Segunda, 6 de outubro de 2014
Do Blog Náufrago da Utopia
Por Celso Lungaretti
Por Celso Lungaretti
"Política é propriedade", definiu o escritor Norman Mailer. Os
profissionais deste ofício acumulam um certo capital e, mesmo nos
reveses, tentam fazê-lo crescer.
No caso presente, o da candidata derrotada Marina Silva, a moeda usual
pela qual poderá trocar seu acervo de votos e as declarações de amor
eterno a um(a) dos finalistas, seria(m) ministério(s) para si ou para
seu partido no eventual governo daquele com quem fechar o acordo.
Ocorre que Aécio Neves representa o inimigo de classe, como ela aprendeu
ou deveria ter aprendido durante as mais de duas décadas de militância
no PT. Talvez sua educação haja sido negligenciada, afinal oPTou
no ano de 1985, quando o partido já iniciara a faina de expurgar
tendências de esquerda e abandonar, uma a uma, as bandeiras mais
consequentes do passado.
Aqui cabe uma recapitulação. Em 1982, ainda sob a ditadura militar, o PT
disputou suas primeiras eleições (concorrendo aos cargos de governador,
senador, deputado federal e estadual). A propaganda eleitoral gratuita
era regida pela Lei Falcão, que dava ao partido o direito de expor
apenas as fotos dos candidatos, enquanto um locutor lia os respectivos
currículos.
Como parte significativa dos seus candidatos participara da resistência à
ditadura, o PT, dignamente, incluiu nesses currículos a informação de
que haviam sido presos políticos.
Ora, quem tem formas de comunicar-se em massa sempre pode propagar invencionices e quase sempre tais falácias colam,
pois um traço perverso da mentalidade do homem comum brasileiro é
acreditar piamente no que se fala de mau sobre outrem, sem exigir prova
nenhuma.
P. ex., se caluniadores imundos lançarem o boato de que uma respeitável
educadora exerce atividade parasitária e vil, martelando-a
incessantemente como recomendava Goebbeles, muitos idiotas sairão
repetindo como papagaios esta mentira deslavada.
Vai daí que a direita passou a desqualificar os candidatos petistas com
zombarias do tipo "eles não têm currículos, têm prontuários policiais".
E, então como agora, se os caluniados não dispõem de uma rede
equivalente para restabelecerem o primado da verdade, são esmagados
pelos rolos compressores que, a partir do impulso inicial dado por
raposões, vão sendo engrossados cada vez mais pelos crédulos (que engolem qualquer patranha) e pelos despersonalizados (que nunca ousam se colocarem contra a maioria).
É outro traço bem brasileiro: diante de um linchamento, a grande maioria toma o partido dos linchadores.
Os resultados pífios obtidos na sua estréia eleitoral apavoraram os grãos petistas. A palavra-de-ordem passou a ser respeitabilidade a qualquer preço!
Inclusive quando o preço era deixar militantes entregues às feras
direitistas, sendo retaliados e quase assassinados, como ocorreu no
episódio dos quatro de Salvador, que relato aqui.
Reatando o fio da meada, faz sentido que uma ex-seringueira,
ex-doméstica e ex-analfabeta, entrando aos 27 anos num partido que cada
vez mais se afastava dos ideais revolucionários e provavelmente não
estaria ensinando nem sequer o bê-a-bá do marxismo aos ingressantes,
mostre até hoje pouca familiaridade com o equacionamento dessas questões
em termos de classes sociais.
Afinal, até uma ex-guerrilheira diz coisas que tirariam Marx do sério,
como o auto-elogio por haver ajudado a criar uma nova classe média.
O velho barbudo queria é livrar a humanidade das divisões artificiais
que só servem para perpetuar a desigualdade; a visão que tinha dos que
oscilavam entre a burguesia e o proletariado era a mais depreciativa
possível; e, como papa da economia política, ele riria na cara de quem
ousasse sustentar que um coitadeza, tendo como renda mensal uma merreca tipo R$ 291, pertenceria à classe média...
Mas, presume-se que de ambientalismo a Marina entenda. Como poderia
associar-se ao representante de uma das burguesias mais selvagens e
destruidoras do patrimônio natural que existem no mundo?! Apoiar Aécio,
no caso dela, é inadmissível!
Há, contudo, um pequeno problema com relação à opção contrária. Marina
saiu do PT exatamente porque sua adversária no Ministério, Dilma
Rousseff, conseguiu impor no Governo Lula a diretriz do crescimento
econômico sem freios, passando como um trator sobre suas bandeiras
ecológicas.
E, na atual campanha sucessória, Dilma aprovou e aplaudiu a sua
satanização, acumpliciando-se e sendo beneficiária de um dos capítulos
mais deploráveis da história da esquerda brasileira.
Então, espero que Marina tenha a grandeza de portar-se como verdadeira
arauta de uma nova política, abdicando dos dividendos que a velha
política lhe permitiria extrair do capital acumulado nas urnas. Caso
contrário, os perspicazes imediatamente saberão que eram palavras ao
vento; e os demais, aos poucos, irão chegando à mesma conclusão.
A coerência manda, portanto, que Marina se declare neutra e libere os seus seguidores para votarem em quem quiserem.