Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Dilma governará para a direita, com ou sem reforma política


Sexta, 31 de outubro de 2014
Da Tribuna da Imprensa
Igor Mendes
Chama-se na guerra manobra diversionista aquela que, fingindo uma ação num determinado ponto do terreno, engana o inimigo, possibilitando que um ataque ou uma retirada em outro ponto seja efetivamente realizada. Não é outra coisa a falácia da tal reforma política, via plebiscito, proposta por Dilma, que consegue ser duplamente mentirosa. É mentirosa, em primeiro lugar, porque no seu conteúdo não alterará nada essencial na política brasileira (da qual o sistema político formal é apenas uma parte, e não a mais importante); é mentirosa, ainda, porque nem ela própria nem Lula admitirão qualquer ruptura com o PMDB e demais “aliados” por causa disso.
Vamos por partes.
Quando falamos que o sistema político formal é uma coisa, a política é outra, queremos dizer que a forma jurídica apenas reveste a essência de classe, e essa é a decisiva. Na aparência, parlamentos democraticamente eleitos, judiciário imparcial, poderes independentes, respeito à Constituição. Na essência, são os interesses das altas esferas de poder, as confederações de industriais, os fundos de investimento, a federação dos bancos, os ruralistas, os que decidem, eles são o autêntico Poder, e todos os outros “poderes” da nossa maravilhosa República não são mais que apêndices desse poder único. Substituir o financiamento empresarial por privado, ou seja, que as campanhas passem apenas a ser turbinadas por pessoas físicas, não alterará em nada o fato de que quem tem mais dinheiro influenciará mais, mesmo porque o grosso das transações vem de desvios no Erário via caixa 2, e todo mundo sabe disso. E mesmo o clamor de que o financiamento passe a ser público, em vez de privado, não alterará esse dado, porque o Estado não é meu, nem seu, leitor, o Estado não é “do povo”, e os grupos de poder que nele estiverem mais encastelados dominarão, necessariamente, as cotas a serem repartidas. E não há muito mais o que render sobre esse assunto.
Agora chegamos ao PMDB. Foram Lula e José Dirceu que costuraram, há tempos, essa aliança com o PMDB, e se o PT quiser se manter no governo –podemos ter certeza que quererá! –não poderá abrir mão dela, ainda que tenha que jogar alguns dos seus aos leões. Aqui na eleição do Rio mesmo, Lindberg Farias, tido por muitos como afilhado político de Lula, passou vexame, completamente relegado nas eleições ao governo estadual por seu próprio partido, para o qual valeu, como sempre, a máxima de que o melhor time é aquele que está ganhando. O PMDB, que nada mais é que uma federação de oligarquias regionais, exemplo acabado de que a República Velha não terminou ainda, tem novamente a maior bancada no Congresso, o que lhe garante mais uma vez –como tem sido nos últimos vinte anos –ministérios e estatais, independente de quem receba a faixa presidencial a 1º de janeiro. Obviamente que essa “classe política”, na verdade uma casta, não votará nenhuma medida que vá de encontro aos seus próprios privilégios. E nem Dilma alcançará a sacrossanta “governabilidade” sem satisfazer, pragmaticamente, esses interesses.
O plebiscito e a reforma política são factóides pois, ainda que realizados, não alterariam em nada o caráter antipopular do Estado brasileiro, pelo contrário, poderiam dar-lhe um pouco mais de credibilidade ante uma população cada vez mais insatisfeita; mas tamanha é a decomposição, moral inclusive, da política oficial do país, que nem unidade para isso seus quadros conseguem atingir. E desse assunto, daqui a pouco, ninguém mais se lembrará...e tudo continuará sendo apenas mais do mesmo...
Exceto pelo fato de que as ruas também terão algo a dizer.