Segunda, 6 de novembro de 2017
Nos 100 anos da Revolução Russa
Do Portal ContextoExato
Por Salin Siddartha
Já decorridos 100 anos da Revolução Russa de 1917, assomando muitas
ferramentas conceituais ao marxismo-leninismo, além de aprofundar os
princípios socialistas precursores do ideário de seu tempo, a memória de
Leon Trotsky continua viva.
Teoria da revolução permanente - A “Teoria da Revolução Permanente”,
embora tenha sido esboçada por Karl Marx e Friederich Engels em 1848 e
recuperada em 1902 por Aleksandr Parvus, foi enriquecida por Trotsky,
que a utilizou para explicar como as revoluções socialistas podem
ocorrer em sociedades que não tenham atingido um estágio avançado de
acumulação capitalista. Ele empregou o termo para indicar que a
revolução não se detém na etapa de substituição do sistema feudal pelo
poder burguês, ela continua com a tomada do governo pelo proletariado e
se radicaliza com a revolução mundial, superando as finalidades
nacionais ao erigir uma sociedade, finalmente, sem classes.
O pensamento trotskista da “Revolução Permanente” estabelece que, ao
invés do que supunha Marx, é possível saltar etapas no processo
revolucionário, mesmo sem que o desenvolvimento das forças produtivas
esteja totalmente concluído em um país capitalista, visto que o
proletariado industrial, mesmo em minoria na população, pode ter força
suficiente para romper a ordem social. Contudo, Trotsky demarca a
condicionante de que, sem o sucesso da revolução socialista em escala
mundial, o Estado operário não sobrevive isoladamente, contrapondo-se,
assim, à teoria estalinista, que acreditava ser viável a existência do
socialismo em um só país.
Lei do desenvolvimento desigual e combinado - Na base da teoria
trotskista da “Revolução Permanente” está a formulação da “Lei do
Desenvolvimento Desigual e Combinado”, que confirma aquela teoria com a
enunciação do fato de que os países atrasados entram na era do
capitalismo sem passar por todas as fases de seu desenvolvimento
anterior. Tal lei compreende a ocorrência simultânea de aspectos
avançados e atrasados no progresso econômico das nações.
A “Lei do Desenvolvimento Desigual e Combinado” foi a descoberta mais
relevante do marxismo no início do século XX. Ao formulá-la, Trotsky
considera a economia internacional como fruto da divisão mundial do
trabalho e do mercado global a submeter a totalidade dos mercados
nacionais, e que, ao integrarem-se tardiamente ao mercado mundial, os
países atrasados não alcançaram os mesmos níveis e ritmos do
desenvolvimento dos países avançados. Para compreender essa
configuração, Trotsky parte do princípio de que o imperialismo e o
capital financeiro são os principais vetores do capitalismo nas nações
subdesenvolvidas.
Ele estabeleceu que o desenvolvimento igual é a lei mais geral do
processo histórico, da qual deriva a lei do desenvolvimento combinado,
referindo-se à aproximação das distintas etapas do desenvolvimento e à
combinação de distintas fases com a mistura de formas arcaicas e
modernas.
Assim, Trotsky expressa que as particularidades econômico-sociais de
cada país não podem ser explicadas fora do próprio andamento da economia
mundial e da divisão internacional do trabalho. É que, unindo todas as
nações entre si pelo seu modo de produção e suas relações comerciais, o
capitalismo fez do mundo inteiro um só organismo econômico e político.
Segundo ele, o desenvolvimento é combinado porque liga períodos
históricos diferentes, e desigual, porque, não repetindo as fases
antecedentes, as agrega em razão do grau de crescimento diferenciado
atingido pelas forças produtivas nos diversos países.
A desigualdade do progresso das nações é mais complexa nos países
subdesenvolvidos, por causa da mistura de tempos históricos distintos,
combinando as relações atrasadas entre capital e trabalho conjugadas
numa mesma formação econômica de setores provenientes das modernas
formas de produção com setores que caracterizam relações arcaicas no
processo produtivo. Essa é, em síntese, a “Lei do Desenvolvimento
Desigual e Combinado”, descoberta por Trotsky.
A política de frente única - Expulso da União Soviética em 1929,
Trotsky constrói a oposição de esquerda internacional e defende a
unidade socialista, buscando agrupar em frente única não só os
militantes internacionais marxistas, mas também os que marchem com eles
lado a lado e denotem que possam vir a ser possíveis companheiros
ideológicos. Na defesa da unidade socialista, manifesta o erro que seria
rechaçar um parceiro ou todo um grupo por causa de divergências de
opinião. Então, buscou construir uma política de frente única, desde a
base militante até a cúpula dirigente, englobando os sindicatos
operários, em prol de reivindicações precisas e limitadas a um programa
mínimo de luta, capaz de, posteriormente, efetuar a transição
revolucionária. Pregava a unidade dos socialistas contra as direções
socialdemocratas (alcunhadas por ele de “socialfascistas”).
Escreveu sobre a necessidade de uma política de frente única dos
trabalhadores contra o fascismo em face da perigosa escalada de Hitler e
Mussolini na conjuntura europeia do final da década de 20 e início dos
anos 30. Previa que o advento do fascismo na Alemanha levaria ao
extermínio da elite do proletariado e à extinção das organizações dos
trabalhadores. Naquela época, a interpretação de Trotsky sobre a
ascensão ao poder dos nazistas traduziu-se na elaboração teórica mais
lúcida, sofisticada e séria já produzida sobre o nacional-socialismo,
constituindo a primeira análise marxista real de um estado capitalista
do século XX.
Leon Trotsky opunha-se à construção de governos com base
democrático-popular, ou seja, que se constituíssem em aliança do
proletariado com a burguesia, haja vista não estabelecer uma ponte entre
a conquista das reivindicações e a questão do poder; ao contrário, ao
negar a consignação do poder para os trabalhadores, em detrimento da
defesa de um governo que execute um programa democrático e popular, essa
aliança traz a crença de que esse governo não precisaria ser dirigido e
controlado pela classe trabalhadora, para que tais reivindicações
fossem atendidas.
A diferença existente entre Estado socialista, Estado operário e Estado
operário degenerado - Trotsky compreendia a URSS como um Estado
operário, e não como um Estado socialista, já que o Estado socialista só
poderá existir quando o capitalismo estiver morto em todas as nações do
mundo. Ele conceituava um Estado operário aquele no qual a propriedade
privada e dos meios de produção tivesse sido abolida por uma revolução
social e se baseasse na propriedade estatal, ou seja, o Estado operário é
o suporte econômico e social do socialismo que virá a ser construído.
A partir do início da década de 30, Trotsky passou a definir a URSS
como um Estado operário degenerado, devido ao fato de que, apesar de os
fundamentos econômicos desse Estado subsistirem, a dominação dele por
uma burocracia parasita desnaturalizava-os, saqueava-os e ameaçava a sua
própria sobrevivência. No entanto, mesmo com todas essas deformações,
Trotsky defendia que os interesses do Estado operário estão acima das
reivindicações nacionais pleiteadas por qualquer Estado burguês, porque o
Estado operário que entra em contradição com as exigências do programa
socialista não deixou, por isso, de ser um Estado operário. Trotsky
compara-o a um fígado atacado pela malária, porém, mesmo que não
corresponda ao estado de um fígado normal, deve-se providenciar a sua
cura, em vez de deixa-lo apodrecer.
Para Trotsky, a burocracia freia as transformações econômicas e
sociais, logo propunha que houvesse uma revolução política na URSS, a
fim de restaurar o Estado operário no rumo do socialismo. Declarava que a
burocracia de um Estado operário não tem caráter burguês, pois não é
uma classe social, não ocupa um lugar no processo produtivo, é uma casta
que se constitui a partir do aparelho do partido e do Estado e passa a
dominar todas as engrenagens diretivas do Estado. A burocracia tem
origem no proletariado, entretanto, por seus privilégios, tem interesses
próprios e hostis à classe trabalhadora.
Ele defendia a deposição revolucionária da burocracia estalinista tanto
dentro quanto fora da URSS, tendo em vista ocorrer uma franca relação
entre a burguesia mundial e a burocracia soviética. Tal relacionamento
se colocava no próprio aparelho das organizações sindicais, no seio de
suas direções.
Aliás, Trotsky utiliza o termo “burocracia” inserindo-o de maneira
sistematizada em uma teoria do sindicalismo. Conforme o seu pensamento, a
burocracia sindical resulta da reação da burguesia para tentar destruir
os sindicatos por intermédio da cooptação de uma aristocracia mais bem
remunerada e com privilégios adquiridos por dirigirem os sindicatos.
Assim, a burocracia não dá aos revolucionários a possibilidade de
trabalhar livremente na organização da classe trabalhadora.
O entrismo - Para sair do isolamento a que o estalinismo, o fascismo e a
socialdemocracia impunham ao trotskismo, Trotsky adotou a tática do
entrismo, que consistia em os militantes entrarem camuflada ou
ostensivamente em outro partido ou organização política de massas no
intuito de conquistar simpatizantes e novos militantes, bem como o de
influenciar na direção partidária e organizativa. Com essa forma de
atuação, os trotskistas desenvolviam o setor revolucionário e, ao mesmo
tempo, superavam o perigo da marginalidade.
O entrismo era, de certa maneira, parte da política de frente única,
possibilitando que os pequenos grupos saídos da Oposição de Esquerda se
juntassem aos partidos socialistas nos quais emergiam correntes mais à
esquerda. Essa tática permitia-os estar em contato cotidiano com
milhares de trabalhadores. O grande valor do entrismo era o de
aproveitar-se das organizações já construídas e com funcionamento
regular, já que, na opinião do próprio Trotsky, quem nada contra a
corrente não pode estar ligado às massas.
A tática entrista foi aplicada em muitos lugares com resultados
positivos, especialmente na experiência praticada pela seção
estadunidense no interior do Socialist Workers Party – SWP.
O internacionalismo - Partindo do pressuposto de que os grandes
problemas da luta de classes não podem ser resolvidos dentro dos limites
das fronteiras nacionais, Trotsky elegeu o internacionalismo como a
principal bússola do seu pensamento político revolucionário. Alcançando
um patamar além da posição internacionalista de Marx e Engels, o
internacionalismo dele não se limitava à solidariedade internacional do
proletariado, era um internacionalismo de combate à economia e à
política imperialista, e, também, era a defesa de uma política
internacional contra o conservadorismo nacionalista.
Ele construiu a Oposição de Esquerda ao estalinismo em uma dimensão
mundial, ainda que, no início, tivesse defrontado com bastantes
dificuldades para agregar, no exílio, quadros revolucionários com
experiência suficiente para formar uma rede política que desse conta de
enfrentar a burocracia enraizada nos partidos comunistas. Em princípio,
não objetivava a construção de novos partidos comunistas nem uma nova
organização mundial que substituísse a III Internacional, já nas mãos de
Stalin e de Molotov.
Denominada, a partir de 1933, de Liga Comunista Internacional, a
Oposição de Esquerda foi o principal, se não único, contraponto à
prática estalinista de construção do “Socialismo em um Só País”. A
partir daí, o trotskismo declaradamente subscreve a necessidade de
criação de uma nova internacional socialista com base em um programa
antifascista e que viabilizasse a transição para uma sociedade sem
classes. A Liga Comunista Internacional foi o embrião para o
aparecimento de novos partidos revolucionários e da IV Internacional.
Encetando-se nas premissas de que as condições econômicas da revolução
proletária já haviam chegado ao ponto mais elevado que poderiam atingir
sob o capitalismo e que a crise histórica da humanidade se resume à
crise da direção revolucionária (pela própria ausência de partidos que
levem a cabo a tarefa da revolução), Trotsky escreve o “Programa de
Transição” como a pedra angular de sustentação da IV Internacional.
Assassinado no México a mando de Stalin em 1940, seu assassino declarou
à polícia que “o grito que ele deu eu jamais esquecerei”. Mal sabia
aquele facínora que mais gritante é a teoria política que Trotsky legou
ao acervo socialista. Seu pensamento permanece vivo a ecoar na história,
demarcado como a mais importante e vasta teoria revolucionária que o
marxismo-leninismo já produziu.
É verdade que, até hoje, Leon Trotsky não foi reabilitado em seu país
natal, mas, sem ele e Lênin, a Revolução Russa de 1917 dificilmente
teria acontecido.
Cruzeiro-DF, 5 de novembro de 2017
SALIN SIDARTHA