Sábado, 14 de novembro de 2015
Por Paulo Eduardo Dias - 14/11/15
Ocorrências publicadas pela Ponte Jornalismo mostram desrespeito das autoridades na cidade de São Paulo quanto ao artigo 226 do código
I. G. S., de 19 anos, foi preso após supostamente ter sido reconhecido por um trio de vítimas que ele teria roubado uma bolsa e documentos. S. M. D. S., 17, foi acusado de ter praticado um arrastão na
frente de uma casa noturna, armado, junto a um grupo de adolescentes. Gabriel Scarcelli Barbosa, 28, foi reconhecido por fotos na rede
social Facebook e está preso. O caso de Gabriel, noticiado em
primeira mão pelo repórter Bruno Paes Manso na Ponte Jornalismo,
foi tema recente do programa Conexão Repórter, do SBT.
Nos três casos, não houve respeito das autoridades
ao artigo 226 do código do Processo Penal, que trata do reconhecimento de
suspeitos. Instituído em 1941, o artigo cita que “a pessoa que tiver de
fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser
reconhecida”. Nos casos apresentados pela Ponte Jornalismo, o reconhecimento foi
feito de forma primária, na rua. Dos suspeitos apontados, I. e S. foram
reconhecidos à noite, no escuro.
Outro ponto do artigo 226 que não tem sido levado em conta é o
de colocar o suspeito junto a outras pessoas com traços físicos semelhantes. A
reportagem apurou que esse tipo de reconhecimento na capital está condicionado
a filmes de ficção, sendo o uso do expediente raríssimo nas delegacias da
capital. A Ponte
Jornalismo indagou à SSP (Secretaria da Segurança Pública)
se as 93 delegacias da cidade estão equipadas para o reconhecimento de
suspeitos como salas especiais com vidros específicos. A pasta, que tem à
frente Alexandre de Moraes, nesta quarta gestão Geraldo Alckmin (PSDB), não
respondeu.
Questionado sobre a fiscalização em delegacias e no
reconhecimento de suspeitos, o MP-SP (Ministério Público de São Paulo) informou
que tem atuação firme e rigorosa no cumprimento do artigo 226 do Código Penal.
O 2º promotor de Justiça do 3º Tribunal do Júri da capital, Virgilio Antonio
Ferraz do Amaral, disse que o MP, por força Constitucional, é o titular da ação
penal e, portanto, fiscaliza o cumprimento da lei, especialmente, para que não
ocorram violações ao reconhecimento pessoal ou qualquer outro direito do
cidadão”.
Para o advogado e ex-secretário geral do Condepe (Conselho de
Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo), Ariel de Castro Alves, os
policiais geralmente não cumprem o artigo 226 do Código de Processo Penal.
Ele explica como deveria ser realizado o processo. “Primeiro, a vítima
deve descrever, fazer um retrato falado do suposto criminoso. Depois, deve
reconhecer no meio de outros não suspeitos. Geralmente os policias chegam na
vítima e dizem: foi esse aí? E a vítima só confirma”, analisa.
Dos casos apontados acima, I. e Gabriel continuam presos. A
ocorrência que envolve I., preso desde setembro no CDP do Belém, é ainda mais
escabrosa quanto ao reconhecimento. O jovem, negro, voltava para casa de uma
balada quando foi assaltado. Ao pedir ajuda a uma viatura do 7° Batalhão da
Polícia Militar na avenida Nove de Julho, no Bixiga, foi apontado como
criminoso por três jovens que já estavam dentro da viatura e haviam sido
assaltados a cerca de 2 quilômetros dali, na rua Peixoto Gomide.
Levado ao 78°DP (Jardins), I. não passou por reconhecimento com
pessoas semelhantes e não teve seu retrato elaborado pelas testemunhas.
Primário, com trabalho e residência fixa, e mesmo com uma das vítimas não o
reconhecendo, não teve levado em consideração dois pedidos de
liberdade. Sobre o caso, a delegada do 78°DP afirma que I. foi reconhecido
com certeza por uma testemunha, colocando em xeque versão de um dos amigos
assaltados.
Tanto o jovem preso como uma testemunha contaram para a mãe
e para a advogada, que o trio assaltado estava aparentemente sob o efeito
de álcool. “Vítima com sinais de alcoolismo deveria ser submetida ao exame do
bafômetro. Se não pode dirigir, por que pode fazer um reconhecimento que vai
decidir o destino de uma pessoa?”, indaga Alves.
Especialista em Segurança Pública pela PUC (Pontifícia
Universidade Católica), Alves enxerga uma “homologação” do Ministério Público,
que, em sua visão, “prefere só acusar do que promover justiça”,
finaliza. O promotor usa a cautela quando o assunto é a abordagem que
destina à vítima, que em alguns casos volta a trás em um reconhecimento.
“Muitas das vezes o ofendido é ameaçado ou coagido no curso da ação penal a
justificar uma possível mudança no ato de reconhecimento inicial. O valor
deverá ser apreciado em consonância com todo o conjunto probatório e, em razão
disso, retardar a eventual soltura do acusado”, conclui.
A reportagem entrou em contato com a Associação dos Delegados de
Polícia do Estado de São Paulo, que não se posicionou sobre o assunto.
O artigo
226 do Código de Processo Penal
CPP
– Decreto Lei nº 3.689 de 03 de Outubro de 1941
Art.
226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa,
proceder-se-á pela seguinte forma:
I
– a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a
pessoa que deva ser reconhecida;
Il
– a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao
lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem
tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;
III
– se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por
efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa
que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja
aquela;
IV
– do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela
autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas
testemunhas presenciais.
Parágrafo
único. O disposto no no III deste artigo não terá aplicação na fase da
instrução criminal ou em plenário de julgamento.