Quarta, 8 de novembro de 2017
Léo Rodrigues - Repórter da Agência Brasil
Ações e políticas de segurança pública adotadas no Brasil desde a
década de 1990 estão na contramão do que mostram as pesquisas e as
evidências. É o que aponta publicação divulgada hoje (7) pelo Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Para os pesquisadores do
instituto, o governo federal deveria liderar a política de segurança
pública com uma atuação baseada na indução, na capacitação e no
financiamento, assim como ocorre em países como Estados Unidos,
Inglaterra e Espanha. Somente a operacionalização direta de ações é que
deveria ser atribuição dos governos estaduais.
"No Brasil, muita
coisa acontece na base do achismo, de última hora. Então ocorre uma
chacina, daí se faz uma reunião e daqui a pouco coloca uma força
policial naquela localidade ou o Exército. E são ações que se
caracterizam apenas como espetáculos midiáticos. Porque não vão resolver
nada. Daqui a uma semana, volta tudo a ser do mesmo jeito", avalia o
pesquisador Daniel Cerqueira, técnico do Ipea.
Cerqueira é um dos
autores que colaboram com a 11ª edição do Boletim de Análise
Político-Institucional (Bapi), produzido periodicamente desde 2011 com o
objetivo de fomentar o debate sobre temas de relevância da vida
política brasileira. A atual edição é voltada para a discussão da
política nacional de segurança pública e reúne 11 artigos assinados por
pesquisadores do Ipea e colaboradores externos.
Uma das principais preocupações dos pesquisadores está ligada ao alto índice de homicídios no país. De acordo com dados do Atlas da Violência publicado pelo Ipea,
o Brasil registrou 59.080 assassinatos em 2015. A avaliação dos
especialistas é que o governo federal se isenta, deixa a
responsabilidade para os governos estaduais, mas atua em episódios
específicos.
Alberto Kopitkke, pesquisador e diretor do Instituto
Cidade Segura, destaca que os Estados Unidos criaram, ao longo das
últimas décadas, diversos órgãos federais com pessoal especializado,
entre eles agências nacionais voltadas para formular e induzir políticas
e ações sobre crimes sexuais, violência contra a mulher, delinquência
juvenil, etc. Ele cita ainda iniciativas na Inglaterra, como a
Inspetoria Nacional de Polícia, que faz inspeções anuais nas polícias de
cada região do país e criam relatórios que orientam a distribuição dos
recursos.
"E [os Estados Unidos] são um país muito mais
descentralizado que o Brasil em termos de segurança pública. Lá, as
polícias são municipais. Mas o governo federal não abre mão do seu papel
indutor. Enquanto isso, aqui nasceu a Lei Maria da Penha, que é um
grande avanço. Mas onde está a agência para estruturar a política que
vai garantir a aplicação da lei?", questiona. Segundo ele, com
planejamento, o gasto dos recursos públicos também seria racional,
evitando desperdícios com ações que não trazem resultado.
Ministério da Segurança
Para
induzir políticas na área, Alberto Kopitkke defende a criação de um
Ministério da Segurança Pública. "Não há uma solução simples, mas eu
pessoalmente acredito que é preciso criar. Não é o suficiente, mas é
necessário. Mas qual ministério? Tem que ser um órgão com estrutura
técnica, o que no Brasil sempre é difícil. Tem que ser voltada para a
gestão da segurança".
Ele lembra que o Brasil possui atualmente cinco órgãos ocupados majoritariamente por militares com status
de ministério: o Exército, a Marinha, a Aeronáutica, o Ministério da
Defesa e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI). "Não entendo qual o
medo de se ter esse ministério. Nós temos cinco ministérios militares.
Porque não podemos ter um ministério com estrutura civil para tratar de
um dos problemas mais sérios do Brasil?", questiona.
De acordo
com o estudo do Ipea, para enfrentar a violência, o Brasil ainda precisa
superar a visão militarista da segurança pública, que privilegia o
confronto e a força, e se pautar por uma formação mais voltada para a
segurança e as garantias do direito do cidadão. Neste sentido, a
Constituição de 1988 não foi capaz de apresentar uma nova proposta de
segurança pública, mantendo o formato e as atribuições dos órgãos. De lá
pra cá, iniciativas nesse sentido também não evoluíram dentro dos
governos. As polícias militares ainda são regulamentadas por um
decreto-lei de 1983 e mantém concepções da década de 1970.
Os
pesquisadores apontam também as limitações da Secretaria Nacional de
Segurança Pública (Senasp), criada em 1997, integrada ao Ministério da
Justiça. O órgão, que poderia ter um papel importante na indução de
políticas, terminou o ano de 2016 com menos de 60 servidores. “Tem
poucos recursos humanos, além de pertencer a um ministério altamente
complexo, que trata desde a questão indígena, passando pelo processo de
nomeação de ministros do STJ e chegando a questões de justiça, exilados
políticos e direito do consumidor”, diz Daniel Cerqueira.
Controle policial
Segundo
dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 17.688 pessoas foram
mortas por policiais no Brasil entre 2009 e 2015. Ao mesmo tempo,
acumulam-se casos de corrupção policial. Mudar todo esse quadro, na
visão dos pesquisadores, demandaria uma mudança na política de controle
das polícias.
A Constituição de 1988 manteve um dispositivo
vigente no regime militar segundo o qual o Ministério Público (MP) tem a
responsabilidade exclusiva pela fiscalização externa das atividades
policiais. Uma pesquisa divulgada no ano passado pelo Centro de Estudos
de Segurança e Cidadania (CESeC) mostrou que os próprios membros do MP
avaliam como pífia sua atuação neste sentido. Entre promotores de
Justiça e procuradores da República, 88% disseram não ver esta
atribuição como prioritária. Além disso, de 27 websites mantidos pelo MPs estaduais, 15 sequer mencionam essa linha de atuação.
De
acordo com os pesquisadores, diante da inoperância do MP, surgiram as
ouvidorias de policias estaduais, com poderes muito restritos. Elas
recebem denúncias, encaminham para a corregedoria, acompanham e
respondem. No entanto, não têm autonomia para investigar e dependem do
trabalho de apuração interna da própria polícia. "O controle das
polícias não pode ser apenas reativo. Não pode ser aquele controle que
só vai em cima após o recebimento de uma denúncia", diz Daniel
Cerqueira.
O estudo do Ipea aponta a necessidade de órgãos de
controle não sujeitos à manipulação política, que atuem não apenas na
punição, mas também na prevenção de desvios nas condutas. Os
pesquisadores defendem que exista um órgão federal específico para esta
função, que seja ainda dotada de uma ouvidoria nacional para receber
queixas relacionadas à conduta policial.