Segunda, 8 de julho de 2013
O Movimento Esquerda Socialista (MES), corrente do Partido Socialismo e Liberdade (Psol), divulgou no início deste mês suas primeiras conclusões sobre as manifestações que agitaram as praças e ruas do país em junho. Leia a seguir o documento, cujo título é:
Primeiras conclusões sobre o levante que mudou o Brasil e nossas tarefas políticas
1) Vivemos duas semanas de um grande levante juvenil e
popular no qual o povo mostrou sua força. Tivemos mobilizações em quase
todas as cidades do país. Os números foram impressionantes. Na
segunda-feira, 17 de Junho, mais de 150 mil pessoas marcharam em São
Paulo, pela redução da tarifa e contra a repressão policial. Na quinta
seguinte, dia 20, a imprensa falou em quase dois milhões de pessoas, com
epicentro no Rio de Janeiro, com mais de 700 mil presentes (algumas
fontes sérias falam em mais de 1 milhão). Na semana seguinte, apesar de
manifestações menores, ainda tivemos 120 mil pessoas em Belo Horizonte,
70 mil em Fortaleza, bem como dezena de milhares em várias capitais. As
cidades do interior em todo o país não quiseram ficar de fora. Vários
setores populares se somaram ao movimento: passeatas na Zona Leste e Sul
de São Paulo, na Região de Guarulhos e ABC, nas caminhadas na Rocinha,
Maré e Vidigal, no Rio de Janeiro. Este acontecimento histórico altera
de modo qualitativo a situação política nacional, produzindo uma mudança
de consciência de massas e colocando o ascenso das lutas sociais e
políticas no centro da situação nacional. O “povo unido, jamais será
vencido!”, deixou de ser uma palavra de ordem da vanguarda e virou uma
conclusão evidente. Estamos mais fortes e confiantes para os próximos
embates. Este é o grande saldo positivo do movimento.
2) Tal acontecimento foi superior ao Fora Collor e lembra a explosão
de energia dos anos 60. Foi uma mobilização que se insurgiu contra o
conjunto da velha política, das instituições desgastadas do regime,
contra a “partidocracia”. Foi uma rebelião contra as altas tarifas e os
péssimos serviços voltados para a maioria do povo brasileiro. Uma
demonstração do esgotamento do modelo “lulista”, onde apesar do
aquecimento do mercado, da contenção relativa do desemprego, não houve
nenhuma mudança estrutural na vida dos trabalhadores das grandes
cidades. A contradição principal entre o modelo de acumulação, baseado
nos investimentos públicos beneficiando grandes empreiteiras e
consórcios de “logística” explodiu em dois temas centrais: o transporte e
os gastos com a Copa. Tal contradição pode ser possível pela lógica
excludente deste “modelo de cidade”, onde o tema do transporte
galvanizou, a partir da intervenção de parcelas da juventude, a
insatisfação de todo o povo.
3) O país entrou na rota dos indignados, marca de países como Grécia,
Espanha, Portugal, Turquia, Egito e Tunísia, para citar alguns centros
da luta de classes mundial. O Brasil passou a integrar a vanguarda do
ascenso, dando um novo patamar de lutas para a América Latina e
dificultando sobremaneira a estabilidade dos planos capitalistas no
continente. A entrada do “gigante desperto” vai reorganizar globalmente a
situação internacional. O povo egípcio segue sua revolução: no dia 30
de Junho, cerca de 15 milhões de pessoas saíram às ruas para pedir o fim
do governo e exigir novas eleições. Portugal viveu na semana passada
uma contundente greve geral. O fato do Brasil ter cumprido um papel de
freio às mobilizações continentais na última década mostra o tamanho da
mudança. O mesmo país que imprimiu uma lógica subimperalista, do ponto
vista econômico e político, agora cumpre um papel diferenciado na cabeça
de milhões, especialmente na América Latina e nos países de língua
portuguesa.
4) A entrada do Brasil na onda mundial de ocupação das ruas e
protestos é um marco conclusivo do aprofundamento das mudanças desse
novo período histórico aberto com a crise econômica mundial. Do mesmo
modo que aconteceu na Turquia — um país com relativa estabilidade
econômica e níveis de desemprego bastante inferiores aos da Europa — o
Brasil dá claras demonstrações da falência da política de que a economia
mundial poderia se escorar por um período consistente no suposto novo
desenvolvimento dos novos países industrializados. Os levantes turco e
brasileiro tiveram a explosividade e combatividade tão grandes porque
enfrentaram diretamente os principais projetos capitalistas para seus
países, expressos nos processos de reestruturação urbana contra seus
povos e suas juventudes há muito carentes de direitos e de democracia
real. Não por acaso a luta contra a corrupção apareceu de maneira
protagonista e espontânea em todas as grandes manifestações do mês de
junho combinada às lutas urbanas contra a tragédia dos transportes
públicos e as obras da Copa e das Olimpíadas. Quanto maior a necessidade
das empreiteiras, construtoras, bancos e grandes corporações de
valorizar seu capital, maior é o poder da FIFA, do COI e de outros
organismos multilaterais de passarem por cima de direitos e legislações
vigentes, amparados de maneira segura pelos sistema político corrupto
brasileiro. A ligação entre a situação concreta da vida dos
trabalhadores nas cidades com saúde, educação, transportes e moradia em
situação dramática e as benesses asseguradas pelo sistema corrupto
expresso nos grandes empreendimentos imobiliários, esportivos e urbanos é
direta e evidente para o povo.
5) As conquistas que foram arrancadas mostram que ocorreu uma mudança
muito clara na relação de forças entre as classes, uma mudança a favor
dos trabalhadores e da juventude. Em poucos dias foram reduzidas tarifas
de centenas de cidades e na maioria das capitais, a PEC 37 caiu, a
corrupção foi considerada crime hediondo e o passe livre foi prometido
até por Renan, e parcialmente será adotado no Rio Grande do Sul e Goiás.
Ao mesmo tempo o governo fala em reforma da política, primeiro falando
de constituinte (recuando em 24 horas por pressão da burguesia e da
oposição de direita) e depois de plebiscito. Daqui para frente muitas
lutas vão pipocar pelo país. A greve geral do dia 11, embora tenha sido
convocada para descomprimir e controlar melhor o movimento de massas,
será um momento importante, tendo em vista que, mesmo tendo as direções
burocráticas à frente, permitirá a entrada em cena do movimento operário
de modo organizado. Nas fábricas, nos bairros populares, nas escolas e
universidades veremos o grande desenvolvimento da consciência política
provocado por este tsunami político. Consciência da força da luta e da
necessidade de organização. O PSOL tem que mostrar a sua utilidade e
capacidade para ajudar a organizar a indignação. Se o fizer, vai se
diferenciar e ganhar a confiança do melhor da vanguarda lutadora.
6) O PT como partido chefe de um projeto burguês de conciliação de
classes foi um dos principais alvos da indignação das massas. Por isso
não se podia ver nenhuma bandeira deste partido nem suas figuras nas
marchas e manifestações. É claro que todo este processo tem mostrado um
avanço enorme da consciência do povo brasileiro e de sua juventude, mais
instruída, mais conectada com o que ocorre no mundo e sem o peso nas
costas representado pela traição do PT. É o levante desta juventude que
provoca um golpe irreparável para este partido e que coloca o governo
Dilma contra as cordas. O PT como principal estabilizador da política
burguesa do país recebeu um golpe irreversível. A oposição burguesa não
pode tampouco capitalizar. Suas propostas também se chocavam com as
demandas progressistas do movimento de massas. Dilma caiu
vertiginosamente nas pesquisas de opinião. Sua avaliação caiu em 27
pontos. O conjunto dos governantes saiu desgastado: despencaram Alckmin,
Paes, Cabral e Haddad. Esse desgaste vai ser multiplicado em todas as
esferas do poder, nos Estados e nos municípios.
7) A violência contra os que lutam é o último recurso para manter o
status quo quando os mecanismos “democráticos” falham, isto é, quando o
povo deixa de acreditar no que as classes dominantes querem que ele
acredite. A utilização de caveirões e blindados nas ruas de Belo
Horizonte, Fortaleza e Rio de Janeiro prova como as forças da ordem
atacam o povo quando mobilizado. Intensificar a luta pela
desmilitarização das polícias é necessário. Preparar-se para os
enfrentamentos também. Os saques prejudicaram o movimento, pois
incutiram medo em uma parte do povo. Há que compreender o fenômeno. Eles
são resultado do sistema podre que combatemos, que produz jovens
marginalizados, que nada tem a perder e que convivem com a violência
policial cotidianamente, vivenciando as chacinas — como a mais recente
na Favela da Maré — e as incursões bélicas da polícia que invade casas e
humilha cidadãos, sempre protegida pela impunidade.
8) O verdadeiro vandalismo ocorre diariamente na política. Somente
vândalos entregam quase 50% do orçamento do país para pagar juros da
dívida pública ou bilhões para empreiteiras executarem obras da Copa,
super faturadas e de interesse futuro totalmente duvidoso. Foi contra o
vandalismo político, perpetrado pelos agentes públicos, que o povo se
levantou. A rejeição às bandeiras dos partidos nas manifestações foi
maximizada pela mídia, mas era real. Não é um fenômeno brasileiro. Foi
assim na Espanha, Portugal, Grécia e na Primavera árabe. A representação
política tradicional ruiu. O papel do PT no governo e a cooptação de
grande parte dos movimentos sociais está na raiz deste sentimento. Isso
não significa que a maioria defenda o fim dos partidos ou uma ditadura.
Esses são uma ínfima minoria. Ao contrário, a luta foi também por mais
democracia, por instituições que tenham conexão com o povo.
9) A ideia de que a direita estava por trás das manifestações
demonstra o desespero do PT diante da sua própria falência enquanto
instrumento de mobilização: A direita está dentro e apóia o governo
Dilma (Delfim, Maluf, Sarney, Calheiros, Collor, etc.), Haddad e Alckmin
se uniram para defender a repressão contra as mobilizações em SP, os
militares estão felizes com Dilma que lhes assegurou manutenção da
anistia, os banqueiros e empreiteiros nunca lucraram tanto… Então onde
estaria a direita golpista? O que se viu na rua foi o inverso: o povo, a
partir da juventude colocou uma série de pautas progressistas e
reivindicatórias. O levante, embora com demandas diversas (todas
progressistas), teve um pano de fundo objetivamente anticapitalista.
Eclodiu por uma combinação de elementos, cujo estopim foi o desastre de
um transporte público caro, sucateado e sem investimentos, mas foi muito
além. O fato de que tal processo de massas tenha coincidido com a copa
das confederações não foi à toa: representou o cansaço do povo com a
manipulação e com a opção da burguesia para investir em obras sem
interesse social – com aportes de recursos públicos – enquanto a saúde e
a educação públicas estão deterioradas. No terreno dos costumes, a
defesa da liberdade sexual, expressa na luta contra o projeto de Cura
Gay e no Fora Feliciano ampliou o caráter democrático e avançado do
conjunto da pauta.
10) A dinâmica da economia é de estagnação, aumento da inflação e do
desemprego, como reconhece até mesmo o Banco Central. A tendência é que
as contradições atuais aumentem e que a classe trabalhadora intensifique
suas ações e sua organização independente. Quando teremos uma próxima
revolta é imprevisível, assim como foi imprevisível esta. Mas o PSOL
deve escolher de modo claro seu lado, que não pode ser outro que não o
lado do povo e da juventude, estimulando sua organização, bem como a
construção de um programa que reúna as demandas do atual levante e
indique um caminho de enfrentamento contra os banqueiros, os grandes
empresários e os seus governos. O fato é que os conflitos vão se
multiplicar. Seja pela via do corte de estradas, por paralisações e
greves setoriais, ocupações. O que vai primar no ascenso será a
multiplicação das lutas.
11) Infelizmente as direções tradicionais da classe trabalhadora no
terreno do movimento sindical são pró-governistas e burocráticas.
Estiveram contra o levante atual e tentarão controlar o ascenso que se
abriu. Ao mesmo tempo, para que tenham alguma capacidade de controle
exigirão algo em troca, já que terão mais peso na relação com o governo,
cuja dependência destas direções aumentou. Assim, até mesmo estas
direções terão que oferecer alguma resistência quando os projetos de
ajuste forem executados pelos governantes. O chamado à paralisação
nacional de 11 de julho é prova disso. Para que possam controlar algo
precisam tomar alguma iniciativa de luta. De nossa parte é hora de
apostar na construção de novas direções assim como os jovens, que estão
trabalhando para construir alternativas sociais e políticas, como
expressam o Movimento Passe Livre e o Coletivo Juntos, além de outras
organizações juvenis e populares. A construção de uma nova direção e a
organização dos trabalhadores e do movimento juvenil e popular passa
pelo debate de programa e a luta pelas demandas dos movimentos (passe
livre, auditoria nas obras da copa, fim da repressão com
desmilitarização das PMs), além de bandeiras econômicas e sociais como a
defesa dos salários, taxação sobre as grandes fortunas, suspensão do
pagamento da dívida pública e auditoria, e também a defesa das lutas
camponesas, indígenas e pelos direitos civis, contra a homofobia e
contra o machismo.
12) O repúdio às direções tradicionais expressa também uma
dificuldade: ainda não existe nenhum direção com autoridade suficiente
para ajudar a centralizar uma linha política e organizativa ao conjunto
do movimento. Algumas experiências embrionárias como o Bloco de Lutas em
Porto Alegre, os Comitês da Copa em BH e as plenárias de movimentos
sociais no Rio, mostram que coordenações de movimentos sociais são
passos importantes, porém incipientes. O problema organizativo é
fundamental para o movimento. Vão seguir mais e mais lutas. A
paralisação dos caminhoneiros, a greve de rodoviários em capitais como
Manaus e Recife já apontam para esse caminho. Ao mesmo tempo o movimento
deve ir fortalecendo suas próprias instituições, construindo seu
sistema de representação, fortalecendo os partidos que reivindiquem o
levante de junho e continuem fiéis a ele.
13) Independentemente que do ponto de vista eleitoral seja improvável
a expressão clara da consciência e dos interesses do movimento de
massas, até mesmo neste terreno os partidos tradicionais devem ter
prejuízos graves. Tal processo compromete o que parecia provável: a
reeleição de Dilma. Talvez ela não venha nem mesmo a ser candidata e o
PT tenha que apelar para a volta Lula. O PSDB e seu candidato Aécio não
têm condições de capitalizar porque seu caráter burguês é ainda mais
evidente do que os interesses burgueses defendidos pelo petismo. No
terreno eleitoral Marina se fortalece para surfar na onda das redes
anti-partido, mas seu compromisso com a burguesia e com os setores
atrasados da Igreja Evangélica não lhe permite ser uma autentica porta
voz da revolta. Nosso partido é uma representação ainda parcial e
insuficiente mas, mesmo com suas limitações, representa muitas das
questões pautadas pelas ruas. Outra tendência que marca a situação é o
provável crescimento dos votos nulos e brancos, como expressão da crise
da partidocracia tradicional. Neste quadro, o PSOL pode crescer no
terreno eleitoral e mais ainda no terreno da organização da luta do povo
e da juventude. Isso também está relacionado com o caráter do movimento
de massas que eclodiu. Um dos estopins desta rebelião nacional foi
aceso em Porto Alegre, pela juventude em luta e pelo PSOL, cuja bancada
na Câmara dos Vereadores entrou com ação cautelar na Justiça contra o
aumento das tarifas e venceu, vitória que animou o movimento em SP, a
partir do qual o processo se nacionalizou e se massificou.
14) O governo Dilma ruiu junto com sua proposta de constituinte, que
durou menos de 24 horas. A resposta que o governo deu às ruas não tocou
nos problemas centrais que o povo questionou. O plebiscito da reforma
política será uma farsa democrática. Mudar o sistema eleitoral não
mudará a política. É preciso reorganizar o país através de uma Assembleia Popular Constituinte,
exclusiva, com plenos poderes e com deputados que possam ser eleitos
sem partido, em uma eleição sem interferência do poder econômico.
15) Uma reforma política real teria que interferir no cerne do que
tem feito da política uma carreira e um grande negócio. Alguns exemplos:
salários dos políticos iguais aos dos professores; corte de cargos
de confiança; nada de privilégios como carros oficiais, aposentadorias
especiais; igualdade no tempo de propaganda política, o fim da venda do
tempo de TV através das coligações; fim do financiamento das campanhas
pelas empresas privadas; fim da compra de votos através da contratação
de cabos eleitorais pagos; limite de número de mandatos parlamentares;
fim da reeleição para o Executivo e revogabilidade dos mandatos.
16) A luta contra a corrupção é uma bandeira que deve ser disputada
pela esquerda. O fervor das ruas contra a PEC 37 foi extremamente
positivo. Tanto é assim que foi Plinio de Arruda Sampaio, como que
encabeçou a luta para que incluir este parágrafo na Constituição. A lei
aprovada que trata corrupção como crime hediondo é de autoria original
de Babá. Como afirmou Safatle numa palestra na USP: a esquerda não pode
abandonar a luta contra a corrupção, gostaria de ver, metaforicamente, o
último mensaleiro enforcado nas tripas do primeiro tucano, empreiteiro,
etc.
17) Também não basta uma reforma política. É preciso mexer no
funcionamento da economia do país, que está amarrada aos interesses do
grande capital financeiro. É preciso medidas concretas que garantam que
os recursos públicos sejam utilizados para melhorar a saúde, educação e o
transporte público. Taxar as grandes fortunas, como foi proposto por
Luciana Genro quando deputada federal, e diminuir os impostos da classe
trabalhadora são parte disso. Isso deve ser articulado com a luta pela
anulação da Reforma da Previdência, uma pauta que deve ser recolocada na
agenda, a partir da nova relação de forças aberta. Ainda como parte do
programa: Auditoria da dívida pública e das obras da Copa. Nada de
empréstimos do BNDES para grandes empreiteiras. Fim das privatizações e
terceirizações e fortalecimento do Estado para prestar serviços públicos
de qualidade.
18) Para construirmos uma saída política pela esquerda, o fundamental
é avançarmos na disputa da sociedade, forjando nossa militância,
escutando as vozes das ruas e organizando em todos os terrenos a disputa
pela construção de uma alternativa dos trabalhadores, do povo pobre,
camponeses, dos sem terra e dos indígenas, uma alternativa que tenha
entre seus protagonistas decisivos esta combativa juventude que tomou as
ruas e mudou o Brasil.
Coordenação Nacional do Movimento Esquerda Socialista (MES) – PSOL 02 de Julho de 2013
Fonte: lucianagenro.com.br