felix Fischer, ressalvou a
impossibilidade do uso do habeas corpus para verificação das provas tidas como
suficientes pelo TJMT, mas ratificou o entendimento de que a sentença não
poderia se embasar apenas nas informações dadas pelo delator.
“A condenação não se
baseou tão somente em depoimento extraído da delação premiada, amparando-se,
outrossim, em elementos coligidos tanto na fase inquisitorial quanto judicial,
não havendo falar em nulidade do processo por ofensa ao contraditório e ampla
defesa”, concluiu o ministro.