Terça, 17 de novembro de 2015
Da Tribuna da Internet
Vittorio Medioli, no jornal O Tempo
Depois do desastre, de gravidade sem
precedentes, que devastou o município de Mariana e todo o Vale do Rio Doce,
instala-se naturalmente o processo para se encontrarem as causas e se
determinarem responsabilidades. O descarte de minério descendo em avalanche
decretou a morte de dezenas de pessoas, a extinção de povoados históricos,
arruinou centenas de famílias, de propriedades rurais, a fauna e a flora que
povoavam a região, símbolo dos primórdios de Minas.
O estrago revolta até o olhar mais
insensível. Os danos difíceis de se quantificar, a recuperação impossível e
irreparável, atingindo diretamente grande parcela da população do Estado,
chocaram o mundo inteiro. E a pergunta: como é possível que um Estado de
vocação extrativa, que já teve vários desastres decorrentes da mesma causa,
volte a protagonizar um espetáculo tão avassalador?
Os dejetos da mineração, acomodados
numa bacia de contenção da Samarco, são resultado da produção ininterrupta de
minério de ferro, ao longo de 40 anos de extração. A bacia foi estudada
inicialmente com segurança para abrigar as sobras não comercializáveis da
extração, sofreu seguidas expansões de capacidade determinando a elevação do
nível para conter camadas originadas pela crescente produção de pelotas de
minérios que são levadas por minerodutos até o mar.
MAIOR DO MUNDO
Os últimos anos fizeram da Samarco,
controlada pela Vale, a principal fornecedora de pelotas de minério do mundo.
Evidentemente, foram subestimados o risco representado pela elevação da cota e
a condição em que se estabilizariam milhões de toneladas de resíduos.
Abaixo da barragem não foram erguidas
barreiras suplementares de contenção que pudessem atenuar um possível
rompimento ou dar vazão a uma emergência. Confiou-se que a barragem fosse
sólida e suficiente por si mesma.
Para atenuar responsabilidades, foram
apresentadas hipóteses, como a de abalos detectados por sismógrafos em Brasília
na hora do rompimento das duas barragens. A região de Mariana, entretanto, é
considerada estável e sem terremotos. A informação pode, assim, ser
interpretada em duplo sentido. O primeiro deixa entender que um tremor de terra
de intensidade de 1,5 grau na escala Richter gerou a quebra da barragem,
coincidindo com o horário da falência da encosta. Mas também deixa livre a
interpretação de que o movimento de milhões de toneladas provocado pelo estouro
da represa se gerou concomitantemente com a avalanche ocorrida no local. A
descrição dada pelos sismógrafos certamente pode esclarecer o ponto de origem,
se foi proveniente do subsolo ou da avalanche e de sua queda sobre o vale.
A intensidade de 1,5 grau do abalo
registrado não representa, via de regra, impacto suficiente para abalar uma
estrutura elástica como uma barragem.
ELEVAÇÃO DA BARRAGEM
A falha mais plausível recai nos
projetos de ampliação, que poderiam ter elevado em excesso o nível da
sedimentação dos dejetos. Quanto mais alta, mais crítica ficou a barragem, numa
cota muito elevada em relação a sua base.
Nos últimos 15 anos a extração se
acelerou, ditando novas ampliações para acolher descartes da extração mineral.
A Samarco passou do ponto de segurança, entrou numa faixa de risco
elevadíssima, com autorização e fiscalização públicas. A responsabilidade não
só é de quem executa, mas de quem autoriza e fiscaliza.
Num Estado em que os empreendimentos
agrícolas e agroindustriais recebem tratamentos de controle ambiental
pontualmente burocráticos e punitivos, apesar da ausência de riscos, eles se
arrastam por anos e passam por etapas inconsequentes. Não dá para entender
como, ao contrário, as bilionárias mineradoras têm seus projetos aprovados ao
arrepio da lei, a toque de caixa, deixando no rastro estragos que se repetem
com imperdoável frequência.