*Por Sandra
Starling (no jornal O Tempo)
Todos conhecemos o adágio segundo o qual “quem vê árvore
pode não ver a floresta”. A crise política que se abate sobre nós não tem nos
permitido ver o movimento profundo que se desenvolve em torno da implementação
de um dos ideários mais caros à ideologia monetarista: o cerceamento à
autonomia do Estado para contrair dívidas.
Volta e meia vemos o Partido Republicano, nos EUA, empenhar-se
em restringir a emissão de títulos soberanos do Tesouro daquela que já é a
nação mais endividada sobre a Terra: US$ 18 trilhões em 2015, segundo a
“Forbes”. Trava-se ali o embate entre conservadores (majoritários nas duas
casas do Congresso) e progressistas (ocupantes da Casa Branca) em torno dos
fundamentos da ortodoxia monetária e do keynesianismo. As mesmas lides que
marcaram os anos 30, quando Roosevelt editou medidas de estímulo ao crescimento
econômico e de proteção social, conhecidas como “New Deal”, após o crack da
Bolsa em 1929. Naquela oportunidade, a trincheira dos conservadores estava na
Suprema Corte. São conhecidas as desavenças entre Roosevelt e os juízes, que
declaravam a inconstitucionalidade de suas medidas visando aplacar a crise do desemprego.
Do outro lado do Atlântico, acontece atualmente algo que
se relaciona a isso. Na Alemanha, após o montante da dívida pública ter
alcançado 75% do PIB em 2009 (chegaria a 82,5% em 2010), decidiram aprovar uma
emenda constitucional que ficou conhecida como “o freio da dívida”. De acordo
com nova redação dada ao artigo 109 da Constituição, “os orçamentos da União e
dos Estados federados devem, basicamente, ser equilibrados sem a contratação de
créditos” e a emissão anual de títulos limita-se a 0,35% do PIB.
PEDALADAS FISCAIS
A colocação da questão das “pedaladas fiscais” como pedra
angular do pedido de “impeachment” da presidente traduz essa mesma preocupação
em encilhar o endividamento do poder público. Paralelamente a isso, outra
manobra se desdobra no Senado: a tentativa do senador José Serra em aprovar um
substitutivo ao Projeto de Resolução 84, de 2007, de forma a fixar critérios
draconianos para que a União não se endivide. Nossa dívida bruta é, hoje, de
66% do PIB. Tramam cortes em saúde, educação, segurança e fiscalização
ambiental, mas honram os compromissos com a amortização da dívida pública ou
com a satisfação de seu serviço (juros). Seguem o mantra: as obrigações
financeiras são sagradas!
Na verdade, não possuímos o poder imperial norte-americano,
capaz de impingir ao restante do mundo os bônus do FED. Tampouco temos a
coragem dos alemães em dispor de uma política tributária que taxe fortemente as
rendas mais elevadas, o que lhes permite não fechar o ano no vermelho.
Minha aversão ao governo Dilma é notória, mas estou
convencida de que o governo “de união nacional” que se seguiria a uma eventual
deposição da atual presidente representaria o início de uma era de maior
retrocesso social, maior concentração de capitais, desnacionalização da economia
e supremacia do sistema financeiro como nunca dantes na história deste país.
Temer, Renan e Cunha: essa trinca me assusta!
*Fonte:
Tribuna da Internet