Sexta, 24 de novembro de 2017
Do MPF
Mistura com óleos de baixa qualidade e uso de produtos impróprios para a alimentação humana estão entre as irregularidades
Imagem ilustrativa: Pixabay
O Ministério Público Federal em São Paulo
(MPF/SP) recorreu à Justiça para que a União e a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) adotem medidas mais efetivas para combater
fraudes nos azeites de oliva consumidos pelos brasileiros. Operações
realizadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(Mapa) em 2014 e 2017 constataram irregularidades em mais de 80% dos
produtos, principalmente naqueles envasados no país. As fraudes incluem
desde a não observância dos padrões de qualidade de cada tipo de azeite
até o uso de óleos impróprios para o consumo humano, que podem conter
substâncias nocivas à saúde e até mesmo cancerígenas.
O Brasil é o segundo maior importador de azeite de
oliva do mundo, atrás apenas dos EUA. Com exceção de algumas poucas
tentativas de produção nacional, especialmente nas regiões Sul e
Sudeste, quase todo o azeite consumido no país vem de fora. O óleo é
importado já envasado ou a granel – em grandes galões, para posterior
utilização por empresas nacionais. Ainda que, nas ações de fiscalização,
tanto marcas brasileiras como estrangeiras tenham apresentado
irregularidades, a maioria das adulterações acontece durante o
envasamento do produto importado a granel.
Fraudes - Em muitos casos, apesar de
o rótulo indicar azeite de oliva virgem ou extravirgem, o conteúdo é
composto por uma mistura de óleos ou nem isso: há exemplos em que se
trata apenas de óleo de soja. Em situações mais graves, foi constatado
que os produtos envasados continham azeite lampante, um óleo de baixa
qualidade e mais barato para importação, pois é extraído de azeitonas
deterioradas ou fermentadas. O azeite lampante é impróprio para o
consumo humano, não havendo garantias de que não possa fazer mal à saúde
do consumidor. Em operação realizada pelo Mapa neste ano, foram
identificadas empresas que vendiam como azeite de oliva produto que
continha 85% de óleo de soja e 15% de lampante. Na ocasião, foram
reprovadas 45 das 140 marcas analisadas.
Além disso, no processo de envase, pode estar sendo
utilizado óleo de bagaço de oliva bruto, que também não pode ser
destinado diretamente à alimentação humana, pois é extraído, em geral,
com o uso de solventes e pode conter substâncias cancerígenas. Tanto o
azeite lampante como o óleo de bagaço de oliva bruto só podem ser
consumidos após processos de refinamento. “Pensando estar comprando um
produto conhecido por seus benefícios à saúde, o consumidor brasileiro
acaba adquirindo, via de regra, um produto fraudado que pode, inclusive,
trazer-lhe prejuízos à saúde”, alerta a procuradora da República
Adriana da Silva Fernandes, autora da ação.
Com o intuito de dificultar a fiscalização, algumas
empresas infratoras acabam mudando com frequência de endereço, inclusive
se deslocando para outros estados. Outra estratégia utilizada por
companhias já flagradas com produtos irregulares é introduzir novas
marcas de azeite no mercado, confundindo o consumidor e os órgãos de
controle. “A ineficiência da administração pública em regulamentar e
fiscalizar a fabricação, importação e comercialização dos azeites de
oliva geraram um quadro de grande vulnerabilidade do consumidor
brasileiro em um mercado eivado de fraudes rotineiras”, analisa a
procuradora.
Pedidos - Para facilitar a
fiscalização, a ação civil pública ajuizada pelo MPF pede que o Mapa
edite uma norma técnica com regras para rastrear o azeite de oliva,
desde sua eventual importação até a finalização do processo produtivo. A
procuradora solicita ainda que seja criado um cadastro de pessoas e
empresas envolvidas na importação, fabricação e envasamento de óleos
vegetais, e que os dados cadastrados sejam compartilhados com a Anvisa e
com as Vigilâncias Sanitárias Estaduais e Municipais. Tal registro,
ainda que previsto na Lei 9.972/2000 e regulamentado pelo Decreto
6.268/2007, não foi até hoje elaborado, o que demonstra uma omissão do
poder público em executar, em prazo razoável, normas importantes para a
defesa dos direitos dos consumidores.
Com relação à Anvisa, o MPF pede que a Agência
implemente e execute diretrizes técnico-administrativas relativas à
importação de óleos vegetais. Atualmente, a autarquia tem se omitido de
suas obrigações legais, deixando a anuência para a entrada desses
produtos no país exclusivamente para o Mapa. A ação requer ainda que a
Anvisa edite norma técnica dispondo sobre boas práticas de produção,
refino e envasamento dos azeites de oliva e dos óleos de bagaço de
oliva, bem como regulamente os óleos mistos ou compostos, proibindo a
mistura dos produtos ou disciplinando sua produção com especificação dos
percentuais permitidos de cada item na combinação.
Testes - Durante as investigações, o
MPF também identificou a necessidade de implantação da análise
sensorial e das análises complementares do azeite, que ainda não
acontecem no Brasil. A avaliação sensorial é feita através de grupos de
pessoas treinadas para identificar as características do produto
relativas ao odor e sabor. Por meio dela, é possível identificar, por
exemplo, se uma amostra é de azeite extravirgem, virgem ou lampante.
Ambas as análises são ferramentas indispensáveis no controle de
qualidade dos produtos e no combate às fraudes, visto que alguns
defeitos não são plenamente identificados pelas avaliações
físico-químicas.
Apesar de previstos em normas do Mapa, tais estudos
ainda não foram implementados em nenhum dos Laboratórios Nacionais
Agropecuários (Lanagros) existentes no país. Assim, a procuradora requer
que as análises sejam adotadas pelo menos nos Lanagros de Goiás, Minas
Gerais e Rio Grande do Sul, que são responsáveis pela avaliação das
amostras de azeites de todo o país. A ação do MPF pede ainda que a
Anvisa implemente métodos de análises semelhantes nos Laboratórios de
Vigilância Sanitária (Lacens), ou, pelo menos, no Lacen/SP – Instituto
Adolfo Lutz, atualmente o maior especialista em azeites na Rede Nacional
de Laboratórios de Vigilância Sanitária.
“A generalização e a complexidade das fraudes,
envolvendo questões territoriais tanto na fabricação e envase como na
distribuição e também na importação dos óleos em questão, tornam muito
difícil demandar, judicialmente, cada empresa individualmente. Tais
fatos corroboram com a decisão do MPF em demandar, judicialmente, no
momento, apenas os órgãos públicos com poder de regulamentar, controlar e
fiscalizar esses produtos, visando garantir o princípio da eficiência a
nível nacional, não havendo obstáculo para que as diversas empresas
envolvidas nas fraudes sejam, eventualmente, demandadas nos foros
competentes pelos órgãos do Ministério Público em todo o país”, explica
Adriana Fernandes.