Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 12 de setembro de 2015

Lula assume abertamente as teses do neoliberalismo

Brasília, 12 de setembro de 2015
Da Tribuna da Imprensa
Por J.CARLOS DE ASSIS - Via APN, Agência Petroleira de Notícias
Recente entrevista de Lula ao jornal argentino “Pagina 12” mostra o grande fosso entre delírios econômicos e a realidade brasileira contemporânea. Qualquer um que tenha lido meus livros e milhares de artigos sabe da grande admiração que tenho pela figura carismática do antigo líder operário, desde quando o entrevistei pela primeira vez em São Bernardo do Campo depois do fim da primeira onda de greves no ABC paulista em 1978. Entretanto, é difícil engolir nos dias atuais os conceitos econômicos que o ex-Presidente deduziu de sua experiência prática em quase quatro décadas de “aprendizado”.

Não é que Lula não tenha aprendido nada de economia. É, sim, que ele aprendeu a economia errada. A entrevista citada não passa de noções retiradas do receituário neoliberal mediante a absorção de propaganda ideológica travestida de sabedoria e que surgem reforçadas quando também apresentadas como metáforas extraídas do contexto familiar, de forma simplória e sem qualquer espírito crítico. Na verdade, tendo em vista a origem operária do ex-Presidente, não é de surpreender que ele não seja um sábio em economia. O que surpreende é a audácia com que se apresenta como tal em função de sua “prática”.

Cito três pontos cruciais da entrevista. Primeiro, que o governo não deve gastar mais do que arrecada. Segundo, que é necessário fazer ajuste fiscal rigoroso como condição para que as empresas voltem a investir. E terceiro, que a chave do crescimento é a confiança do empresariado num governo sem déficit. Como se vê, esses pressupostos dizem respeito exclusivamente à política fiscal. Contudo, recorrendo a sua experiência na Presidência, Lula mencionou também a necessidade de ampliar o gasto privado a crédito até um nível suportado pela capacidade de pagamento. Vejamos, ponto por ponto.

A grande descoberta keynesiana consistiu em propor que, nas crises de depressão ou recessão, os governos devem gastar mais do que arrecadam. A razão é simples. Numa crise a demanda efetiva privada cai a níveis muito baixos. Com isso, caem também os investimentos privados, pois ninguém vai produzir para as prateleiras. Óbvio que, sem demanda privada ou pública, os investimentos privados não voltam. Para que voltem é necessário que um setor da sociedade que não depende da demanda monetária retome os investimentos. O único setor que pode fazer isso é o governo, sobretudo para produzir bens e serviços sociais e de infraestrutura, gerando emprego, renda e crescimento.

A objeção que se costuma fazer à proposta keynesiana é que o aumento da dívida, tendo em vista sua monetização, provoca inflação. É um equívoco. Com a economia em recessão ou depressão, o aumento do gasto público financiado por dívida amplia a circulação e não tem qualquer razão para gerar inflação. Duvidam? Veja a economia norte-americana nos últimos anos: seu déficit, a partir de 2009, foi de 1,4 trilhão de dólares, 1,3 trilhão (2010), 1,3 trilhão (2011), 1,1 trilhão (2012), 680 bilhões (2013), 492 bilhões (2014). Com esses déficits gigantescos, a economia americana teve a melhor performance entre os países ricos e a menor inflação (na verdade, risco de deflação).