Sábado, 12 de
outubro de 2013
Por Ivan de Carvalho

O governo precisa aprovar o Orçamento
da União e também aumentar o limite da dívida da União. O impasse sobre o
Obamacare – apelido popular de Patient Protection and Affordable Care Act ou,
numa nomenclatura simplificada, Affordable Care Act (ACA) – levou o Partido
Republicano, pressionado por seu setor mais radicalmente liberal, o Tea Party,
a vetar o Obamacare em sua formulação atual, sob pena de não aprovar o
Orçamento da União e a elevação do limite da dívida pública. Exigem cortes de
despesas no Orçamento, centradas sobretudo no Obamacare.
Sem
orçamento o governo fica semiparalisado e sem a elevação do limite da dívida os
Estados Unidos, logo terão de dar calote nos credores, desencadeando uma
perigosa crise financeira mundial. Essa situação está levando a maioria dos
políticos, analistas e a mídia a crucificarem os republicanos em geral e sua
bancada na Câmara dos Representantes em especial, enquanto apedrejam o Tea
Party. Sugere-se que estão cegos, que não compreendem a situação.
Os
republicanos alegam que o Obamacare amplia de forma temerária o poder estatal,
com a redução da liberdade e da autonomia individual. Para o segmento
republicano Tea Party, os indivíduos são responsáveis por eles mesmos e têm
direito ao que conseguem com o que produzem e não a esmolas do governo – o
Obamacare, em um país em que não existe qualquer coisa do tipo SUS, é um
programa de planos de saúde fortemente subsidiado pela União. A oposição
republicana tem se voltado para o seguinte ponto: se a União está precisando
aumentar o limite de sua dívida, então está precisando gastar menos e portanto
tem que cortar gastos – e para isto o Obamacare seria o alvo ideal.
Isto
parece ou é mesmo cruel, pois deixaria muitas dezenas de milhões de pessoas nos
Estados Unidos sem qualquer cobertura de saúde e sequer com algo como o caótico
e sucateado SUS, esse mata-mata que existe no Brasil com o apelido oficial de
Sistema Único de Saúde.
Mas
o Obamacare tem dois aspectos sinistros. Certamente muitos republicanos (além
de outras pessoas e instituições) estão atentos a um deles. É o caráter
impositivo, quase inacreditável, do Obamacare. A pessoa é obrigada,
literalmente, a ter um plano de saúde. Caso não o contrate, será punida com
multa. Dependendo da renda anual da pessoa, o Estado subsidiará o pagamento até
o percentual máximo de 90 por cento.
Trata-se
de uma generosidade (embora não com o dinheiro dos parlamentares e gestores,
mas dos contribuintes), mas o que repugna aos republicanos (e, não vou negar,
também a mim) é o caráter obrigatório que se introduz numa esfera totalmente
privada, sujeitando as pessoas que resistam a punição.
O
caráter impositivo, diria mesmo – sem medo de errar ou exagerar – autoritário
ou ditatorial, do governo de Barack Obama é de criar a obrigação, para as
pessoas, que serão obrigadas a filiar-se ao sistema Obamacare, de se submeterem
à colocação de um chip subcutâneo com sua identificação, histórico e outros
dados médicos. A previsão era de que isto valeria a partir deste ano, mas houve
um adiamento para 2014. A alegação é de que o chip facilitaria as coisas no
caso de atendimentos médicos, sobretudo em casos de emergência. Os médicos já
teriam tudo no chip subcutâneo, poderiam dispensar todas ou quase todas as
perguntas e grande parte das investigações através de exames. É verdade. Mas
praticamente nenhuma diferença faria, para essa facilitação, se o chip, ao
invés de subcutâneo, estivesse em um cartão (tipo cartão bancário) que a pessoa
levasse na carteira.
Mas
ninguém seria capaz de garantir que o chip (ou algum outro como ele, já que
estabelecido o precedente, sucedâneos podem ser aceitos como rotina), logo ou
mais adiante, não poderia viabilizar o rastreamento da pessoa, transmitir
sinais vitais (dando conta se está viva ou morta), ser desligado remotamente e
com isto produzir sabe-se lá que consequências.
Há coisas no Obamacare muito mais
preocupantes que os recursos financeiros que preocupam os republicanos.
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Este artigo foi
publicado originariamente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é
jornalista baiano.