Domingo,
3 de abril de 2015
Por Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça e
Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia.
Em julho de 1993 fui entrevistado pela Revista Pixote e
declarei que “Eu lido com aqueles que são mais agredidos porque indefesos. São
crianças que reúnem em si todas as tendências de crueldade da sociedade.” Hoje
vendo algumas matérias jornalísticas que investem no terrorismo do medo, vejo
que essa crueldade exacerbou-se a ponto de elegerem crianças famintas e
abandonadas como a inimiga pública número 1. O alvo a ser abatido para mudar o
foco dos verdadeiros agentes de violência.
O Estatuto da Criança e do Adolescente tinha menos de três
anos de vigência e as crianças de então têm mais de 22 anos atualmente, Viram
sua infância e adolescência passar sem sentirem os efeitos desejados pelo
legislador cuja lei não foi praticada pela família, pelo Estado e pela
sociedade. Como forma de inocentar os agentes da violência praticada pela falta
de políticas públicas, desrespeito à Lei 8069/90 e a corrupção que tanto
dinheiro público desviou de sua finalidade, é mais fácil aliar-se à mídia que
tanto deseduca o povo para excluir mais ainda crianças e adolescentes
indesejados.
Como numa aliança política espúria, o rol de aliados é muito
extenso e de interesses os mais variados. Uns desejam apenas desviar o foco de
seus desmandos, outros manter seus privilégios, alguns não querem sair do
comodismo de seus gabinetes, mas o discurso é o mesmo: 1% da população juvenil
que comete atos infracionais é o responsável por toda violência que vivemos. Os
banqueiros soltam rojões porque continuarão com seus juros extorsivos. Os
corruptos conseguirão tapar o sol de suas fortunas com o encarceramento de
jovens maltrapilhos e Dona Themis manterá sua venda encobrindo sua vergonha.
Interpretes da lei dão sua versão fascista tornando exceção
em regra, eis que pelo texto constitucional a regra é a liberdade. Apenas nos
casos expressos na lei e com ordem fundamentada de autoridade judiciária
competente se justifica a prisão. Mas o editorial de um agente de comunicação
da mentira afirma que as medidas socioeducativas destinadas a adolescentes (de
12 a 18) devem ser aplicadas também aos que não mais ostentam essa condição
legal de adolescentes. É a máxima de quanto mais exclusão melhor e quanto mais
injustiça mais violência.
O ódio que permeia as relações humanas numa sociedade dita
cristã e o alto percentual dos que desejam a redução da maioridade penal nos
remete ao Julgamento de Cristo, quando tanto quanto hoje foi muito veemente a
opinião pública dominante daqueles que condenaram à morte o Divino Mestre que
tanto amava as crianças.