Quinta,
12 de novembro de 2015
Da Carta
Capital
Nenhuma
mulher nasce feminista, mas pode tornar-se ao dirigir seu olhar crítico a
padrões sociais; Luciana Genro assume a coluna no #AgoraÉQueSãoElas
Por
Luciana Genro
A primavera é das mulheres
Simone de Beauvoir tornou-se objeto das mais indignadas
manifestações dos machistas (e ignorantes) de plantão. Sua frase,
inserida no exame do ENEM, foi por poucos compreendida.
Vejamos a frase completa:
“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino
biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume
no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse
produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de
feminino” (Beauvoir, Simone de. O segundo sexo. Vol.2. A Experiência
vivida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980; p. 9).
Gostando ou não da forma como Simone se refere às mulheres, o
que ela coloca é uma verdade inquestionável. O “ser mulher” (o que não
se limita ao fato de ter ou não uma vagina, gostar ou não de sexo com
homens) é uma construção social. Somos educadas a nos contentar e a
viver no universo do particular, do privado. Treinadas para sermos boas filhas, mães e esposas.
A cuidar da casa e, quando muito, contar com a ajuda do marido
para as tarefas domésticas, que são nossas por definição. Eles nos
ajudam. Aliás, ter um bom marido é uma conquista fundamental nesta
lógica. E se não quisermos ter filhos, somos egoístas e insensíveis.
Esta construção se reflete na vida e nas leis: homens não dão à luz, o
aborto pode ser criminalizado. Mulheres cuidam dos filhos, não é
necessário oferecer creches gratuitas e de qualidade. Mulheres cozinham e
lavam roupa, não é necessário restaurantes e lavanderias populares. A
sociedade incensa o casamento e a maternidade e depois vira às costas
para as esposas e mães: se virem como puderem!
O novo é que vivemos hoje uma primavera feminista. Eduardo Cunha, o
corrupto, homofóbico e machista, despertou uma indignação latente. Não
levante o dedo para mim! Não mexa nos meus direitos!
O grito trancado na garganta escapuliu e milhares de mulheres tem
saído às ruas nos atos pelo “Fora Cunha”, em defesa de direitos que já
conquistamos e pelos que ainda lutamos. Cunha é a manifestação do ataque
conservador aos direitos das mulheres e também o símbolo máximo da
putrefação de um sistema onde as mulheres não têm voz e nem vez.
São homens legislando sobre os corpos das mulheres e decidindo nossos
destinos. Por isso a revolta das últimas semanas tem a ver com o
direito de decidirmos sobre a nossa vida, mas também com o de nos
sentirmos representadas na política.
Ninguém nasce mulher, torna-se mulher. Nenhuma mulher nasce
feminista mas pode tornar-se feminista quando dirige o seu olhar crítico
não mais a si mesma, por não se encaixar nos padrões exigidos, mas a
estes mesmos padrões, renegando-os e construindo outros, libertários,
igualitários e fraternos. Sim, os ideais da revolução francesa ainda
estão por se realizar. As mulheres, os jovens, LGBTs, oprimidos e
explorados tomam para si esta tarefa. Haveremos de vencer!
*Luciana Genro foi candidata à presidência pelo PSOL em 2014