O negócio contou com o envolvimento político de Lula da Silva e de José Sócrates NUNO FERREIRA SANTOS
As autoridades policiais que investigam o negócio Oi-PT, celebrado em
2010, suspeitam que os movimentos financeiros que terão facilitado as
autorizações políticas necessárias ao acordo de telecomunicações
luso-brasileiro partiram das construtoras accionistas da operadora
paulista, após terem recebido parte do dinheiro devido pela operadora
portuguesa, no valor de 1200 milhões.
Os
últimos meses têm sido de grande azáfama para a Polícia Federal, que
procura desmontar a teia de corrupção e de lavagem de dinheiro urdida à
volta da cúpula política brasileira. Um escândalo conhecido por
"Lava-Jato" (que se centra à volta de Lula da Silva )
e que derivou para outras averiguações que se desenrolam em paralelo,
uma delas com um elo luso-português: o negócio entre a PT e a Oi.
As
investigações que hoje decorrem no Brasil e em Portugal, de modo
autónomo, mas com canais abertos, já deixam levantar a ponta do véu
sobre possíveis pagamentos de várias dezenas de milhões de euros ao
universo restrito do ex-Presidente da República Lula da Silva, bem como a
ex-governantes e gestores brasileiros e portugueses. Movimentos
financeiros que as autoridades suspeitam poderem ter saído de veículos
internacionais ligados aos accionistas da Oi, encabeçados pela
construtora Andrade Gutierrez, através de territórios como Angola (onde
opera também via Zagope) e Venezuela.
O presidente da Andrade Gutierrez é réu no processo Lava-Jato ,
sendo-lhe atribuídos os crimes de corrupção, de lavagem de dinheiro e
de organização criminosa. Otávio Azevedo é considerado a cabeça da
engrenagem que possibilitou o acordo entre a PT e a Oi em Julho de 2010.
Um negócio que necessitou de múltiplas autorizações políticas dos dois
lados do Atlântico e que começou a ser preparado no final de 2007 como
resposta à intenção firme da Telefónica de adquirir os 50% da brasileira
Vivo que estavam nas mãos da PT e que era o motor de crescimento da
empresa portuguesa.
À procura de pistas Este é
um dossier que está a ser seguido pelas polícias brasileiras e
portuguesas, que tentam apanhar o fio à meada. O PÚBLICO sabe que, a
partir da documentação e de emails apreendidos, de escutas telefónicas e
de depoimentos recebidos de viva voz, as autoridades têm procurado
reunir provas para determinar estilos de actuação que se repetem,
estratégias que não sejam meras coincidências. No actual cenário de
maior sofisticação da criminalidade financeira, a recolha de prova
directa encontra-se muito dificultada, pois o objectivo é detectar uma
simultaneidade entre movimentos de dinheiro e a deslocação dos
interesses no terreno, que, conjugadas com outros elementos, permitam
dar consistência às suspeitas e indícios.
Hoje, é do conhecimento geral que há inquéritos em curso
confirmados pelos ministérios públicos de ambos os países relacionados
com a abrangência dos contactos que se estabeleceram entre os círculos
próximos do ex-Presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva e os do
ex-primeiro-ministro José Sócrates. A Procuradoria-Geral da República
já informou que as autoridades brasileiras pediram “a cooperação
judiciária”, mas não avançou detalhes.
Na lista de acções policiais consta o raide à sede da PT, em Janeiro de 2015 AFP/PATRICIA DE MELO MOREIRA
Na lista de acções policiais consta o raide à sede da PT, na
Avenida Fontes Pereira de Melo, em Janeiro de 2015, para recolher dados
sobre os negócios com a Oi. E, no início de Setembro, o semanário Sol
revelou que na casa de Luís Oliveira Silva, sócio e irmão de José
Dirceu, o antigo homem forte de Lula da Silva, a Polícia Federal
apreendeu um documento com uma anotação sobre a "Portugal Telecom”.
A
malha aperta-se, portanto, à volta da actuação da empresa nacional nos
últimos anos e dos seus principais gestores e accionistas, alvo de
vários processos judiciais. O mês passado ficou a saber-se que a
operação Marquês (que tem no epicentro José Sócrates, Armando Vara, Carlos Santos Silva ) se alargou à oferta pública de aquisição (OPA) lançada pela Sonae, em 2006, sobre a PT. Recentemente, o Diário de Notícias informou que o Ministério Público ouviu, a 22 de Setembro, o presidente da Sonae, Paulo Azevedo, na qualidade de testemunha.
Em
causa estão os trâmites que envolveram o chumbo da OPA na assembleia
geral de 2 de Março de 2007 e que forjou uma aliança entre accionistas
da PT, encabeçada pelo BES e pela Ongoing, e o Estado. Depois de na fase
inicial ter dado sinal de que apoiava a OPA, Sócrates acabaria por
recomendar à Caixa Geral de Depósitos, que tinha como vice-presidente
Armando Vara, para se abster na decisão, o que ditou o fim da oferta.
Daí ser previsível que o MP procure encontrar uma ligação do voto do
banco estatal a possíveis movimentos de dinheiro.
O início do negócio No
entanto, foi no seguimento desta operação que se deu a aproximação à
Oi. A Telefónica, grande accionista da PT, tinha celebrado um pacto
secreto com a Sonae : caso a
OPA vencesse, venderia os 50% da Vivo nas mãos da PT. Acossado pela
“traição”, o núcleo duro da PT (BES-Ongoing) começou a procurar um novo
acelerador de crescimento no Brasil.
Data desta época o discurso
do então presidente da PT, Henrique Granadeiro, a defender a criação de
um operador transatlântico de língua portuguesa, como alternativa
à Vivo. Sabe que a Vivo irá, mais tarde ou mais cedo, parar às mãos da
Telefónica. O plano levá-lo-á diversas vezes a São Paulo, onde mantém
reuniões com velhos conhecidos. Um deles foi Otávio Azevedo. Em 1998, a
Andrade Gutierrez (28%) apareceu associada à PT no consórcio para
comprar a Telesp Celular (que dará origem à Vivo), ao lado da Telefónica
(19%). Mas antes de a privatização estar concluída a construtora saltou
fora.
Oito anos volvidos os caminhos da PT e da Gutierrez voltam a
cruzar-se. Otávio Azevedo assumirá um papel fulcral nas conversações
que daí em diante se desenrolam. Começava a ser preparado o embrião da
operação PT-Oi que será anunciado quatro anos depois.
Em
simultâneo, Granadeiro movia-se junto das altas esferas do Governo
brasileiro para encontrar aliados. A 8 de Junho de 2007, o ministro das
Comunicações, Hélio Costa, declarou publicamente ser favorável ao
projecto da PT e deu garantias de empenho junto de Lula da Silva para
que este recebesse de "braços abertos" a ideia “defendida por Henrique
Granadeiro”.
Foi neste contexto que o ex-Presidente da República
Mário Soares foi sondado pela PT, para ajudar a criar pontes com o
Presidente Lula. E é Soares que aconselha Granadeiro a procurar o
escritório de advocacia Fernando Lima, João Abrantes Serra e José Pedro
Fernandes, a LSF & Associados. O gabinete é sócio no Brasil de José Dirceu ,
o líder petista conhecido como facilitador de negócios, a quem a LSF
chegara anos antes por via de José Pedro Fernandes. Mas será Abrantes
Serra a apresentar Dirceu a Nuno Vasconcelos e a Rafael Mora, da Ongoing
(e a Miguel Relvas). Dirceu, que surgiu nos epicentros dos grandes
escândalos que rebentaram no Brasil ("mensalão", Lava-Jato e
"petrolão"), é classificado pela Polícia Federal como o “chefe da
quadrilha”. Dirceu contesta e diz que é vítima de perseguição política.
Passado
pouco tempo na folha de avenças mensais da PT começa a constar o nome
do escritório de advocacia LSF & Associados com facturações mensais
de 50 mil euros. Quando detecta os movimentos, Luís Pacheco de Melo,
ex-administrador financeiro da PT, questiona Granadeiro, mas o CEO
avisa-o que existe um acordo para cumprir – o que não impede o ex-CFO da
PT de suspender as avenças, mas não evita a entrega à LSF de 200 mil
euros. A colaboração da LSF-Dirceu com a PT foi confirmada ao PÚBLICO
pelos protagonistas.
O PÚBLICO pediu aos principais responsáveis
envolvidos neste dossier para comentarem informações ou prestarem
esclarecimentos, mas todos declinaram. Pacheco de Melo alegou não ter
disponibilidade para o fazer por estar a viver fora de Portugal (é o
novo administrador financeiro da Mota Engil na América Latina), enquanto
Henrique Granadeiro optou por sublinhar que estão a decorrer vários
processos judiciais envolvendo a ex-PT (agora Pharol) pelo que tem dever
de sigilo.
Um dos visitantes mais assíduos de Ricardo Salgado (hoje em prisão domiciliária no âmbito do caso Monte Branco, que
investiga o maior caso de crimes de branqueamento de capitais) será
Otávio Azevedo, que tem casa em Lisboa. Entre o final de 2007 e o começo
de 2011, há registo de várias idas à sede do BES, para manter reuniões
com o banqueiro. Por vezes, aparecem Nuno Vasconcellos e Henrique
Granadeiro. Era o início da preparação da parceria PT-Oi, que será
monitorizada pelo Ministério das Obras Públicas, Transportes e
Comunicações, tutelado por Mário Lino (próximo de Sócrates). O seu chefe
de gabinete, Luís Ribeiro Vaz, tem grande proximidade do núcleo duro da
PT. António Cunha Vaz, que trabalhou com a Sonae na OPA, relatou em
2012 ao PÚBLICO: “Ouvi Ribeiro Vaz contar que uma parte do dia estava no
gabinete de Mário Lino [com quem Azevedo discutia os detalhes da OPA] e
a outra com a Ongoing a montar a estratégia contra a OPA.”
Após o escândalo "mensalão "
(ligado à compra de votos de parlamentares brasileiros entre 2005 e
2006), começa a procura de novas fontes de rendimento. No final de 2008,
chegava a Lisboa José Dirceu, coincidindo com a visita de Lula da
Silva, que está em viagem oficial.
As grandes operações a
necessitar de autorizações estatais estão, por vezes, reservadas a quem
paga comissões. E à Avenida Fontes Pereira de Melo, sede da PT, vai
chegar a informação de que o negócio com a Oi está condicionado à
entrega ao grupo petista de 50 milhões de euros, verba que deve ser
movimentada por uma conta em Macau. Sem pagamento, não haverá parceria.
Na
PT torce-se o nariz e o ex-CFO Pacheco de Melo declara que as
avaliações técnicas à Oi não o convenceram. E não há acordo quanto aos
termos da transacção. A primeira tentativa de junção da PT-Oi não será
bem sucedida, o que não impediu que as portas continuassem abertas a um
entendimento.
Telefonica conseguiu ficar com os 50% que a PT detinha na Vivo Nacho Doce
Enquanto tudo isto se passa, a Telefónica prosseguia o seu
objectivo de adquirir os 50% que lhe faltam da Vivo. E procura apoio
junto de Abrantes Serra e da consultora Oliveira e Silva &
Associados. Esta empresa, ligada a Dirceu e ao irmão Luís Oliveira
Silva, foi identificada pela Polícia Federal como suspeita de
intermediar pagamentos ilícitos a terceiros, com cobrança de comissões
em grandes transacções.
No primeiro semestre de 2010, a banca
portuguesa, que apostara no financiamento em larga escala, contando com o
fácil acesso aos mercados, com baixas taxas de juro, dá por terminado o
ciclo favorável. E, sabe-se agora, que no BES havia contas para pagar.
Por
volta de Abril são reabertos os contactos com a Oi. E Salgado,
Vasconcellos, Granadeiro e Otávio Azevedo voltam a juntar-se em Lisboa
para ultrapassar o impasse. Em comum têm problemas para resolver: o BES
enfrenta restrições financeiras, a Ongoing tem dívidas de quase 800
milhões, a PT quer encontrar um substituto para a Vivo, a Oi está
alavancada no banco estatal BNDES.
Mas no Brasil falta dar um empurrão ao acordo PT-Oi. Para impor um deadline , a Telefónica antecipa-se e oferece à PT, a pronto pagamento, 7,15 mil milhões de euros por 50% da Vivo.
Quando,
finalmente, a Telefónica dá o passo em frente, a administração da PT
anuncia que levará a proposta à assembleia geral (AG) de 30 de Junho de
2010 com recomendação positiva. O Estado tem uma golden share (acções
com direitos especiais) e José Sócrates veta a operação com o argumento
de que só a autorizará depois de a operadora lhe apresentar uma
alternativa no Brasil.
Após a fusão com a Oi, a PT Portugal acabou por ser vendida aos franceses da Altice, alterando o modelo de negócio inicial Nacho Doce
O foco da AG sofre uma reviravolta que surpreendeu a maioria
dos presentes. Sobre este incidente há opiniões: os grandes accionistas e
gestores da PT foram apanhados desprevenidos; o veto de Sócrates foi
concertado com o núcleo duro da PT para criar dificuldades e obrigar a
acelerar o fecho do negócio.
Conversas entre Lula e Sócrates Nos
dias seguintes multiplicam-se as conversas entre Lula e Sócrates e os
entendimentos entre a PT e a Oi. Movimentações que se tornam claras
quando, a 8 de Julho, José Dirceu surgiu em Lisboa a dar uma entrevista
ao Diário de Notícias : “Sempre defendi a fusão da Oi com a
Brasil Telecom ou com uma empresa como a PT.” Na altura, fonte não
oficial da PT inquirida sobre o que veio fazer Dirceu a Portugal, foi
taxativa: “Nunca trabalhámos com os escritórios de Dirceu no Brasil, mas
não podemos garantir que os accionistas não o tenham feito.”
Dias depois o jornal Folha de São Paulo avançava
que Brasília "articula uma operação para que a Oi e a PT virem sócias".
E refere: Lula da Silva e José Sócrates já trataram do assunto. Ora,
Otávio Azevedo é um homem de muitas conexões políticas. O BNDES, o
banco estatal brasileiro presidido por Luciano Coutinho, detém 5% da Oi,
e está agora a ser alvo de averiguações por contratos de financiamentos
suspeitos, nomeadamente com Angola. Outro investidor da Oi é o Pactual,
liderado por André Esteves, que é o banco de investimento da Andrade
Gutierrez. Quer Luciano Coutinho, quer André Esteves são figuras do
círculo de Lula da Silva.
A 27 de Julho de 2010 é anunciado fumo
branco. A Telefónica vai pagar pelo controlo da Vivo 7,5 mil milhões
(sobe o preço para o Estado salvar a face, mas o valor será liquidado em
três tranches) e a PT aceita adquirir 23% da Oi por 3,75 mil milhões,
dos quais dois terços se destinarão a aumentar o capital da operadora
paulista. A restante parcela, 1,2 mil milhões, será partilhada pelos
accionistas.
Os acordos finais vão continuar a exigir reuniões no
BES e na PT. E sempre à porta fechada. O pacto definitivo será
celebrado a 26 de Janeiro de 2011, enquanto os pagamentos da PT à Oi só
ficarão concluídos nos meses seguintes.
As autoridades suspeitam
agora de eventuais verbas ilícitas entregues ao grupo de Lula da Silva e
a políticos e gestores portugueses. E os indícios apontam para uma
origem na parcela de 1,2 mil milhões, com o Ministério Público a querer
saber quem deixou a sua assinatura.
O negócio PT-Oi parecia ser a
combinação perfeita, mas produziu escândalo e transfigurou-se, seja pela
diminuição do peso dos accionistas nacionais na Oi (por via do impacto
do BES), seja pela venda da PT Portugal aos franceses da Altice .
A ligação promíscua ao seu accionista emblemático, o BES, revelou-se
fatal para a PT. E, quando o GES ruiu, foi obrigada a contabilizar uma
perda de quase mil milhões de euros que se traduziu no fim do grande
projecto luso-brasileiro. E levou às demissões de Granadeiro e Zeinal Bava .
A
19 de Junho, o juiz Sérgio Moro deu ordem de prisão a Otávio Azevedo,
por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa
para fraudes em licitações milionárias da Petrobras entre 2004 e 2014,
com depósitos no exterior.
A defesa do ex-administrador da PT
(Azevedo foi nomeado administrador em 2011), em representação da Oi,
contestou e alegou que o gestor era presidente da holding Andrade
Gutierrez, com funções de representação institucional e que “nunca teve
conhecimento da dinâmica comercial e operacional” da construtora. O
juiz respondeu que tem provas significativas dos crimes e manteve-o
preso.