Sexta, 10 de outubro de 2014 
Do Blog Náufrago da Utopia
Por Celso Lungaretti
Várias
 vezes já bati na tecla de que os companheiros do PT parecem ter 
esquecido tudo que aprenderam no início da caminhada, quando a 
familiaridade com os clássicos do marxismo era, praticamente, uma 
condição sine qua non para a militância esquerdista.
Isto é algo que não consigo engolir, em termos não apenas racionais, mas também emocionais.
P. ex., continuo encarando a prosperidade escandalosa dos bancos como sintoma do fenômeno que Lênin dissecou em Imperialismo, a fase superior do capitalismo;
 o predomínio da oligarquia financeira sobre os setores produtivos 
caracterizava, segundo ele, a passagem do capitalismo para seu estágio 
terminal, "parasitário, ou em estado de decomposição". 
Então jamais me passou pela garganta estar vendo, desde 2003, o Bradesco
 e o Itaú a anunciarem mês a mês seus maiores lucros líquidos de todos 
os tempos. Soou, aliás, anedótico o PT tentar associar Marina Silva aos 
bancos por meio de uma falsidade (herdeira nunca foi sinônimo de banqueira) quando jamais os interesses dos ditos cujos estiveram tão bem servidos quanto nos três governos petistas.
O MENSALÃO E O PROPINODUTO
 
Desde os idos de 2005, quando surgiram as primeiras denúncias do mensalão, nunca deixei de pensar com meus botões na velha polêmica entre os utilitaristas e os dialéticos. 
Os primeiros, acreditando que os fins justificassem os meios. Os 
segundos, contrapondo que há uma interação entre ambos, de forma que 
quem adota meios sórdidos para atingir um fim teoricamente nobre, acaba 
tornando sórdido também o seu grande objetivo. 
Exemplificando: Stalin matava sistematicamente em nome do socialismo, 
mas seu socialismo, com isto, deixou de ser o descrito por Marx (a 
penúltima etapa da marcha para o comunismo), tornando-se, isto sim, 
genocida e totalitário. A quantidade de sangue derramado determinava uma
 mudança na qualidade do regime que se construía.
Então, nunca duvidando de que os petistas recorreram às práticas 
nauseabundas da política brasileira para garantirem a governabilidade e 
não para proveito pessoal, ainda assim eu via como uma heresia o que fizeram. 
1988: O OVO DA SERPENTE.
| O digno PT Venceslau... | 
Aliás, orgulho-me muito de haver sido um dos poucos que, em 1988, 
tentaram evitar o pior, assumindo publicamente a posição correta quando o
 dilema entre os princípios elevados e a politicalha rasteira pela 
primeira vez foi colocado dramaticamente para o partido. 
Tratou-se de um momento de decisão. Seu péssimo desfecho escancarou as 
portas para os mensalões e propinodutos que adiante destruiriam a imagem
 de superioridade moral do PT. Vale a pena lembrar como isto aconteceu.
Ex-militante do movimento universitário e antigo combatente da ALN, o 
economista Paulo de Tarso Venceslau foi a única voz no partido a se 
rebelar contra o primeiro
 grande esquema de desvio de recursos públicos para financiamento 
partidário, por meio de uma firma chamada CPEM - Consultoria para 
Empresas e Municípios.
Tendo sido secretário das finanças de duas prefeituras petistas no 
interior paulista, em ambas ele resistira às pressões, seja para 
contratar a CPEM, seja para pagar-lhe valores superestimados pelos 
serviços prestados, acabando por ser exonerado da última delas, a de São
 José dos Campos.
Depois de dois anos de denúncias infrutíferas aos dirigentes máximos do 
PT, Venceslau tornou público o favorecimento escuso à CEPM em corajosa 
entrevista ao Jornal da Tarde.
Como resposta ao escândalo, o partido submeteu o assunto a uma Comissão 
de Ética presidida por Hélio Bicudo, cuja salomônica decisão foi a de 
que Venceslau deveria ser expulso por haver vazado
 um assunto interno para a imprensa burguesa; e o empresário Roberto 
Teixeira, da CPEM, por ter pilotado um mais do que evidente (e 
evidenciado no relatório final da Comissão) esquema de corrupção, bem ao
 estilo daqueles que depois celebrizariam Marcos Valério e Paulo Roberto
 Costa. 
O Lula, que Venceslau apontou como responsável pela montagem de tal 
esquema e maior beneficiário (seria graças a tal dinheiro sujo que sua 
tendência teria mantido a supremacia no partido), ameaçou sair do PT 
juntamente com Teixeira --que, além de tudo, era seu compadre e lhe 
fornecia um apartamento de cobertura em São Bernardo para morar de 
graça.
Face ao risco de o partido perder sua maior estrela, a direção estadual 
decidiu desconsiderar o parecer da Comissão de Ética, expulsando somente
 Venceslau. Foi o instante em que se assumiu como um partido igual aos 
outros, capaz até de sacrificar um militante honesto (e revolucionário!!!) para preservar uma maçã podre. 
Segundo Venceslau, o tal Teixeira havia sido, inclusive, "torturador do 
delegado Fleury". E em 2006, quando era advogado da Brasil Telecom e foi
 convocado para depor na CPI dos Bingos, admitiu "conhecer" Daniel 
Dantas, dizendo-se impedido de dar mais detalhes por haver cláusula de 
confidencialidade
Ao contrário do que os petistas querem nos fazer crer, no caso deles o  ovo da serpente
  não foi o mensalão mineiro, mas sim as maracutaias da CPEM. E eu 
cantei a bola de que as consequências do precedente então aberto seriam 
terríveis. Foram. Há nove anos corroem as entranhas do PT.
A NOVA CLASSE MÉDIA E OS GROTÕES
Dilma Rousseff, à luz da tradição marxista, viajou feio na maionese ao 
enaltecer recentemente a criação de uma nova classe média nos governos 
petistas. Afora ser extremamente discutível a pretensão de que cidadãos 
com renda mensal a partir de R$ 291 já pertençam à dita cuja, Marx 
jamais aplaudiria o inchaço dos estratos intermediários entre a 
burguesia e o proletariado, até por tenderem a quase sempre alinharem-se
 com os exploradores (que almejam ser) contra os explorados (dos quais 
tentam, a todo custo, se distanciarem). 
É o que talvez aconteça agora: os que tiveram uma pequena melhora de 
vida nos dois primeiros governos petistas parecem estar migrando para o 
lado adversário por quererem mais, sem que Dilma os tenha conseguido 
atender. 
De resto, o velho barbudo sonhava é com a extinção das classes, 
fronteiras e todas as barreiras artificiais antepostas à realização 
universal e plena dos seres humanos no reino da liberdade, para além da necessidade.
Finalmente, se os grãos petistas falam com sinceridade ao regozijarem-se
 pelo bom desempenho eleitoral nas regiões menos pujantes do País, 
esqueceram o que, para Marx, era um chamado óbvio ululante:
 sob o capitalismo, são os polos economicamente mais avançados que 
determinam para onde toda a sociedade irá, e não o contrário. Quanto 
mais próximo o PT estiver dos grotões, mais estará se aproximando da 
irrelevância. Não é pra rir, é pra chorar.
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Leia também de Celso Lungaretti a postagem "DILMA E KÁTIA ABREU: FEITAS UMA PARA A OUTRA."
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Leia também de Celso Lungaretti a postagem "DILMA E KÁTIA ABREU: FEITAS UMA PARA A OUTRA."
