Para o sociólogo, é preciso modificar a estrutura dos
partidos, hoje dominada por uma cúpula que abre poucos espaços para a
participação social dentro deles. Boaventura citou o exemplo do partido
espanhol Podemos, fundado em 2014, com uma nova dinâmica interna, baseada em
círculos de decisão, e fortemente amparado nas redes sociais, inclusive para
seu financiamento.
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Vladimir Platonow - Repórter da
Agência Brasil
O resgate da democracia, sequestrada pelas forças do
mercado, será feito com a retomada das ruas pela sociedade, único espaço ainda
não colonizado. A análise é do sociólogo português Boaventura de Souza Santos,
que participou no Rio do seminário Cultura e Política, iniciativa do programa
Cultura e Pensamento, do Ministério da Cultura.
O encontro de Boaventura com estudantes e professores
ocorreu no Teatro de Arena na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) na
última quinta-feira (29), quando o intelectual falou e respondeu perguntas da
platéia. Entre os assuntos principais abordados, ele destacou o esgotamento da
democracia representativa tradicional, na qual se elegem políticos para
representar a população, e a busca pela democracia participativa, com atuação
direta dos eleitores, seja através de plebiscitos ou por manifestações de rua.
“Muita da cultura é feita no espaço público, é feita na
rua. Desde 2011, os jovens, em vários países do mundo, do Ocuppy [Wallstreet,
nos Estados Unidos], dos Indignados [da Espanha], do sul da Europa, aos
protestos que aconteceram aqui em 2013, os jovens chegaram à conclusão de que
rua é o único lugar público que não está colonizado pelos mercados financeiros.
E vêm para a rua porque as instituições não respondem aos seus anseios.”
Segundo Boaventura, a democracia representativa está refém
das forças de mercado. “Em muitos desses movimentos, o que pedem? Alguma coisa
revolucionária? Não. Pedem democracia real, democracia já. Porque esta
democracia que temos foi sequestrada por antidemocratas. Ela hoje é refém do
dinheiro e não pode ser uma democracia. Isto significa que a democracia
liberal, representativa, não sabe se defender do capitalismo. Para isso, ela
tem que se articular com a democracia participativa e deliberativa e esta
democracia participativa vai obrigar a novas formas de política.”
Para o sociólogo, é preciso modificar a estrutura dos
partidos, hoje dominada por uma cúpula que abre poucos espaços para a
participação social dentro deles. Boaventura citou o exemplo do partido
espanhol Podemos, fundado em 2014, com uma nova dinâmica interna, baseada em
círculos de decisão, e fortemente amparado nas redes sociais, inclusive para
seu financiamento.
“No Podemos, quem delibera quem são os candidatos são os
círculos de cidadãos. Quem delibera a agenda são os círculos de cidadãos.
Democracia participativa dentro do partido, como órgão da democracia
representativa. Para fazermos isso, nas próximas décadas, temos que ir para a
rua. Nós vamos ter nos nossos países momentos turbulentos em que vamos misturar
luta institucional com luta extrainstitucional. Lutas nas instituições, para
que nos sirvam e sejam democráticas, e lutas fora das instituições para forçar
essas transformações.”
Boaventura explicou o que significa o conceito trabalhado
por ele de “poder dronificado”, uma forma que em princípio mostra-se
invencível, mas que tem entre os seus pontos fracos justamente a resistência
popular.
“O poder contemporâneo é um poder dronificado. O drone é
uma forma de poder bélico que elimina o heroísmo da guerra, que elimina a
possibilidade da derrota, porque quem está a matar no Afeganistão está atrás de
um computador no Nebraska, nunca pode ser morto, ferido ou derrotado. Mas
também não pode ser herói. Muito do poder hoje quer se afirmar como invencível.
O que são os mercados financeiros se não uma forma de poder dronificado? O que
são as formas de segurança de nossos dados de vigilância global, se não uma
forma de poder dronificado? Mas este poder é frágil. Parece muito forte, mas é
frágil. O problema é que a força está em nós. Somos nós que lhe damos essa
força toda, porque não resistimos, porque não sabemos resistir.”
Respondendo a uma questão levantada pela reportagem da Agência Brasil, durante o debate,
sobre os motivos que levaram ao arrefecimento dos movimentos de rua no país,
que juntaram multidões em 2013 e 2014, Boaventura disse que via uma certa
estupefação dos movimentos sociais.
“Eu não penso que haja letargia. Eu noto é que os movimentos
estão assustados. A gente pensava que as conquistas dos últimos 13 anos eram
irreversíveis, que as instituições democráticas tinham criado uma cultura
democrática. Agora são duas coisas diferentes. Temos instituições democráticas,
mas não temos uma cultura democrática ainda institucionalizada.”
Nascido em Coimbra no ano de 1940, Boaventura Santos é
doutor em sociologia do direito pela Universidade de Yale, professor
catedrático jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, além
de ministrar atividades na Universidade de Wisconsin-Madison e na Universidade
de Warwick. Atua ainda como diretor do Centro de Estudos Sociais da
Universidade de Coimbra e é coordenador científico do Observatório Permanente
da Justiça Portuguesa.
O sociólogo tem trabalhos publicados sobre globalização,
sociologia do direito, epistemologia, democracia e direitos humanos e foi
traduzido para o espanhol, inglês, italiano, francês, alemão e chinês. Outras
informações sobre o pensamento do sociólogo português podem ser obtidas na
página pessoal dele na internet.