Domingo, 10 de maio de 2015
Por Aldemario Araujo Castro*

A advocacia da sociedade foi atribuída ao Ministério
Público para a defesa de interesses sociais com várias dimensões subjetivas, da
ordem jurídica e do regime democrático. A advocacia dos necessitados,
responsabilidade da Defensoria Pública, busca a defesa dos direitos daqueles
marcados pela insuficiência de recursos pecuniários. A advocacia do Estado,
realizada pela Advocacia-Geral da União e pelas Procuradorias dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, está vocacionada para a defesa do interesse
público, prevenção de ilícitos, notadamente de improbidade e corrupção, e a
realização das políticas públicas.
O desenho constitucional referido é uma das mais
emblemáticas manifestações da profunda transformação do espaço público
para incorporar instituições novas responsáveis por uma complexa rede de
contenções e colaborações recíprocas para o atingimento dos maiores e melhores
desígnios do Estado Democrático de Direito. Assim, fica supera uma concepção
atrasada e dogmática da repartição dos poderes estatais, presa ao liberalismo
clássico do Século XIX, que só enxerga, por deficiência intelectual ou
conveniência política, a existência e o funcionamento dos três poderes estatais
clássicos.
A Constituição, já no seu texto original, conferiu ao
Ministério Público os instrumentos institucionais necessários para o
cumprimento adequado de suas missões, em especial as autonomias administrativa,
financeira e funcional. Esses mecanismos, inicialmente ausentes para a
Defensoria Pública, foram atribuídos por emendas constitucionais, recentemente
aprovadas. Assim, o cenário institucional atual aponta para uma deficiência,
que precisa ser superada, em relação à Advocacia Pública. É preciso dotar a
Advocacia do Poder Público, e os advogados públicos, das ferramentas
necessárias para atuação mais eficiente possível em favor do Estado e da
sociedade e com paridade de armas em relação aos demais atores jurídicos.
A superação dessas deficiências institucionais da Advocacia
Pública pode ser efetivada com a aprovação das PECs 82 e 443, em
tramitação na Câmara dos Deputados.
A PEC 82 assegura as autonomias administrativa,
orçamentária e técnica da Advocacia Pública e delimita a singular
independência técnica dos advogados públicos informada pela juridicidade, racionalidade,
uniformidade, defesa do patrimônio público, da justiça fiscal, da segurança
jurídica e das políticas públicas.
Anote-se que a PEC 82 explicita o papel fundamentalmente
construtivo da Advocacia Pública. A peculiar independência técnica dos
advogados públicos, a ser consagrada na Constituição como consequência da
autonomia institucional, decorre de uma identidade funcional bem definida. Esse
papel construtivo da Advocacia Pública consiste basicamente num compromisso com
a manutenção e o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito. Exige a
explicitação dos caminhos ou soluções juridicamente válidos para a efetivação
das políticas públicas. Impõe análise e demonstração de riscos, ante a doutrina
e a jurisprudência existente. Reclama uniformização de atuações e
posicionamentos para fora dos órgãos jurídicos, por razões de eficiência e
tratamento igualitário, notadamente para com o cidadão. Fica, assim, afastada a
atuação individual ou isolada, de forma irracional e geradora de insegurança
jurídica, do advogado público.
Portanto, a independência técnica decorrente da PEC 82 não é
absoluta ou ilimitada. Não se trata de uma prerrogativa pela prerrogativa.
Também não consiste num privilégio sem relação estreita com a realização do
interesse público. A independência técnica do advogado público, conformada na
legislação pertinente, obriga uma atuação positiva, sempre que viável. O
advogado público, numa relação harmoniosa e respeitosa para com os gestores
públicos, em especial aqueles eleitos, buscará, como dever funcional inscrito
no parágrafo único do novo art. 132-A da Constituição, a realização dos
interesses públicos primários e secundários devidamente informados pela
juridicidade e segurança jurídica.
Já a PEC 443 viabiliza a justa e necessária paridade
remuneratória entre as carreiras da Advocacia Pública e as demais integrantes
das Funções Essenciais à Justiça.
Observe-se que as carreiras jurídicas da Advocacia-Geral da
União foram expressamente constitucionalizadas no parágrafo segundo do art.
131. Esse dispositivo define um status jurídico diferenciado para os membros
da AGU. Obviamente, não se trata de mera reafirmação da necessidade de
concurso público para ingresso em carreiras de servidores estatais.
Materializa-se a aludida diferenciação, entre outros aspectos, na fixação de
remunerações em patamares compatíveis com as complexas atribuições
desenvolvidas e em simetria com as outras carreiras que dão vida às demais
Funções Essenciais à Justiça.
Exatamente nesse sentido aponta o enunciado presente no
parágrafo segundo do art. 29 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT). Com efeito, essa regra garante ao membro do Ministério
Público a faculdade de transitar para as carreiras jurídicas da AGU, quando da
instalação dessa última instituição. Seria um rematado absurdo, evidentemente,
admitir movimentação funcional dessa natureza com redução remuneratória,
inclusive com ofensa à irredutibilidade explicitamente inscrita na alínea “c”
do inciso I do parágrafo quinto do art. 128 do Texto Maior.
Portanto, a autonomia e a valorização, na forma da paridade
remuneratória entre as carreiras das Funções Essenciais à Justiça, são medidas
profundamente acertadas e necessárias para o aperfeiçoamento do Estado
Democrático de Direito, complementando o trabalho do constituinte originário.
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*Aldemario Araujo Castro é Mestre em Direito, Procurador da
Fazenda Nacional, Professor da Universidade Católica de Brasília e Conselheiro
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (pela OAB/DF)
Site: http://www.aldemario.adv.br