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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 20 de maio de 2015

A decisão "muito amarga" de expulsar o cabo Daciolo

Terça, 20 de maio de 2015
Da Tribuna da Imprensa
Por JULIANO MEDEIROS - Via Facebook
Juliano Medeiros, do PSOL nacional, Ciro Garcia, do PSTU, e Daniel Mazola, Conselheiro Efetivo da ABI, acompanharam a fala do deputado federal Benevenuto  Daciolo durante plenária que lotou o auditório da Associação Brasileira de Imprensa em outubro de 2014 - Foto: Márcio Alves / Agência O Globo.
Como todos sabem, evito tratar temas internos do PSOL nesta página. No entanto, a decisão do partido em desliga-lo de seus quadros já é pública e quero agora registrar minha posição. Evitei me manifestar antes sobre isso por duas razões.
 
Primeiro, porque além de membro do Diretório Nacional, também sou coordenador político da Liderança do PSOL na Câmara dos Deputados, e seria muito desconfortável expor minha posição publicamente nessas circunstâncias. Segundo, porque ainda tinha esperanças de que Daciolo pudesse voltar atrás em alguns temas, evitando assim seu desligamento do partido.
 
Conheci Daciolo alguns meses atrás no Rio de Janeiro. Estive com ele várias vezes antes de sua posse como Deputado Federal e, depois de empossado, passamos a ter uma convivência diária. Recebi sua eleição com grande entusiasmo, porque imaginava que ter uma liderança popular como Daciolo na bancada federal do PSOL enriqueceria nossa intervenção no parlamento.
 
Embora suas preferências religiosas me causassem certo desconforto (o que é um problema meu, não dele), nunca me pareceram razão para considerar Daciolo incompatível com o PSOL. O mesmo vale para o fato dele ser um militar: um partido que quer transformar o Brasil num abrigo para seu povo, deve ter ao seu lado militares comprometidos com a democracia e a justiça social.
 
Com isso, quero afirmar que Daciolo não foi desligado do PSOL por ser militar ou evangélico. Os militares progressistas e os evangélicos que querem a transformação são muito bem-vindos no PSOL. Temos muitos evangélicos e militares filiados ao PSOL, o que só enriquece nossa pluralidade interna.
 
Daciolo foi desligado porque sua atuação parlamentar tornou-se incompatível com determinadas posições do PSOL. E não me refiro aqui à totalidade de sua atuação parlamentar. Na imensa maioria dos temas, Daciolo votou seguindo a orientação da bancada do PSOL. O problema é que seu mandato tem sido dedicado a temas que ferem princípios do PSOL, como a proposta de alteração na Constituição Federal para que o texto passe a afirmar que “todo poder emana de Deus” e a exigência de que o PSOL se engaje na defesa dos policiais militares acusados pela morte do pedreiro Amarildo.
 
Daciolo diz algo que é verdadeiro: o PSOL do Rio de Janeiro, quando o filiou, sabia que ele era cristão e evangélico. Mas ninguém poderia prever que seu mandato seria colocado a serviço de causas como as que descrevi acima. Nossa concepção em defesa dos militares como trabalhadores que tem seus direitos, e a defesa do Estado laico, não comportam as iniciativas tomadas por Daciolo.
 
Para mim, que tive a oportunidade de conviver com Daciolo nos últimos meses, a decisão de votar a favor de sua expulsão foi muito amarga. Primeiro, porque sei que Daciolo é um bom homem, honesto, íntegro e que seguirá trabalhando para o bem daqueles que busca representar. Embora isso não seja o bastante para ser do PSOL, são qualidades indispensáveis a um homem público. Segundo, porque o PSOL sem Daciolo, é um PSOL menos popular e isso é uma perda irreparável.
 
O desligamento de Daciolo não pode representar, em hipótese algum, que o PSOL se contenta em representar apenas os setores médios da sociedade. Terceiro, porque sei que, apesar de posições equivocadas em outros temas, Daciolo continuará se posicionando a favor dos direitos dos trabalhadores na Câmara dos Deputados, junto com o PSOL. Por tudo isso, considero que o desligamento de Daciolo, embora necessário para evitar mais desgastes ao PSOL e preservar determinados princípios do partido, é uma derrota de toda a esquerda. Não pela decisão de desliga-lo em si – a única possível, diante das posições que ele próprio assumiu – mas porque mostra nossas dificuldades em incorporar setores populares que, apesar das contradições que expressam, são absolutamente indispensáveis para a vitória de um projeto socialista, democrático e libertador.
 
Perdemos Daciolo para não perder nossa coerência. Mas isso, como tudo na vida, também tem seus prós e contras.