Por Maria
Lucia Fattorelli¹
Se você é um trabalhador, cometeu mero erro em sua
declaração de imposto de renda e recebeu mais de R$ 4.463,81 ao mês,
ficará sujeito a uma alíquota de 27,5% de imposto de renda sobre os
recursos não declarados, além de multa que poderá variar de 75 a 150%
(RIR/99, art. 957, incisos I e II).
Mas se você for um grande sonegador que deixou de declarar
milhões ou até bilhões de reais e enviou seus recursos ao exterior,
ficaria sujeito a uma alíquota de apenas 15%, além de multa de 15%,
segundo Projeto de Lei 2960/2015, que pode ser votado no Congresso
Nacional a qualquer momento.
Estamos diante de uma verdadeira aberração, pois além
dessa alíquota e percentual de multa beneficiados, de apenas 15%, o
declarante não ficará obrigado a repatriar os recursos omitidos, e nem
terá que comprovar a origem de tais recursos, bastando apresentar documentos
que comprovem a sua posse, tais como extratos bancários por exemplo.
O Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária –
RERCT – criado por meio do referido Projeto de Lei 2960/2015 permite a
anistia dos crimes contra a ordem tributária (com pena de 2 a 5 anos),
falsidade ideológica, falsificação de documentos (com pena de até 6 anos),
evasão de divisas (com pena de 2 a 6 anos) e lavagem de dinheiro (pena de
até 10 anos), para quem declarar bens mantidos no exterior e ainda não declarados.
O projeto menciona que essa anistia se aplicaria somente a
recursos de origem lícita, no entanto, não exige a comprovação de tal
origem, bastando apenas a apresentação de documento que comprove a
propriedade de tal recurso, como um simples extrato bancário por exemplo.
Assim, o RERCT pode viabilizar a regularização de recursos provenientes de
graves crimes, como tráfico internacional de drogas, pessoas e órgãos,
além de outros crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Somente não
poderão participar do RERCT os que tiverem sido condenados em ação penal,
com decisão transitada em julgado, cujo objeto esteja relacionado aos
crimes anistiados esse Projeto de Lei 2960/2015.
Adicionalmente, o projeto representa um verdadeiro deboche
ao trabalho fiscal, na medida em que impede qualquer posterior ação
fiscalizatória, conforme o parágrafo 12 do art. 4º:“A declaração de
regularização de que trata o caput não poderá ser, por qualquer modo,
utilizada como indício ou elemento para efeitos de expediente investigatório
ou procedimento criminal, bem como ser utilizado para fundamentar, direta
ou indiretamente, qualquer procedimento administrativo de natureza
tributária ou cambial em relação aos recursos dela constantes.”
Em vez de tributar as grandes fortunas, a distribuição de
lucros, as remessas ao exterior, acabar com a excrecência da dedução dos
juros sobre capital próprio e punir exemplarmente os crimes contra a ordem
tributária, esse Projeto de Lei 2960/2015 é mais um passo para tornar
ainda mais injusto o já perverso modelo tributário brasileiro, além
de representar um convite à sonegação.
Esperamos que os parlamentares rejeitem o Projeto de Lei
2960/2015, e se voltem à aprovação de medidas que contribuam para
fortalecer a administração tributária e tornar mais justo o sistema
tributário vigente.
1. Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida