Quarta, 18 de novembro de 2015
Do
site Ponte
Direitos Humanos, Justiça e Segurança Pública
Um dos professores agredidos pela PM
na frente da escola, no último sábado, está em licença médica e recebe o apoio
dos alunos; Apeoesp levará caso para pelo menos três Comissões de Direitos
Humanos
O professor de história Edivan Costa
está em casa desde sábado (14), quando foi agredido, algemado e levado a uma
delegacia, porque estava tentando preservar a integridade física dos alunos da
Escola Estadual José Lins do Rego, que aderiam aos protestos contra o plano de
reestruturação do ensino público apresentado pelo quarto governo Geraldo
Alckmin (PSDB), que prevê o fechamento de 94 escolas em todo o Estado. Abalado
física e psicologicamente, ele está de licença até a próxima semana: “Senti
como se um caminhão tivesse me atropelado, não tenho conseguido dormir.
Fecho os olhos e vejo as cenas, ouço gritos, meu coração dispara”, conta. Os
alunos que participam da ocupação prestaram, via redes sociais, homenagens ao
professor na terça-feira (17). Tiraram fotos em uma sala de aula da escola
segurando cartazes com dizeres como: “enquanto não houver justiça, não haverá
paz”, “força, Edivan”, “mais amor, menos violência”, “estamos com você” e
“obrigada, Edivan”.
Ainda ontem (17), do lado de fora da
escola José Lins do Rego, que fica localizada no Jardim Angela, na Zona sul de
São Paulo, alunos da E.E. Professora Eulália Silva e E.E. Diná Olegário,
na mesma região, deram um abraço simbólico no prédio para repudiar a investida
da PM-SP (Polícia Militar do Estado de São Paulo) que, além de Edivan, deixou
ferida a professora de filosofia Jaiane Estevam. A Apeoesp, sindicato que
representa os professores da rede estadual de ensino, afirma que vai entrar com
representação denunciando o abuso da força policial em pelo menos três
comissões de Direitos Humanos: na OAB-SP, na Alesp (Assembleia Legislativa de
SP) e no Congresso. Segundo a presidente da Apeoesp, Maria Izabel Noronha, “o
que aconteceu foi grave e não pode cair no esquecimento”.
Estudantes de escolas vizinhas abraçaram o prédio onde se localiza a E.E José Lins do Rêgo
Muito mais do que se manifestar
contra as mudanças impostas pelo Governo de São Paulo no plano de educação,
alunos se queixam de superlotação nas salas de aula e por isso aderiram ao
movimento de ocupação das unidades de ensino. Até a publicação desse texto já
eram 54 escolas ocupadas em todo o estado.
De acordo com Edivan, desde as
primeiras horas da manhã de sábado (14), o clima estava tenso. Inicialmente,
haveria uma reunião com pais e alunos para tirar as dúvidas sobre as mudanças
impostas no plano de educação do governo do estado de São Paulo. Mas quando o
professor chegou na escola ficou sem entender o que estava acontecendo: “Quando
cheguei na escola, estranhei a presença ostensiva da PM que circulava no pátio
entre os pais e estudantes. Na rua várias viaturas davam ao lugar um ar
pesado”. Edivan afirma que alguns integrantes do MTST estavam na frente da
escola, mas que a maioria eram pais e estudantes da comunidade.
Foi nesse momento que o grupo de
alunos decidiu que aproveitaria o grande volume de pessoas e iniciaria o
processo de ocupação. Edivan Costa explica que os professores não participaram
desse primeiro movimento, mas entraram em acordo com a PM e os estudantes que
estavam protestando que ficariam do lado de fora, com a condição de que o
portão ficasse aberto para que pudessem ver o que acontecia lá dentro. “A
possibilidade de repressão aos estudantes nos deixava apreensivos”, ressalta.
Chutes e algemas
“O que aconteceu foi muito rápido e
infelizmente não permitiu diálogo. A PM entrou na escola e de dentro tentaram
fechar o portão a força. Tudo que sentimos foi medo. Medo pelos nossos estudantes.
Por um instante fiquei paralisado, sem acreditar no que estava acontecendo”,
relata o professor Edivan Costa, que acompanhava tudo e pedia calma aos
policiais. A professora de filosofia e amiga de Edivan, Jaiane Estevam – também
afastada por licença médica -, tentava impedir o fechamento do portão sob
cacetadas e chutes. “Ela caiu e mesmo agredida consegui colocar a perna entre
os portões, que impiedosamente era empurrado pelos policiais. Não havia
diálogo, apenas golpes de cassetete, cena que jamais esquecerei”, conta.
Primeiramente, Edivan questionou os
policiais, que afirmaram que tinham ordem para fechar a escola. Decidiu correr
para socorrer Jaiane, já machucada, e foi então que virou vítima também. “Senti
pancadas na cabeça e muitos chutes no corpo, me colocaram no chão e me
algemaram, meus olhos ardiam em brasa porque jogaram muito gás pimenta, em todo
mundo, professor, pai, aluno…não houve diálogo. Não resisti. Chorei de dor e de
vergonha. Minha mãe dizia que não suportaria ver filho algemado em camburão”,
desabafa.
Resistência
Apesar dos gritos de protesto de
pais, alunos e docentes para que soltassem o professor, Edivan foi levado para
o hospital M Boi Mirim, onde os policiais tiraram as algemas e permitiram que
ele lavasse o rosto. Em seguida, foi obrigado a assinar um termo circunstancial
por resistência.
A Polícia Militar divulgou uma nota à
imprensa no fim de semana sobre uma suposta agressão que um policial teria
sofrido de um sindicalista, que seria, na verdade, Edivan. O professor contesta:
“não havia ninguém com garrafas naquele momento perto de mim, não sou
sindicalista e categoricamente não machuquei o policial”.
“Não os culpo enquanto pessoas. E
cheguei a dizer que lamentava tudo aquilo, porque o nosso trabalho tem impacto
no trabalho deles. Mas culpo esta lógica truculenta que manda PM para escolas,
não houve ameaça ao patrimônio ou qualquer situação hostil, era pacífico. Tudo
poderia ter sido conduzido de outra forma”, ressalta.
Um peso, duas medidas
A primeira instituição de ensino a
aderir ao movimento de ocupação foi a Escola Estadual Diadema, no ABC,
localizada em uma região central da cidade. Algumas horas depois, foi a vez da
Fernão Dias Paes, unidade considerada de excelente qualidade e localizada em
bairro nobre de São Paulo, na Avenida Pedroso de Moraes, perto da Rebouças, em
Pinheiros. Para o professor Edivan, o fato de ser uma escola periférica
evidencia uma diferença de tratamento que salta aos olhos. Ele relembra que a
Justiça determinou que a polícia não deveria receber ordens de intervir nestas
manifestações e atenta para o número de policiais que estão em frente a algumas
unidades – na escola de Pinheiros, o contingente chegou a quase 100 homens, mas
não houve nenhum caso de abuso de autoridade policial. “A lei do cacetete não
pode ser ferramenta de convencimento em lugar nenhum, muito menos no espaço
escolar e não perceber isto é assustador”, conclui. A presidente da
Apeoesp endossa que a única escola onde se viu uma violência desmedida foi na
unidade do Jardim Ângela. “O governo se aproveitou do fato de ser um final de
semana para reprimir sem ser questionado. Também salta aos olhos a diferença de
tratamento das escolas em área nobre e dos bairros periféricos. O que aconteceu
no sábado mostra bem o tratamento que a polícia dá a periferia”, destaca Maria
Izabel.