Da Tribuna da Internet / O Tempo
Leonardo Boff
O grau de civilização e de espírito humanitário de uma
sociedade se mede pela forma como ela acolhe e convive com os diferentes. Sob
esse aspecto, a Europa nos oferece um exemplo lastimável que beira a barbárie.
Geralmente, a estratégia era e continua sendo esta: ou marginaliza o outro, ou
o submete, ou o incorpora, ou o destrói. Assim ocorreu no processo de expansão
colonial.
O limite maior da cultura europeia ocidental é sua
arrogância, que se revela na pretensão de ser a mais elevada do mundo, de ter a
melhor forma de governo (a democracia), a melhor consciência dos direitos,
criadora da filosofia e da tecnociência e, como se isso não bastasse, ser a
portadora da única religião verdadeira: o cristianismo. Resquícios dessa
soberba aparecem ainda no preâmbulo da Constituição da União Europeia: “O
continente europeu é portador de civilização, seus habitantes a habitaram desde
o início da humanidade em sucessivas etapas e, no decorrer dos séculos,
desenvolveram valores, base para o humanismo: igualdade dos seres humanos,
liberdade e o valor da razão”.
VIOLAÇÕES
Essa visão é somente em parte verdadeira. Ela esquece as
frequentes violações desses direitos, as catástrofes que criou com suas
ideologias totalitárias, guerras devastadoras, colonialismo impiedoso e
imperialismo feroz que subjugaram e inviabilizaram culturas inteiras na África
e na América Latina. A situação dramática do mundo atual e as levas de
refugiados vindos dos países mediterrâneos se devem, em grande parte, ao tipo
de globalização que ela apoia, pois configura, em termos concretos, uma espécie
de ocidentalização tardia do mundo. Esse é o pano de fundo que nos permite
entender as ambiguidades e as resistências da maioria dos países europeus a
acolher os refugiados e os imigrantes.
Segundo dados o Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados, somente neste ano, 60 milhões de pessoas se viram forçadas a abandonar
seus lares. Só o conflito sírio provocou 4 milhões de desalojados. Os países
que mais acolhem essas vítimas são o Líbano (1,1 milhão de pessoas) e a Turquia
(1,8 milhão).
Agora, esses milhares de indivíduos buscam um pouco de paz
na Europa. Somente neste ano, cruzaram o Mediterrâneo cerca de 300 mil pessoas,
entre imigrantes e refugiados. E o número cresce dia a dia. A recepção é
carregada de má vontade, despertando na população manifestações que revelam
grande insensibilidade e até inumanidade.
PERCALÇOS
A acolhida é cheia de percalços, especialmente por parte da
Espanha e da Inglaterra. A mais aberta e hospitaleira, apesar dos ataques que
se fazem aos acampamentos dos refugiados, tem sido a Alemanha. O governo da
Hungria declarou guerra aos refugiados. Tomou uma medida de grande barbárie:
mandou construir uma cerca de arame farpado de 4 m de altura ao longo de toda a
fronteira com a Sérvia, para impedir a chegada dos que vêm do Oriente Médio. Os
governos da Eslováquia e da Polônia declararam que somente aceitariam
refugiados cristãos.
Essas são medidas criminosas. Todos esses sofredores não são
pessoas humanas, não são nossos irmãos e nossas irmãs? Kant foi um dos
primeiros a proporem uma República mundial em seu último livro, “A Paz
Perpétua”. Dizia que a primeira virtude dessa República deveria ser a
hospitalidade como direito e dever de todos. Ora, isso está sendo negado
vergonhosamente pelos membros da Comunidade Europeia.
SOMOS UM SÓ
Que valham as palavras da física quântica Danah Zohar: “A
verdade é que nós e os outros somos um só, que não há separatividade, que nós e
o ‘estranho’ somos aspectos da única e mesma vida”. Como seria diferente o
trágico destino dos refugiados se essas palavras fossem vividas com paixão e
compaixão!