Do ESQUERDA.NET
Parece que há
abundante evidência de que as leis internacionais não foram respeitadas no
estabelecimento e crescimento da dívida pública grega, leis reconhecidas pelas
Nações Unidas e pela própria Agência dos Direitos Fundamentais da União
Europeia.
Catedrático de Ciências Políticas e
Sociais, Universidade Pompeu Fabra (Barcelona, Espanha).
No passado dia 4 de abril o Estado grego nomeou um Comité parlamentar, The Debt Truth Commitee (Comité da Verdade sobre a Dívida), para analisar as origens da dívida pública e por que aumentou consideravelmente durante os anos da Grande Recessão. Este Comité é composto por peritos nacionais e internacionais para assessorar em temas de financiamento da dívida pública. Outra dimensão importante desse Comité é também analisar a legalidade da dívida, isto é, ver se os mecanismos que foram utilizados para o seu estabelecimento eram legais ou ilegais, tal como se concluiu que foram em análise das dívidas públicas de casos anteriores, como em Cuba em 1898, no Iraque em 2003 e no Equador em 2007. Nestes casos a dívida pública foi anulada precisamente por se ter demonstrado que em nenhum deles se tinha respeitado a legalidade internacional (ver Ozlem Onaran, “Should Greece Pay Back its Debt?”, Social Europe Journal, 23 de abril de 2015). O Comité estabelecido em abril passado deve, pois, ver se o Estado grego respeitou a legalidade internacional quando se endividou e quando, mais tarde, pagou os juros da dívida assim como a dívida em si. E na mesma linha, o Comité deve também analisar se quem comprou dívida pública grega (sejam os bancos públicos ou privados, ou os Estados) respeitaram as leis internacionais que regem tal tipo de compras e vendas.
Pois bem, parece que, como assinala Ozlem Onaran no citado
artigo, há abundante evidência de que as leis internacionais também não foram respeitadas
no estabelecimento e crescimento da dívida pública grega, leis reconhecidas
pelas Nações Unidas e pela própria Agência dos Direitos Fundamentais da União
Europeia. Assim, as leis que regem o estabelecimento da Segurança Social
Europeia têm sido violadas sistemática e continuamente no início e no aumento
dessa dívida pública. E todas estas leis têm em comum um princípio básico: o
Estado não pode intervir para infringir os direitos humanos da sua população.
A evidência acumulada é que durante os anos da Grande Recessão, grande número
de Estados – incluindo o grego - tiveram um efeito muito negativo sobre os
direitos humanos (como o da saúde e bem-estar dos seus cidadãos) com a
aplicação das suas políticas.
A violação dos direitos humanos na
Grécia e noutros países da zona euro
Um princípio que, pelo menos em teoria,
se aplica para que um Estado permaneça na União Europeia, é precisamente o
respeito pela democracia e pelos direitos humanos, direitos que hoje estão a
ser abusivamente infringidos na Europa
Hoje, na zona euro, como resultado das políticas de
austeridade, justificadas para reduzir a dívida pública, vemos:
1. Desmantelamento dos contratos coletivos, causando na
Grécia uma descida de 25% do salário real por hora durante o período de aplicação
destas políticas.
2. Descida do salário mínimo grego a níveis dos anos
setenta.
3. Redução das pensões públicas gregas, atingindo as mais
baixas níveis inferiores ao limiar de pobreza.
4. Extensão da pobreza a 35,7% da população e a 44% das
crianças entre 11 e 15 anos.
5. Aumento sem precedentes das taxas de suicídio.
6. Diminuição do nível de riqueza do país, com uma descida
de 25% do seu PIB durante os anos da recessão, uma situação sem precedentes na
Europa em tempos de paz.
Todos estes indicadores – e muitos outros - mostram a
violação das condições definidas naquelas leis, que determinam que os
empréstimos a um Estado não possam desestabilizar as sociedades nem afetar
negativamente os direitos humanos. Na realidade, os estudos têm mostrado que se
não tivessem sido aplicadas as políticas de austeridade para pagar a dívida, a
economia grega não teria perdido 25% do seu PIB, como ocorreu. As enormes
crises humanas criadas por estas políticas de austeridade estão a violar os
direitos humanos da população afetada por elas.
Estou consciente de que alguns leitores expressarão dúvidas
sobre a eficácia destes argumentos legais pois, em geral, os direitos de
propriedade são sempre mais respeitados do que os direitos humanos. Mas um
princípio que, pelo menos em teoria, se aplica para que um Estado permaneça na
União Europeia, é precisamente o respeito pela democracia e pelos direitos
humanos, direitos que hoje estão a ser abusivamente infringidos na Europa. A
perda de legitimidade das instituições de governo da União Europeia baseia-se,
precisamente, na ampla perceção de que estes princípios –que não são só morais,
mas também legais - estão a ser violados sistematicamente.
Artigo de Vicenç Navarro,
publicado em publico.es. Tradução de Carlos Santos para
esquerda.net
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