Prezado
Presidente Luís Fernando
Um grupo de magistrados não apoia nem deseja receber dos
cofres públicos o financiamento dos custos de educação de seus filhos e
dependentes. Para isso recebemos nossos subsídios pagos para que possamos com o
custo de nosso árduo trabalho financiar as despesas de nossas famílias e as
pessoais.
Assim como já fizeram alguns magistrados, estou dividindo
com o público que em primeira instância é nosso “patrão” e a quem devemos
prestar contas. O país vive uma crise institucional e financeira sem
precedentes e não seremos nós magistrados que nos misturaremos com aqueles que
vivem lesando nossa pátria com artifícios os mais indignos. Não apoiamos essa
proposta que foi feita por administrações anteriores com as quais manifestamos
nossa discordância e não apoiaremos agora que aprovamos a sua eleição para
Presidente do Tribunal de Justiça.
Permita-me dividir uma preocupação que, literal e
fisicamente, não nos tem permitido dormir tranquilos.
V. Exa. coloca como vitória o encaminhamento ao Parlamento
Estadual um projeto de lei visando a concessão de “auxilio educação” para
magistrados e servidores.
O que preocupa é a FONTE DE CUSTEIO deste benefício.
Ele será integralmente custeado pelo Fundo do Tribunal de
Justiça e esta é a razão declarada pelos Deputados de que aprovarão o projeto
sem qualquer problema, pois “não sairá dos cofres do Estado”.
Mas, permita-me a expressão de linguajar popular: “o
buraco é mais embaixo”.
Este benefício será custeado integralmente pela população
que precisa receber a prestação jurisdicional, pois é ela quem nutre, quase que
em sua totalidade, os recursos do Fundo do Tribunal, através do pagamento da
taxa judiciária e das custas judiciais.
Mas a população, além de já suportar elevada carga
tributária, não tem nenhuma obrigação de custear a educação dos filhos dos
magistrados e dos servidores do Tribunal de Justiça.
A uma, por que não tem esta responsabilidade legal; a
duas, porque são filhos de servidores públicos muito bem remunerados; a três,
porque a taxa e as custas judiciais não se destinam a custear benefícios
pessoais de magistrados e servidores.
Reconhecemos, de pronto, evidente desvio de finalidade na
aplicação dos recursos do Fundo do Tribunal da Justiça. E pior, repito:
custeados pela população que não tem esta obrigação legal.
Por princípio e por ser razoável, cada um deve ser
responsável pelas despesas de educação dos seus filhos ou se servir da educação
fornecida pelo Estado.
Mas jamais aquele que precisa fazer uso da Justiça para
receber o que é seu (considerando que não existe outro meio de composição de
conflitos, quando as partes não conseguem conciliar por si própria).
Preocupa também o PRECEDENTE que tal projeto inaugura.
Se hoje impomos ao demandante que suporte a escola dos
filhos dos magistrados e dos servidores, porque amanhã não lhes imporemos
também que suporte a aquisição da casa própria, por mais absurdo que possa
parecer? Ou, afinal, não estamos aí com o “auxílio moradia” sendo pago?
O custeio de um benefício exclusivista, destinado a uma
pequena casta de servidores públicos (magistrados e servidores), pagos com
salários bem acima do mercado e muito acima daqueles pagos por funções
equivalentes no Poder Executivo e no Poder Legislativo, é um evidente desvio de
finalidade, com repercussões, inclusive, na seara da improbidade
administrativa.
Mais ainda: rompe uma barreira moral que até agora não
tinha sido ultrapassada: a utilização de recursos constituídos quase que
exclusivamente pelo usuário da Justiça, através de recolhimentos de custas e
taxas (e que não são baratas considerando a qualidade questionável dos serviços
jurisdicionais), para o pagamento de educação particular para servidores e
magistrados.
E tal benefício não representará NENHUMA MELHORIA na
qualidade do serviço jurisdicional, porque não se dirige ao aperfeiçoamento do
magistrado ou do servidor, mas de seus filhos (!), pessoas absolutamente
estranhas ao Poder Judiciário, o que evidencia, mais uma vez, o desvio de
finalidade na utilização dos recursos carreados ao Fundo pela população
necessitada.
Não existe qualquer justificativa moral para tal medida,
para o desperdício de recursos vultosos, em caráter permanente, em benefício de
pessoas que, efetivamente, dele não precisam.
Tal medida não será questionada pelos servidores porque
também serão beneficiados; também não será questionado pelo Ministério Público,
porque ele já o recebe; não será obstada pelos Deputados, porque a pecha recairá
exclusivamente sobre o Poder Judiciário e porque o Estado não despenderá nada
com a sua aprovação.
Mas seremos nós, o Poder Judiciário, mais uma vez, que
suportaremos o opróbio da população.
A tão abusada justificativa da “equiparação entre os membros
do Poder Judiciário e do Ministério Público” não pode valer (ao menos neste
caso), pois os recursos provem de “contribuições” daquele que se socorre da
Justiça, ao passo que o Ministério Público faz uso de sua verba orçamentária
(embora também com finalidade igualmente questionável).
Felizmente (ou infelizmente) para a população, estes
“pormenores” talvez jamais serão de seu conhecimento, mas não podemos nos
esquecer da mídia.
Mas, mais importante, não podemos nos esquecer de nosso
papel individual e institucional na construção deste País, desta Nação, que
tanto almejamos alcance patamares de Civilização em que a Dignidade da pessoa
humana seja garantida por um Regime Republicano e Democrático, em que o Poder
Judiciário seja, efetivamente, o fiel da balança na contenção dos abusos do
Poder e do Estado.
Afinal, somos também “o Estado” suportado pela Sociedade.
E não podemos dizer, como justificativa, que prestamos um
serviço de melhor qualidade ou de qualidade superior àquele prestado pelo
Executivo ou à qualidade da representação política atualmente existente no
Poder Legislativo.
Enquanto magistrados, cidadãos e enquanto representantes
de um Poder, devemos nos preocupar com as escolhas que fazemos, pois as
consequências advirão das decisões que hoje tomamos.
Não se pode vislumbrar nenhuma relação do auxílio educação
com o cumprimento da Missão Constitucional do Poder Judiciário de prestar
jurisdição.
Muito menos de qualidade, pois não existe qualquer relação
entre o beneficiário final (os filhos) e o serviço jurisdicional.
Ora se há recursos, porque não destiná-los para a melhoria
da educação pública, apadrinhando CIEPs e Escolas de ensino fundamental e
propiciando aos jovens as condições educacionais que os capacitem ao exercício
pleno da cidadania? Fica a sugestão.
Serve esta missiva como registro da preocupação de
diversos magistrados que zelam por sua Instituição, que se juntaram a V. Exa.
nessa caminhada na certeza de uma real fidelidade aos princípios mais elevados
em prol de um Poder Judiciário Independente voltado para a realização de uma
Sociedade mais Justa, Democrática e, acima de tudo, mais Republicana.
Magistrados parceiros pela Democracia e pela ética e
Coordenação Rio da Associação Juízes para a Democracia