Por Adriano Benayon
2. Entretanto, esses avanços – interrompidos de 1946 a
1950, quando a política do País se submeteu facilmente ao império
angloamericano e à polarização ideológica da Guerra Fria – não foram
suficientemente retomados e atualizados, sequer com a volta de Getúlio Vargas à
presidência da República em 1950, pelo voto direto do povo.
3. Isso porque, diante disso, a intervenção do poder mundial
tornou-se maciça e sustentada por abundante corrupção, que penetrou em todos os
campos estratégicos, com o objetivo de fazer abortar o surgimento de uma potência
industrial no Hemisfério Sul.
4. Essa intervenção logrou derrubar o presidente e inaugurou
uma era, que completou 61 anos, de sucessivas renúncias à autonomia econômica e
política do Brasil.
5. A desnacionalização da indústria, política oficial desde
janeiro de 1955, conduziu à desindustrialização e causou déficits externos,
originadores da dívida externa e depois da dívida pública interna.
6. A política de destruição da Nação foi grandemente
radicalizada por meio das três primeiras eleições diretas, sob a Constituição
de 1988, regime de aparente democracia: a de Collor em 1989 e as duas de FHC,
1994 e 1998, que desencadearam verdadeiros tsunamis de entreguismo e
institucionalizaram a devastação socioeconômica do País.
7. A corrupção, em todas suas acepções, já havia formado
maioria folgada dos constituintes, para inserir na Lei Básica normas
estratégicas contrárias aos interesses nacionais.
8. Os analistas viciados no engano de qualificar tudo sob o
prisma ideológico esquerda/direita, definiram como “Centrão” os constituintes
“centro-direita” favoráveis a essas normas, que poucos da “esquerda”
combateram.
9. Nem um só parlamentar denunciou a aprovação do art. 164,
nem a inserção no texto constitucional, por meio de fraude, de cláusula no
inciso II, parágrafo 3º do art. 166, que elimina limites à aprovação de verbas
para o serviço da dívida. O art. 164 põe o Tesouro Nacional à mercê dos bancos.
10. O peso do dinheiro concentrado e da mídia antibrasileira
nas eleições continuou a eleger Congressos cada vez mais alheios aos interesses
do País, a ponto de terem aprovado dezenas de emendas à Constituição,
favoráveis aos concentradores financeiros estrangeiros e locais.
11. Ora, o processo de degradação econômica, política e
cultural teve início nos anos 50, quando o Brasil não havia construído
infraestruturas econômica e social de país desenvolvido.
12. Pior: a maioria das que se implantaram, após 1955, foi
planejada em favor dos carteis transnacionais aqui instalados para obter lucros
ilimitados da extração dos abundantes recursos naturais e do controle do
mercado consumidor.
13. A de transportes já era deficiente e não foi corrigida,
ficando ainda mais lastimável, considerado o crescimento econômico, ainda
expressivo até o final dos anos 70, graças a estes fatores: inércia da
industrialização anterior; crescimento demográfico; os fabulosos recursos
naturais do País; haver, até então, recursos de monta para investimentos
públicos, pois as finanças do Estado ainda estavam em processo de serem
arruinadas pelo modelo dependente, causador das exações referentes ao serviço
da dívida.
14. Como lembrou o professor de tecnologia Weber Figueiredo,
o presidente Vargas, em 1950, dada a insuficiência de trens em face da demanda
de passageiros, mandara ampliar o sistema ferroviário. Havia 676 trens e
transportavam-se mais de 500 mil passageiros/dia. Hoje são 450mil e
pouco mais de 100 trens, muitos daquela longínqua época. Numerosas conexões no
interior foram suprimidas em São Paulo e outros Estados.
15. Os transportes no Brasil retratam a situação de um país
ao qual foi negada permissão para desenvolver-se. Tudo serve aos carteis
transnacionais do petróleo/indústria automotiva. Predominam as rodovias. Não há
linhas de metrô que atendam minimamente a demanda das regiões metropolitanas.
As principais ferrovias são de natureza colonial: transportam aos portos
colossais quantidades de minérios: Belo Horizonte/Vitória; Carajás/Itaqui.
16. Onde houve desenvolvimento, houve uso intenso das
aquavias, como os cinco grandes lagos que ligam, nos EUA, Meio Oeste, Costa
Leste e Canadá. Inglaterra, França, Alemanha construíram densas malhas de rios
navegáveis e canais. Em 1900, já tinham boas ferrovias e ainda as estendem e
aperfeiçoam. A China constrói ótimas ferrovias e trens de alta velocidade em
todo seu extenso e acidentado território.
17. As ferrovias para transportar matérias-primas minerais e
agrárias remetem ao modelo econômico que não valoriza os recursos naturais do
País nem os processa em indústrias de capital nacional, porque acabou com elas,
ao entregar o mercado às transnacionais.
18. Esse modelo causa mega-catástrofes irreparáveis, como a
do rompimento das barragens de dejetos das minas, em Mariana, MG, operadas pela
Samarco, controlada pela transnacional anglo-australiana Billiton, com
participação da Vale.
19. Dada a corrupção e a obtusa mentalidade entreguista,
nenhum dos poderes – a nível federal, estadual e local – exige reais controles
de segurança, nem se mostra inclinado a acabar com os intoleráveis abusos.
Chegam ao ridículo de participar de entrevistas midiáticas junto com executivos
da transnacional transgressora.
20. O desastre econômico e ambiental remete, por sua vez, à
privatização da portentosa Vale Rio Doce, em 1997, no esquema que entregou
patrimônio de dezenas de trilhões de dólares, por 3 bilhões, “pagos” com
títulos podres e compensados por créditos fiscais e outras benesses.
21. Da Serra de Carajás transportam-se diariamente 576
mil toneladas do melhor minério de ferro do mundo, com o que ela tende a acabar
em 80 anos.
22. O saqueio mineral é subsidiado pela isenção tributária
na exportação (Lei Kandir, LC 87, 13.09.1996, aplicável também ao agronegócio)
e premiado por taxação ínfima na extração.
23. A CFEM (Compensação Financeira pela Extração
Mineral) - calculada sobre o líquido (a ETN arranja e
superfatura despesas minimizar o faturamento bruto) -
cobra estas alíquotas: alumínio, manganês, sal-gema e potássio: 3%; ferro, fertilizantes
e carvão: 2%; ouro: 1%; pedras preciosas, carbonados e metais nobres:
0,2%.
24. Foram extraídas, em 2013, das “nossas” minas de ferro
370 milhões de toneladas, 90% para exportação e 10% para o mercado interno. Com
a acelerada desindustrialização, a dependência do exterior continua crescendo,
e, mesmo com preços em queda, os minérios metalúrgicos respondem por 13% do
valor total das exportações.
25. Na agricultura o quadro é semelhante: 55% das
terras são usados para cultivar soja - metade da qual se destina à
exportação – causando pauperização dos solos – e contaminação de aquíferos –
decorrente do intenso uso de fertilizantes químicos, sementes transgênicas e
pesticidas altamente tóxicos.
26. As exportações agrárias somaram, em 2014, US$ 96,7
bilhões = 43% das exportações totais do País, de US$ 225,1 bilhões, que equivalem
a míseros 10% das exportações da China!
27. O caos agrário liga-se à miséria da energia, via setor
sucroalcooleiro, formado por enormes usinas e plantations, a maioria já
desnacionalizada, a exportar açúcar e álcool (6,1% das exportações totais),
segundo o interesse dos patrões transnacionais.
28. Esse esquema prevalece contra a correta ideia original
do programa do álcool (1974), que incluía agricultura familiar,
descentralização, culturas alimentares combinadas e aproveitamento de óleos
vegetais – como dendê, macaúba, pinhão manso etc. - para substituir o
diesel do petróleo, além do erguimento da química do álcool e dos óleos
vegetais.
29. Além de se fazer tudo errado no biodiesel, engodo para
ocultar a mão pesada das transnacionais – governantes das poluidoras fontes
fósseis – as “alternativas” preferidas têm sido as dependentes de tecnologia e
equipamentos importados, como a eólica.
30. Ainda sobre a infraestrutura de energia, não é de omitir
a devastação em curso, desde Collor e FHC, a qual desnacionalizou o grosso da
geração e distribuição da hidroeletricidade, e instituiu um sistema de
precificação, impossível de entender, para propiciar indecentes lucros aos
beneficiários, que já elevou as tarifas, em 150% acima da inflação. No
processo, sugaram-se as estatais, a ponto de pôr a Eletrobrás em situação
falimentar.
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Adriano Benayon é doutor em economia pela Universidade de
Hamburgo, Alemanha e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.