Segunda, 3 de
novembro de 2014
Andreia
Verdélio - Repórter da Agência Brasil
Dados inéditos da fundação internacional Walk Free
revelam que cerca de 35,8 milhões de pessoas são mantidas em situação de
escravidão no mundo. O relatório de 2014 da organização ainda será lançado no
dia 18 de novembro e a versão em português será apresentada em 1º de dezembro,
no Rio de Janeiro, durante a entrega do Prêmio João Canuto, de direitos
humanos.
Em entrevista à Agência Brasil, a representante da
Walk Free no país, Diana Maggiore, conta que o número de pessoas escravizadas
hoje cresceu 20%, em relação aos 29,8 milhões de pessoas apontadas no The GlobalSlavery Index 2013, o primeiro relatório da organização.
Trabalho escravo no Brasil Portal/MTe/Divulgação
Segundo a Walk Free, no Brasil há cerca de 220 mil pessoas
trabalhando como escravos. Maggiore explicou que, em 2013, pela primeira vez, o
número de pessoas resgatadas de situações de escravidão no setor urbano foi
maior que no setor rural no país. “Por causa dos eventos esportivos, tivemos
muitos registros na construção civil e a tendência deve continuar até as
Olimpíadas. O Brasil está crescendo, daqui a alguns anos pode ser diferente”,
disse.
Entre as formas de escravidão estão o tráfico de pessoas, o
trabalho infantil, a exploração sexual, o recrutamento de pessoas para
conflitos armados e o trabalho forçado em condições degradantes, com extensas
jornadas, sob coerção, violência, ameaça ou dívida fraudulenta. Os últimos
dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 2012,
apontam que quase 21 milhões de crianças e adultos estão presos em
regimes de escravidão em todo o mundo.
O maior número de trabalhadores forçados, segundo a OIT,
está na Ásia e região do Pacífico, com 11,7 milhões de pessoas nessas
condições. No último dia 23 de outubro, Sandra Miranda, de Brasília, recebeu
uma encomenda do site chinês AliExpress
com um pedido de socorro: “I slave. Help me [Sou escravo, ajude-me]”. A
filha da advogada colocou a foto da mensagem nas redes sociais e já teve mais
de 15 mil compartilhamentos. “Fiquei perplexa, pensei até que fosse
brincadeira, mas o pacote estava muito bem fechado, então veio mesmo de quem
embalou”, disse.
“A alegação feita contra um dos vendedores da plataforma
AliExpress está sendo investigada”, respondeu a empresa do Grupo Alibaba à Agência Brasil. Segundo
Sandra Miranda, um representante da empresa entrou em contato e explicou que o
site apenas revende os produtos que já chegam embalados de diversas fábricas e
que precisaria rastrear de qual vendedor veio o seu produto.
A Embaixada da China no Brasil respondeu dizendo que o país
asiático tem leis que proíbem rigorosamente o trabalho escravo e um órgão que
atua para sua erradicação, similar ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) no
Brasil. Sobre o pedido de socorro no pacote de Sandra Miranda, não há solução,
segundo a embaixada, já que no bilhete não havia nome, nem nada que pudesse
levar à identificação da vítima.
A mensagem, entretanto, chamou atenção para a situação dos
trabalhadores daquele país. Segundo o coordenador Nacional do Programa de
Combate ao Trabalho Forçado da OIT no Brasil, Luiz Machado, já houve outras
mensagens semelhantes, não só no Brasil, e mostra um problema grave que deve
ser endereçado às autoridades chinesas.
Machado explica que, independente da China não ter
ratificado as convenções sobre trabalho escravo da organização, a OIT lançou em
1998 a Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho,
que prega a erradicação do trabalho escravo e infantil, a não discriminação no
trabalho e a liberdade sindical. “A China fez avanços e vem trabalhando melhor
a regulação da relação de trabalho, coisa que nem existia por lá. A OIT tem
escritório no país e projetos de cooperação técnica na área, ela
[China] vem se abrindo a aceitar essa cooperação, aceitar observar os direitos
humanos”, explicou.
Segundo Machado, o perfil de trabalhadores escravizados na
Ásia não é muito diferente de outros lugares do mundo. São pessoas pobres, a
maioria mulheres e crianças, por serem mais vulneráveis, que geralmente migram
do seu local de origem, dentro do próprio país ou não, por conta própria ou
forçados, e sem educação formal aceitam qualquer proposta de trabalho; podem
ser enganadas ou ter a liberdade cerceada e acabam aceitando a exploração por
ser a única forma de ganhar um pouco de dinheiro ou comida.
O coordenador da OIT explica que qualquer governo que tenha
relações comerciais com outro país e que perceba que, no processo de fabricação
de seus produtos, há a utilização de trabalho escravo, pode impor condições
para sua comercialização, assim como faz o setor privado.
“Temos o caso clássico de Myanmar, que sofreu condenação na
OIT e sanções econômicas por causa da exploração de trabalho forçado. Existem
casos mais específicos de empresas privadas, como o embargo da indústria
automotiva ao aço brasileiro. Em determinado momento, descobriu-se que o carvão
utilizado em siderúrgicas vinha de trabalho escravo e infantil e do
desmatamento ilegal. As pessoas começaram a dar mais atenção a toda a cadeia de
valor”, contou Machado. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, o Brasil
não mantém acordos bilaterais de combate ao trabalho escravo nem impõe sanções
unilaterais a outros países por questões sociais. “O Brasil defende que
eventuais sanções sejam determinadas por órgãos multilaterais como o Conselho
de Segurança das Nações Unidas. Na área de combate internacional ao trabalho
escravo, o país participou neste ano, em Genebra, da elaboração do novo protocolo da Convenção da OIT
sobre trabalho escravo. O governo brasileiro deverá ser um dos primeiros países
a ratificá-lo”, disse o Itamaraty, em nota.
Segundo Machado, o Brasil é um dos pouquíssimos países que
tem estrutura específica de combate ao trabalho escravo, que são os grupos de
fiscalização móvel do MTE, em parceria com a Polícia Federal. De 1995 até 2013,
quase 47 mil vítimas foram resgatadas da situação
de escravidão no Brasil, entre brasileiros e estrangeiros. Historicamente, os
setores agropecuário e sucroalcooleiro são os que mais aparecem na lista suja
do trabalho escravo, mas a construção civil e a moda vêm ganhando destaque.
Para o coordenador da OIT no Brasil, o país deve se preparar
para enfrentar a questão da imigração, já que cada vez mais latino-americanos,
africanos e asiáticos estão vindo em busca de trabalho. “Não há um processo
ainda desburocratizado para apoiar o trabalhador migrante. O Estatuto do Estrangeiro, de 1980, tem que ser
revisado e adequado ao novo cenário global de fronteiras”, argumentou Machado.