Em uma cruzada inédita, Ministério Público Eleitoral
processa militantes que contribuíram com valores como R$20 e R$50 para seus
candidatos em 2014
De Carta Maior
Najla Passos
Morador de Nova Iguaçu, membro de uma típica família da
chamada “nova classe média”, Luiz Alberto Santos, 20 anos, é um daqueles jovens
que acredita que só a ampla participação popular poderá mudar o quadro político
atual e garantir um país mais democrático e mais justo para todos. Militante do
PSOL desde 2012, decidiu contribuir para a candidatura de Tarcísio Motta,
candidato ao governo do Rio pela legenda nas últimas eleições, com uma doação
de R$ 25.
Agora, responde a um processo movido pelo Ministério
Público Eleitoral (MPE), que o acusa de ter desrespeitado a legislação que impede
o cidadão brasileiro de doar mais de 10% dos seus rendimentos a candidatos ou
partidos políticos. Ciente da doação do jovem ao partido, o MPE pediu à Justiça
a quebra do seu sigilo fiscal e descobriu que, em 2013, Luiz Alberto não
apresentou declaração de Imposto de Renda à Receita Federal e nem sequer
possuía conta bancária. Erroneamente, concluiu que ele não tinha renda
compatível com a modesta doação de R$ 25.
De fato, em 2013, Luiz Alberto ainda cursava o ensino
médio e não trabalhava. Mas em 2014, no ano em que fez a doação, já havia
conquistado seu primeiro emprego como assistente administrativo em uma
operadora de telefonia celular e quis contribuir com o projeto político que
julgou mais adequado. A notificação sobre a ação foi entregue a sua mãe, que
não entendeu bem os termos jurídicos empolados e achou que o filho já estava
condenado a pagar R$ 50 mil à Justiça. Os desgastes familiares foram
inevitáveis.
“Para quem sofre todos os dias para convencer a família de
vale a pena fazer política, um fato desses gera um desgaste imenso. Se a pessoa
não tiver muita convicção de projeto político que defende, desiste na hora de
voltar se envolver”, desabafa Luiz Alberto, que teve que se virar para
conseguir assessoria jurídica gratuita. “Na própria notificação já dizia que eu
teria que apresentar minha defesa por meio de advogado. Ora, quem doa R$ 25 não
tem necessariamente condições de arcar com um custo desses”, reclama.
Problema semelhante ocorreu com o advogado carioca Lucas
Mourão, 26 anos, que doou R$ 40 para a campanha do deputado federal Jean Wyllys
(PSOL-RJ) e R$ 20 para a de Tarcísio no ano passado. “Em 2013 eu ainda era
estagiário e ganhava cerca de R$ 1 mil por mês e, portanto, estava isento do
imposto de renda. O MPE, porém, fez o seguinte cálculo: se eu era isento, então
não recebia absolutamente nada. É um raciocínio estúpido e um erro jurídico
crasso”, afirma.
Antes de ser notificado pela Justiça, Mourão também teve
seu sigilo fiscal quebrado. Apresentou uma defesa robusta, à qual anexou seus
extratos bancários comprovando a renda compatível com a doação. Também
argumentou que a jurisprudência sobre o tema atesta que pessoas isentas do
pagamento de IR podem doar até 10% do limite do teto de isenção que, em 2013,
era de R$ 20,7 mil.
Mesmo assim, o MPE devolveu o processo à Justiça ratificando o pedido de condenação. Se o órgão conseguir convencer o juiz da sua tese, Mourão terá que pagar multa de 5 a 10 vezes o valor da doação. Ele, porém, não acredita que o processo prospere. “Os argumentos são tão frágeis que, se não for derrubada agora, a ação não sobreviverá ao julgamento pela instância superior”, afirma.
Mesmo assim, o MPE devolveu o processo à Justiça ratificando o pedido de condenação. Se o órgão conseguir convencer o juiz da sua tese, Mourão terá que pagar multa de 5 a 10 vezes o valor da doação. Ele, porém, não acredita que o processo prospere. “Os argumentos são tão frágeis que, se não for derrubada agora, a ação não sobreviverá ao julgamento pela instância superior”, afirma.
Jovens, pobres e de
esquerda
O advogado, agora, vem reunindo relatos de outros doadores
que também estão sendo processados e, em vários casos, assumindo suas defesas.
Segundo ele, já são cerca de cem registros com perfil bastante semelhante:
jovens isentos do pagamento do imposto de renda que doaram quantias
ínfimas a pequenos partidos de esquerda, em sua maior parte no Rio de Janeiro.
“Eu diria que 95% dos processados doaram para o PSOL, entre filiados e não
filiados, mas também há registro de ações contra pessoas que doaram para o PSTU
e até mesmo o de uma que doou para o PT”, relata.
Presidente nacional do PSOL, Luiz Araújo atesta que nas
eleições anteriores nunca ocorreu fato semelhante com os apoiadores do partido.
E acrescenta que, mesmo que o número de doadores processados não seja grande, é
uma ação que preocupa porque se insere na tendência de criminalização dos pequenos
partidos mais ideológicos. “É todo o rigor da lei sendo usado contra um estilo
diferente de fazer política, que dispensa as contribuições das grandes empresas
e sustenta suas campanhas com as pequenas doações de amigos, vizinhos e colegas
de trabalho. É a criminalização das candidaturas que optam por não fazer como
os poderosos”, afirma.
O dirigente observa que a maior parte das ações está
concentrada no Rio de Janeiro, onde de fato está ocorrendo uma perseguição aos
doadores do partido, mas destaca também a ocorrência de casos mais isolados em
outros estados. “Nós temos orientado nosso diretórios regionais a prestarem
toda a assistência aos doadores que estão sendo processados”, afirmou. No
Piauí, por exemplo, o diretório se responsabilizou pela defesa dos dois
doadores processados.
A reportagem de Carta Maior também apurou ocorrências
semelhantes em São Paulo, Paraná, Bahia, Espírito Santo, Pernambuco e no
Distrito Federal.
Criminalização do
trabalho voluntário
Dentre os casos mais graves de militantes processados,
estão os dos que prestaram trabalhos voluntários para os partidos e podem ser
condenados a pagarem multas pesadíssimas à Justiça. É o caso do contador
Joilson Santos, do DF, filiado ao PSOL, que assinou a prestação de contas de 48
candidatos pelo partido. O MPE considerou que cada prestação tem o valor
referência de um salário mínimo, o que fez com que a doação da força de
trabalho do militante ultrapassasse a sua capacidade de renda.
Joilson foi notificado da ação no último sábado e, nesta
sexta, já apresentará sua defesa, construída pela assessoria jurídica do PSOL.
Se condenado, Joilson terá que arcar uma multa de quase R$ 300 mil. “É um valor
que eu não tenho como pagar. Esse tipo de ação da justiça desestimula muito a
militância. Fiquei muito chateado porque a gente vê tanta corrupção no país,
candidatos se elegendo com propina de empresas, e o MPE investe contra os
militantes comuns que fazem doações pequenas ou trabalho voluntários para os
partidos em que acreditam por ideologia”, afirma.
Lucas Mourão conta que, no Rio de janeiro, o MPE também
está acuando os trabalhadores voluntários. Segundo ele, um dos casos mais
emblemáticos é o de um compositor que fez um jingle de campanha e o doou para o
PSOL. O MPE estimou o valor do jingle em R$ 1 mil, o que era incompatível com a
renda do músico. “Há também uma advogada que trabalhou como voluntária na
assessoria jurídica do partido. Agora, o MPE estimou a doação do trabalho dela
em R$ 40 mil e, como isso não é compatível com seus rendimentos, ela corre o
risco de ter que pagar até dez vezes esse valor em multa”, relata.
Na contramão da
conjuntura
Para Mourão, a maior preocupação é que a nova diretriz do
MPE intimide as pessoas comuns que desejam contribuir com os pequenos partidos
ideológicos de esquerda. “Minha maior preocupação é que isso afete o
ativismo político das pessoas que não são advogados, não são militantes, não
sabem qual é o funcionamento da Justiça e ficam completamente acuadas quando se
vêm frente a uma investigação do MPE por conta de terem doado R$ 10, R$ 15 para
uma campanha política”, destaca.
Segundo ele, a simples existência do processo provoca
grandes transtornos eleitorais profundos. “Imagina um jovem da periferia que
nunca se envolveu com política, mas se encanta com determinada campanha, decide
participar, doa R$ 10 para ajudar um partido que não aceita doações de empresas
privadas e, depois, esse sujeito tem que contratar um advogado e, se não tiver
dinheiro para isso, enfrentar a fila da defensoria pública”.
Visão semelhante tem o estudante carioca Rodrigo Aragão
Dantas, 27 anos, que também está sendo processado por contribuir com R$ 50 para
a campanha do candidato à deputado federal pelo PSOL Babá, que não conseguiu se
eleger. Como seu único rendimento é a bolsa da Capes que recebe para cursar o
doutorado, também é isento de declarar imposto de renda. E, por isso, caiu na
mira do MPE.
“É preocupante sim, porque é uma forma de intimidar o
doador, principalmente o peixe pequeno, o jovem sem renda e sem experiência com
essas coisas. A pessoa fica desestimulada e isso é muito preocupante porque
essas pequenos doações de pessoas físicas são a principal fonte de
arrecadação que esses partidos mais ideológicos tem na época eleitoral, já que
o fundo partidário é pouco e eles não aceitam doações de empresas”
Por problemas em relação ao seu endereço, só recebeu no
mês passado a notificação do processo aberto em julho. “Eu fui aprovado no
concurso público para professor do Estado do Rio e, caso eu não fosse localizado
e o processo corresse à revelia, eu poderia ter complicações para assumir o
cargo”, ressalta.
Segundo ele, esta é uma orientação nova do MPE. “Em 2012,
quando eu recebia a bolsa do mestrado, doei para a campanha do Marcelo Freixo,
candidato do PSOL à Prefeitura do Rio, e não tive nenhum problema”, recorda-se.
MPE: ordens
superiores
Em resposta aos questionamentos da reportagem, o
Assessoria de Comunicação do Ministério Público Eleitoral do Rio de Janeiro não
informou quantos jovens sem renda declarada que fizeram pequenas doações em
2014 estão sendo processados pelo estado. Mas esclareceu que a listagem com os
doadores em situação irregular foi elaborada pela Receita Federal, a partir do
cruzamento das informações disponibilizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), e encaminhada ao órgão pelo procurador regional eleitoral, Paulo Roberto
Berenger, com “expressa recomendação aos promotores eleitorais para
oferecimento de representações”.
No ofício encaminhado ao órgão, o procurador regional
ressaltou “o trabalho árduo do Ministério Público Federal para obtenção das
supracitadas informações” e solicitou “empenho dos promotores eleitorais no
ajuizamento das representações”, afim de reprimir as “indevidas doações aos
candidatos e partidos. No documento, Berenger informou também que recebeu as
informações sobre pessoas físicas e jurídicas que efetuaram doações para a
campanha de 2014 acima dos limites permitidos pela Lei 9.504/97 da
Vice-Procuradoria Geral Eleitoral.
Créditos da foto: Wilson Dias / Agência Brasil e perfis
pessoais dos candidatos