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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 3 de novembro de 2015

As empresas de consultoria sem empregados e os escândalos de corrupção

Por
Aldemario Araujo Castro* — Mestre em Direito, Procurador da Fazenda Nacional, Professor da Universidade Católica de Brasília, Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (pela OAB/DF)

Brasília, 31 de outubro de 2015
“Relatório de análise complementar produzido pela Receita Federal, datado de 8 de outubro de 2015, confirma a informação de que a empresa LFT Marketing Esportivos, de Luis Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula, não tinha funcionários quando recebeu pagamento de R$ 1,5 milhão (veja imagem acima). /A LFT é uma das empresas investigadas pela força-tarefa da Operação Zelotes, que apura indícios de pagamentos de propina em suposto esquema de corrupção que atuava no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), ligado ao Ministério da Fazenda./"Ao parágrafo 167, junta-se informação colhida na relação anual de informações sociais - RAIS em que se identifica que a empresa LFT Marketing Esportivo não possui nenhum empregado registrado em 2014, muito embora tenha recebido, nesse mesmo ano, o valor de R$ 1.501.600,00 (um milhão quinhentos e um e seiscentos reais) da Marcondes e Mautani Empreendimentos e Diplomacia Corporativa”, afirma a Receita./(...) De acordo com as investigações, a LFT, empresa de Luis Cláudio Lula da Silva, recebeu pagamentos do escritório Marcondes e Mautoni, investigado na Zelotes por ter atuado de forma supostamente ilegal pela aprovação da MP 471, que beneficiou o setor automotivo” (http://g1.globo.com/politica/blog/matheus-leitao/1.html).
Observe-se que esse capítulo dos sucessivos escândalos de corrupção envolvendo o PT (Partido dos Trabalhadores) e seus principais expoentes, a exemplo do ex-Presidente Lula, revela uma inusitada forma de operacionalizar o manuseio de vultosas quantias. Trata-se de constituir e manter uma empresa, normalmente de consultoria, desprovida de empregados (nem um sequer) !!!
“Paulo César Siqueira Cavalcante Farias - ou PC Farias - foi tesoureiro de campanha de Fernando Collor de Mello e Itamar Franco, nas eleições presidenciais brasileiras de 1989. Foi a personalidade chave que causou o primeiro processo de impeachment da América Latina, em 1992./Acusado por Pedro Collor de Mello, irmão do Presidente da República do Brasil, em matéria de capa da revista Veja, em 1992, PC Farias seria o testa de ferro em diversos esquemas de corrupção divulgados de 1992 em diante. Em valores atuais, o "esquema PC" arrecadou exclusivamente de empresários privados o equivalente a US$ 8 milhões, equivalente a R$ 15 milhões, em dois anos e meio do governo Collor (1990-1992). Nenhuma destas contribuições teve qualquer ligação, com benefício ao "cliente" de PC, por conta de favor prestado por Fernando Collor. O "esquema PC" movimentou mais de US$ 1 bilhão dos cofres públicos” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_C%C3%A9sar_Farias).
Na condição de Procurador da Fazenda Nacional, atuei na década de 90 do século passado na medida cautelar fiscal, requerida pela Receita Federal, contra a EPC (Empresa de Participações e Construções Ltda). Essa empresa possuía um patrimônio milionário, respondia por dívidas igualmente milionárias junto à Receita Federal e tinha como dono o Senhor PC Farias.
A aludida medida cautelar fiscal buscava indisponibilizar os bens e direitos integrantes do patrimônio da EPC em razão da existência dos créditos da Fazenda Pública a serem realizados no futuro, especificamente depois de concluídos os processos administrativos fiscais onde os mesmos eram discutidos. A indisponibilidade, decretada em juízo, impediria a alienação dos itens integrantes do patrimônio da EPC para terceiros com a consequente frustração da realização dos créditos públicos.
Lembro que um dos elementos mais importantes no convencimento do rigoroso Juiz Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, hoje Desembargador Federal no Tribunal Regional Federal da Quinta Região, foi justamente a demonstração de que a EPC não possuía empregados. Restou demonstrado, e reconhecido pelo Judiciário, em todas as instâncias que apreciaram o caso, que a empresa servia como um simples repositório de patrimônio. Definitivamente, a EPC não era um componente ativo da atividade econômica, reunindo capital e trabalho para oferecer, no mercado, bens ou serviços.
Cerca de vinte anos depois da minha atuação funcional envolvendo a EPC, em conjunto com os valorosos Procuradores da Fazenda Nacional Luiz Ricardo Selva e Adriano Falcão Neri, verifico, pela imprensa, que o expediente de constituir e manter empresas sem empregados, mas com receitas ou patrimônios milionários, continua presente, e bem presente, nos escândalos de corrupção.
Já afirmei que o perverso fenômeno da corrupção é complexo e reclama um conjunto diversificado de providências voltadas para o seu combate. Destaco, aqui, a necessidade de fortalecimento das instituições públicas de controle, em especial a Advocacia Pública, com sua insuperável e inigualável atuação preventiva.
Parece, pelo visto, que não faltará trabalho para os órgãos de controle, assim como não falta criatividade para os operadores dos fluxos financeiros suspeitos. Veja o recente destaque na imprensa: “Relatório do Coaf mostra movimentações milionárias nas contas de Lula, Palocci, Pimentel e Erenice. Um relatório da agência do governo de combate à lavagem de dinheiro revela que os quatro, entre outros petistas, movimentaram quase meio bilhão de reais em transações com indício de irregularidades” (http://epoca.globo.com/…/relatorio-do-coaf-mostra-movimenta…). Entre os episódios noticiados merecem atenção os pagamentos milionários, realizados em favor de empresas constituídas e mantidas pelos envolvidos, em função de atividades de consultoria e palestras ministradas.
Curiosamente, a famosa “CPI do PC Farias”, em seu relatório final, registrou que a empresa EPC manteve inúmeros contratos de assessoria e consultoria com dezenas de grupos econômicos nacionais. Várias das alegadas prestações de serviços não estavam lastreadas em contratos ou relatórios formais. Tudo foi feito verbalmente, salvo os registros contábeis dos pagamentos, redutores do imposto de renda, e as respectivas notas fiscais.
A presença de empresas de consultoria, especialmente sem empregados, nos escândalos de corrupção de hoje e de ontem será mera coincidência?