Terça, 7 de novembro de 2017
Jonas Valente - Repórter da Agência Brasil
A cada 23 minutos, um jovem negro é morto no
Brasil. A cada dia, são 66 vidas perdidas, totalizando 4.290 óbitos por
ano. Segundo o Mapa da Violência, um rapaz negro tem até 12 vezes mais
chance de ser assassinado em relação a um branco. Em comum nesses
homicídios, está a presença do racismo, segundo a Organização das Nações
Unidas (ONU). Essa é a premissa da campanha Vidas Negras, lançada pela
entidade hoje (7) em Brasília.
O objetivo da iniciativa é chamar a
atenção de governos, parlamentos, tribunais, organizações e da
sociedade para o problema da violência contra essa parcela que já
representa 54% dos brasileiros. De acordo com dados da ONU, enquanto
nesse grupo a taxa de homicídios cresceu 18% de 2005 a 2015, com relação
aos demais brasileiros, ela caiu 12%.
O material da campanha,
incluindo os vídeos e pelas em redes sociais, está disponível no site da
ONU e pode ser utilizado e compartilhado por qualquer pessoa: nacoesunidas.org/vidasnegras.
O
aumento da desigualdade também tem recorte de gênero. Segundo o Atlas
da Violência 2017, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), os assassinatos de mulheres negras aumentaram 22% no
mesmo período, enquanto, entre mulheres não negras, o índice foi
reduzido em 11%.
“O último genocídio formalmente reconhecido na
Europa foi na Bósnia, e matou 1.500 pessoas em 1995. Quando falamos de
jovens negros mortos, estamos falando do triplo disso por ano”,
ressaltou o advogado Daniel Teixeira, do Centro de Estudos das Relações
de Trabalho e Desigualdades, durante o lançamento da campanha.
Artistas
foram convidados para estrelar vídeos sobre o assunto, que serão
divulgados em emissoras e na Internet. “O racismo mata filhos, irmãos,
vizinhos. Por trás de cada história há vidas negras interrompidas e que
não são capas de jornal. Você não pode ficar indiferente”, enfatiza a
atriz e escritora Elisa Lucinda em uma das peças.
Mais do que uma
fatalidade ou coincidência, a campanha aponta o traço comum do racismo
nesses números e da indignação seletiva construída historicamente na
sociedade brasileira. Segundo pesquisa da Secretaria de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial do Governo Federal, 56% das pessoas
entrevistadas afirmaram que a morte de negros choca menos do que a de
brancos.
Políticas públicas
Para além de colocar o
tema na opinião pública, a campanha pretende pautar, na agenda do Poder
Público, a necessidade de combater o problema reconhecendo a necessidade
de atacar a discriminação racial no país.
“O Brasil já é
signatário de compromissos internacionais de eliminação do racismo, da
xenofobia e da desigualdade racial. A gente espera que, a partir da
campanha, haja uma maior sensibilização das autoridades e que as ações
sejam potencializadas”, ressaltou Ana Cláudia Pereira, oficial de
programas do Fundo de População da ONU (UNFPA) e uma das coordenadoras
da campanha.
Para Jacira da Silva, do Movimento Negro Unificado,
entre os desafios no campo das políticas públicas, estão a implementação
do Estatuto da Igualdade Racial e a garantia de recursos para programas
governamentais com foco no enfrentamento do problema. Esse conjunto de
ações, acrescentou, passa por medidas voltadas a mitigar a violência
contra negros, mas vai além, alcançando também a afirmação dos direitos
dessas pessoas. “Precisamos exigir políticas públicas para o país. Essa
juventude é violentada também quando não tem acesso ao mercado de
trabalho, não tem lugar na escola e não é representada na mídia”,
defendeu a ativista.
O secretário de Juventude do governo
federal, Assis Filho, relatou que o governo vem atuando na área e deu
como exemplo o Plano Juventude Viva. Segundo Filho, há R$ 12 milhões
disponíveis aos municípios para projetos de redução da violência contra
esse segmento. “O objetivo do Plano Juventude Viva é reunir todas as
ações que existem no governo federal para combater esses altos índices
de violência e que os municípios, para serem contemplados, possam de
fato implementar ações concretas contra o genocídio dos negros no
Brasil”, disse. Perguntado sobre que tipo de ações podem ser
financiadas, o secretário não detalhou.
Para Luana Ferreira,
assessora da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(Seppir) do Ministério dos Direitos Humanos, nos últimos anos houve
avanços importantes na área, como a reserva de vagas para negros em
concursos públicos e universidades e a política de saúde voltada para
esta população. Mas ainda é preciso avançar para enfrentar efetivamente o
problema. “O desafio cotidiano da Seppir é dizer que vidas negras
importam, que o racismo é estruturante nas relações, que o racismo
institucional está presente em todos os espaços de poder e que é causa
histórica da situação de letalidade a que esses jovens estão
submetidos”, destacou na cerimônia.
Autos de resistência
Na
avaliação da pesquisadora da Universidade de Brasília Kelly Quirino, a
redução da violência contra jovens negros passa pela mudança da política
de combate às drogas, pelo desarmamento da polícia e por medidas que
coíbam o abuso das forças de segurança, como o fim dos chamados autos de
resistência, um recurso que pode ser usado por agentes para justificar o
assassinato de uma pessoa como um ato de legítima defesa e de força
necessária frente a suposto enfrentamento a uma determinada ação.
“Você
tem as duas problemáticas: a polícia se utilizando de um ato
administrativo para justificar as mortes e o próprio Judiciário, que não
investiga homicídios comuns e não apura crimes cometidos pelo policial
porque os autos de resistência são arquivados mesmo dentro da polícia”,
argumenta a pesquisadora.
O tema motivou um projeto de lei (PL
4.471/2012), de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que
dificulta o uso desse recurso e deixa mais rígida a investigação de
casos de mortes envolvendo policiais. A proposta é uma das matérias
incluídas na pauta do plenário da Câmara nesta semana no chamado pacote
da segurança pública.