Tribuna da Internet
Jorge
Béja
Esse projeto de lei (2960/2015) que o Executivo enviou ao
Congresso, com o propósito, entre outros, de “repatriar” dinheiro mantido no
exterior, é outra estultice que não tem mais tamanho. É igual ou mais ridícula
do que aquelas selecionadas por Stanislaw Ponte Preta no seu Febeapá (“Festival
de Besteira que Assola o País”), o livro que na década de 60 consagrou o
saudoso jornalista Sérgio Porto. A finalidade desse tal projeto é estabelecer o
“Regime especial de regularização cambial e tributária de recursos, bens ou
direitos de origem lícita não declarados, remetidos, mantidos no exterior ou
repatriados por residentes ou domiciliados no país”.
Se convertido em lei, esse governo espera arrecadar R$100
bilhões a R$150 bilhões, com o “repatriamento” e consequente imposição de 17,5%
de Imposto de Renda e outros 17,5% de multa, para que o dinheiro “repatriado”
seja regularizado.
BEM SEM PÁTRIA
Isso mesmo “repatriado”!. A partir de agora dinheiro passa
a ter “pátria”!. Que dinheiro não tem cheiro, todos sabemos. O alerta veio do
Imperador Vespasiano, governante romano notoriamente criador e aumentador de
impostos e taxas: “Como seu filho Tito se admirasse por ter sido lançado
imposto sobre as latrinas, Vespasiano deu-lhe a cheirar uma moeda e disse-lhe:
– Meu filho o dinheiro não tem cheiro” (Lelo, Porto). Mas atribuir “pátria” ao
dinheiro, é demais! É o cúmulo das tolices, da absoluta falta de mínimo
conhecimento, de mínimo saber.
Pátria é o país em que uma pessoa nasce e ao qual
pertence. É substantivo (ou substância) exclusivamente inerente às pessoas,
vivas, mortas e às que hão de nascer, e não de “coisa” (res). O mesmo acontece
com a nacionalidade, que vem a ser a condição de um cidadão que pertence a uma
determinada nação. Seu sinônimo é cidadania. Ambos (Pátria e Nacionalidade)
são, portanto, atributos da pessoa, precisamente das pessoas humanas. Logo,
dinheiro não tem pátria. Nem nacionalidade.
E o que não tem “pátria” nem “nacionalidade” não pode ser
“repatriado”, nem “nacionalizado”. Ou seja, reintegrado a uma pátria, a
uma nação, berço que o dinheiro não possui. Pode-se até atribuir e
agregar ao dinheiro (à moeda) o nome do país de sua emissão e circulação: o
Real brasileiro, o Peso argentino, o Yuan chinês, o Iene japonês… Mas dar-lhe
“pátria” como predicativo é demais! Iguala-se ao discurso de quem lamenta “não
poder estocar o vento” para produzir energia elétrica.
É CONFISCO
Além dessa obtusa impropriedade, o projeto de lei tem como
alvo “recursos, bens ou direitos de origem lícita não declarados, remetidos e
mantidos no exterior…por residentes ou domiciliados no país”. Segundo o
projeto, todo esse elenco de bens será “repatriado” (sic)!. Isso é confisco!. E
confisco cumulado com prévia e hedionda punição sem o devido processo legal!.
Dupla punição, portanto, a ferir o princípio segundo o qual ninguém pode ser
punido duas vezes pelo mesmo fato. Se a origem é lícita, como reza o projeto de
lei, ter aqueles bens no exterior não é crime. Dono deles é quem os detém
licitamente. Não declará-los é mera infração tributária, sanável a qualquer
momento pelo infrator junto Receita Federal do Brasil e pagar o correspondente
tributo.
Basta declarar e pagar, ainda que tardiamente. Nada mais
que isso. Absolutamente não justifica o confisco e o “repatriamento” dos bens
de “origem lícita”. E quanto àqueles que são produto de crime (“origem
ilícita”) já existe a legislação pertinente que, em boa hora, vem sendo
aplicada pelo Judiciário. E só o Judiciário pode aplicar, por lhe caber o poder
de dizer o Direito. Ninguém mais.
FIASCOS À VISTA
A vingar esse tal projeto de lei do “repatriamento” de
bens de origem lícita, múltiplas situações inéditas e depreciativas para o
legislador brasileiro vão ocorrer. A começar, salvo por ordem expedida pela
Justiça Brasileira, nenhum país vai atender à solicitação do Poder Executivo
nacional (Polícias e Ministério Público) para “repatriar”, isto é, devolver ao
Brasil este(s) ou aquele(s) bem (ou bens) de brasileiros aqui residentes ou
domiciliados. A matéria não é administrativa, mas judicial e prevista no
Direito Internacional. Será um fiasco se tão esdrúxula pretensão for posta em
prática.
E como ficará a situação de brasileiros que depois de
radicados no exterior, onde trabalharam anos e anos, formaram família,
adquiriram bens, lá pagaram seus impostos, abriram conta em banco (até ficaram
ricos ) e, depois, voltaram para o Brasil, sem o desfazimento daqueles bens?
Certamente todos passarão pelo perigo de terem seus bens “repatriados”, pelo simples
fato de pertencerem a brasileiros que voltaram para o Brasil. Como se vê, todo
cuidado é pouco, para que as pessoas de bem não sofram injustiça, cuja
reparação nunca será completa e muito tardará para acontecer.