Quinta, 20 de outubro de 2016
Léo Rodrigues - Correspondente da Agência Brasil
O
Ministério Público Federal (MPF) anunciou nesta quinta-feira (20) que
denunciou 21 pessoas por homicídio doloso no rompimento da barragem de
contenção da mineradora Samarco no distrito de Bento Rodrigues, em
Mariana (MG), que ocorreu em novembro do ano passado. Ao todo, são 22
acusados por variados crimes.
Quatro empresas também foram
denunciadas: a mineradora Samarco, responsável pela barragem; suas
acionistas Vale e BHP Billiton; e a VogBR, empresa que assinou laudo
atestando a estabilidade da estrutura. Os procuradores disseram que a
Samarco tinha consciência dos riscos de um rompimento, mas a ganância na
busca por lucro levou à tragédia.
A ação penal do MPF foi
protocolada ontem (19). O documento de 272 páginas faz um histórico dos
problemas ocorridos na barragem, que foram apresentados à imprensa pelos
procuradores José Adércio Sampaio, Eduardo Henrique Aguiar, Eduardo de
Oliveira e Jorge Munhós.
Entre os denunciados estão funcionários
da Samarco: Ricardo Vescovi, presidente afastado; Kleber Luiz Terra,
diretor afastado de Operações e Infraestrutura; e três gerentes. Onze
integrantes do Conselho de Administração, que incluem representantes da
Vale e da BHP Billiton, também são acusados. Se a denúncia for aceita,
todos responderão por inundação, desmoronamento, lesões corporais graves
e homicídio doloso, que ocorre quando se tem a intenção ou assume o
risco de matar. A condenação por todas as acusações podem gerar penas de
até 54 anos de prisão.
Entre
os representantes da Vale e da BHP Billiton denunciados estão cinco
estrangeiros. Dois norte-americanos, um asutraliano, um sul-africano e
um francês eram representantes da australiana BHP Billiton no Conselho
de Administração da Samarco. Além deles, um britânico representava a
Vale. Não há, por enquanto, nenhum pedido de extradição. Também não há
até o momento nenhum pedido de prisão preventiva.
Samarco, Vale e
BHP Billiton foram denunciadas por 12 crimes ambientais previstos,
entre eles poluição, inundação, desmoronamento, crimes contra a fauna e a
flora, crimes contra ordenamento urbano e contra o patrimônio cultural.
As penas para as empresas incluem multas, interdição temporárias,
proibição de contratar o poder público e prestação de serviços
comunitários, tais como custear programas de órgãos e entidades
ambientais e executar de obras de áreas degradadas. Já o engenheiro
Samuel Loures e a empresa VogBR foram denunciados por emitirem laudo
enganoso sobre a estabilidade da barragem.
Ganância
Segundo
os procuradores, a Samarco tinha consciência dos riscos de um
rompimento mas a ganância na busca por lucro levou à tragédia. Com o
rompimento, um grande volume de lama de rejeitos se espalhou deixando 19
mortos, causando poluição à bacia do Rio Doce e devastando vegetação
nativa. O episódio é considerado a maior tragédia ambiental do Brasil.
"Além
de 19 pessoas assassinadas, outras quatro sofreram comprovadamente
lesões corporais graves. Outras diversas vítimas que não tiveram suas
lesões comprovadas. Os homicídios foram cometidos por motivo torpe e por
isso foram considerados qualificados, o que pode resultar numa pena
maior, já que ficou comprovado que a causa foi a ganância da Samarco e
suas acionistas", disse o procurador Eduardo de Oliveira.
O MPF
pede ainda reparação dos danos causados às vítimas. Segundo os
promotores, a definição dos valores deve ser arbitrada pela Justiça
durante a instrução processual.
Provas
Segundo
o MPF, a investigação encontrou documentos que atestam que a Samarco
tinha conhecimento dos riscos na barragem de Fundão. Apresentações de
slides do Conselho de Administração da empresa, que tinha representantes
também de suas acionistas Vale e BHP Billiton, comprova que houve
negligência e omissão diante de recomendações para preenchimento de um
recuo na ombreira esquerda da barragem. O conselho também teria tomado
deliberações que colaboraram para a tragédia.
Documentos internos
da mineradora de 2015 obtidos pelo MPF traziam um prognóstico em caso
de rompimento da barragem, apontando para a possibilidade de
aproximadamente 20 mortes e paralisação das atividades da empresa por
até dois anos. Mesmo consciente dos riscos, a Samarco teria priorizado
os resultados econômicos em detrimento das práticas de segurança.
"A
Samarco tinha uma gerência que atuava na gestão de riscos. Em vez de
paralisar as operações da barragem, a empresa continuou mantendo sua
operação de forma irresponsável", disse Munhós.
Problema diagnosticado
O
procurador José Adércio Sampaio disse que a própria Samarco em quatro
ocasiões chegou a suspender as operações da barragem de Fundão. "Em
abril de 2009 já havia sido diagnosticado um sério problema de erosão e
houve a necessidade de suspensão do uso do depósito de rejeitos. O
sistema interno da empresa mostra que até 2010 foram feitas intervenções
para corrigir falhas no dreno da barragem", disse.
Segundo o
procurador, parte dos documentos levantados na investigação foram
obtidos nas operações de busca e apreensão. "A partir de julho desse
ano, quando a Samarco passou por uma reformulação interna, tivemos mais
colaboração por parte da empresa e nossas solicitações foram atendidas".
A ação também se baseou nas investigações da Polícia Civil que contou
com interceptações telefônicas.
De acordo com a ação, ao saber da
tragédia, a Samarco também não deu importância às comunidades situadas
ao longo do Rio Doce. A negligência com seus próprios funcionários é
outro elemento apontado: teria faltado treinamento para situações
críticas.
Outro lado
Em nota, a Samarco
refutou as denúncias e disse que o MPF desconsiderou as defesas e
depoimentos apresentados ao longo das investigações, que comprovariam
que a empresa não tinha qualquer conhecimento prévio de riscos à sua
estrutura. A mineradora alega que sempre deu prioridade em segurança e
que nunca reduziu investimentos nesta área.
"A barragem de Fundão
era regularmente fiscalizada, não só pelas autoridades como também por
consultores internacionais independentes. Toda e qualquer medida
sugerida e implantada, no que diz respeito à gestão da estrutura, seguia
as melhores práticas de engenharia e segurança. A estabilidade da
barragem de Fundão foi atestada pela consultoria VogBR", diz o texto.